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PARA ONDE VAI A COLUNA SOCIAL? XIX


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O Brasil do século XX foi uma sociedade na qual muitos indivíduos já estavam dispostos a exibir publicamente a sua intimidade. Alguns por serem ricos e nascidos em famílias que mantinham o poder econômico ao longo de algumas gerações. Outros, por considerarem necessário parecer com os chamados “ricos e bem nascidos”, exibindo-se socialmente como forma de buscar um destacado espaço de legitimação social e reconhecimento.

Um processo de exposição que subverteu o conceito de invasão de privacidade. Em alguns casos de pessoas que apareciam em colunas sociais, não foram aquelas as pessoas que tiveram a sua privacidade invadida pelos colunistas. Foi a privacidade daquelas pessoas que invadiu a vida dos leitores, mesmo sem a aquiescência deles.

Todos os leitores foram transformados em consumidores compulsórios de um espetáculo armado à revelia deles, em relação ao qual, certamente, não houve nenhum tipo de interesse. Muitas pessoas que ascenderam e buscaram o reconhecimento dos grupos da elite social assumiram artifícios que facilitaram o acesso ao high society.

Como ser notícia no colunismo social nem sempre foi fácil, os novos ricos adotaram a estratégia de convidar para as suas festas nomes já conhecidos da elite social. Ou de encontrar os meios que os faziam presentes nas recepções das famílias tradicionais. Nas festas das famílias tradicionais isto era bem difícil, ao menos até o final da década de 60 do século XX.

Basta verificar os nomes dos presentes às recepções registrados pelas colunas sociais. Todos de famílias bem enraizadas na sociedade. Aqueles que não estavam legitimados socialmente não encontravam espaço para se fazer presentes nos salões bem frequentados da cidade de Aracaju.

Uma festa do dia cinco de abril de 1960 reportada por Kerginaldo, colunista da Gazeta de Sergipe, é reveladora da seletividade que existia em Sergipe. “Circulamos terça-feira última na residência do Sr. Mariano Salmeron Filho e sua digníssima Sra. Zilda Garcia Salmeron, pais do jovem acadêmico de Química Mariano Salmeron Neto que nesta data completava mais um natalício.

Na magnífica recepção que o distinto nataliciante nos ofereceu, circulavam as seguintes celebridades do nosso Grand monde sergipano: Sr. Governador do Estado Dr. Luiz Garcia e sua elegantíssima Sra. Dona Emília Marques Pinto Garcia que trajava uma chic toillete estampada, Dr. José Garcia Neto e sua esposa não menos elegante D. Lígia Borges Garcia despontando num belo figurino areia, Dr. Antônio Garcia Filho o gentleman de nossa barbosópolis e Sra. Valdete Conde Garcia, Dr. Samuel Melo e sua elegante Sra. D, Valdete Garcia Melo trajando moderníssimo conjunto saia e blusa, Dr. Junot Silveira e Sra. Eliete Garcia Silveira, Sr. Mário Souza e Sra., Sr. João Nunes e Sra., Sr. Robério Garcia, Luiz Fernando Garcia, Carlos Augusto Simões, Gilton Garcia, Celso Dantas Araujo e o jovem Aloísio, Pres. Do Diretório Antônio Militão de Bragança, da Faculdade de Química”.    

Diferente de recepções de famílias tradicionais como a descrita acima, muitas vezes se organizava uma festa para homenagear colunáveis e pessoas famosas. A partir da década de 70, cada vez mais existiram empresas especializadas em promoção de festas e eventos badalados.

Aquelas firmas sugeriam os nomes dos que deveriam ser homenageados e convidados, fazendo com que circulassem pela festa artistas prestigiados pelos grupos de elite, políticos, empresários, mulheres bonitas e toda a horda de ricos e famosos que costumavam aparecer nas colunas sociais.

Aquele tipo de empresa, em boa parte dos casos, tinha uma porção significativa do seu faturamento garantido pelos chamados emergentes da sociedade, sempre buscando o caminho exato que os levasse às colunas sociais. Pessoas normalmente provenientes de bairros periféricos que enriqueceram, mas paralelamente ao processo que permitiu rechear suas contas bancárias, nem sempre conseguiram ficar livres da carga de preconceitos sociais que os “bem nascidos” utilizavam para olhá-las.

Muitas pessoas que consumiam esses serviços empresariais, mudaram para as zonas residenciais dos mais ricos, todavia continuavam vistos como indivíduos “sem berço”, mesmo por boa parte daqueles que nasceram “bem” mas perderam o poder econômico e viveram das tradições familiares e do capital de relações sociais acumulado ao longo de gerações. Mas eram bons nomes que terminavam atraídos e atraindo a atenção para festas do high society.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.


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