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O FETICHE DOS SEIOS


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Há algumas pessoas que sustentam a hipótese segundo a qual os peitos femininos se tornaram objeto de desejo erótico e do fetiche de homens e mulheres após a revolução de costumes que dominou o mundo, principalmente a partir da metade do século XX com o registro de momentos icônicos como o conhecido ato da queima dos sutiãs, nos Estados Unidos da América.

Para os que advogam tal posição, o fetiche teria se tornado mais intenso ainda com o uso médico do avanço tecnológico experimentado pela indústria de próteses em silicone, que cada vez mais tornou possível o aumento de volume das mamas e o seu aformoseamento sem maiores prejuízos à saúde da mulher.

Relutei em tornar pública a reflexão presente neste texto, mas é impossível negar a História. Sob a minha ótica, a preocupação de homens e mulheres com o erotismo dos seios femininos, bem como a preocupação com o seu aformoseamento e ganho de volume de modo artificial, é antiga e deixou marcas da sua presença em diferentes civilizações, períodos e lugares.

Recentemente, pesquisando o jornal Correio de Aracaju, encontrei na edição do dia primeiro de novembro de 1929 um anúncio que chamou a minha atenção:

“SEIOS. DESENVOLVIDOS, FORTIFICADOS E AFORMOSEADOS COM A PASTA RUSSA DO DR. G. RICABAL. O ÚNICO REMÉDIO QUE EM MENOS DE DOIS MESES ASSEGURA O DESENVOLVIMENTO E A FIRMEZA DOS SEIOS SEM CAUSAR DANO ALGUM À SAÚDE DA MULHER. VIDE OS ATESTADOS E PROSPECTOS QUE ACOMPANHAM CADA CAIXA. ENCONTRA-SE À VENDA NAS PRINCIPAIS FARMÁCIAS E DROGARIAS DO BRASIL. AVISO – PREÇO DE UMA CAIXA 12$000; PELO CORREIO REGISTRADA, 15$000. PEDIDOS AO AGENTE GERAL J. DE CARVALHO. – CAIXA POSTAL Nº 1.724 – RIO DE JANEIRO – DEPÓSITO – RUA GENERAL CÂMARA Nº 1.225 (SOBRADO) – RIO DE JANEIRO.

O anúncio é revelador de uma demanda por seios volumosos, rijos e aformoseados e o interesse da indústria farmacêutica em encontrar soluções para o que se apresentava à vaidade feminina e ao imaginário de homens e mulheres como um problema.

Na verdade, em várias sociedades antigas, mamas femininas eram sagradas e andavam à mostra com naturalidade, sem causar qualquer estranhamento. Somente nas sociedades europeias medievais os peitos das mulheres foram vistos com o status de símbolo do pecado. A partir do Renascimento, cada vez mais, os seios se transformaram em fruto da vaidade feminina.

Seiscentos anos antes do nascimento de Cristo as mulheres da Grécia usavam saias longas que se estendiam até os pés. Todavia, esta peça de vestuário começava abaixo dos seios que eram exibidos livremente nos espaços públicos. Aliás, é bom assinalar que tanto as deusas gregas quanto as romanas sempre são representadas em pinturas e esculturas com o busto à mostra.

O par de glândulas femininas, além de servir para alimentação dos filhos foi visto nas diferentes sociedades como um dos mais poderosos dentre os dotes sexuais femininos. O cirurgião plástico Antônio de Pádua Bertelli, especialista em cirurgias mamárias com quase 40 anos de atividade, é autor de um importante livro sobre os seios femininos. Para ele, “toda mulher, no fundo, deseja ser uma boa mãe e uma boa amante. Os seios representam os dois papéis ao mesmo tempo”. Além de operar pacientes com câncer de mama, Bertelli faz implantes de seios em mulheres amputadas.

No Sudão, até o tempo presente, em alguns grupos tribais, as mulheres andam nuas. Contudo, apenas os filhos e o marido podem tocar nas suas mamas. Mesmo os médicos quando fazem atendimento, antes de examinar as mamas devem ser autorizados pelos maridos que sempre estão presentes. Tocar as mamas da mulher de alguém, mesmo que involuntariamente, justifica o ato do marido homicida em face do ofensor.

Na Índia, peitos de mulher sempre foram eróticos, como revela um poema indiano de autor desconhecido, com mais de 4000 anos: “Feito frutos, alimentam os filhos. Mas, sobretudo saciam a fome dos homens maduros”. Na Era Cristã, cada vez mais os seios foram cobertos até ficarem completamente escondidos, comportamento que persistiu até o século XII, quando as mulheres de Veneza começaram a se vestir colocando-os à mostra novamente no dia-a-dia e em eventos especiais como os banquetes frequentados pela elite veneziana. Virou moda.

 Quando as mulheres de Florença começaram a adotar o hábito veneziano, o escritor Dante Alighieri reagiu com virulência e praguejou afirmando que desejava “as penas do inferno a quem mostra suas infames tetas”, uma vez que na Idade Média os peitos femininos eram símbolo de pecado.

Com o Renascimento, o corpo nu foi muito valorizado e se transformou em tema importante dos pintores italianos, como Rafael que fez o retrato da sua musa amada mostrando os seios. Quanto mais os artistas plásticos exibiam tetas em suas telas, mais a moda fazia baixar os decotes das roupas femininas nas ruas e nos salões das cidades europeias.

Tudo ocorria sob o olhar indignado da Igreja. A forte reação católica levou o Papa Inocêncio XI, em 1683, a excomungar as mulheres que entrassem nos templos católicos sem que estivessem com o pescoço, os ombros e o colo completamente cobertos, decisão que vigorou por mais de 30 anos.

Os peitos continuaram a impor a moda feminina no século XVIII, buscando a exaltação da sensualidade e do erotismo e massificando o uso de faixas que apertavam a cintura, além de corseletes, coletes, corpetes pespontados e armados com lâminas e barbatanas de baleia, espartilhos. Peças do vestuário feminino que comprimiam as mamas por baixo fazendo com que os decotes mostrassem mulheres com seios volumosos, fartos rijos e formosos, sedutores.

No século XIX começaram a aparecer os seios artificiais, para que crescesse ainda mais o volume das mamas das mulheres que a natureza dotou com peitos grandes, mas também aformoseasse aquelas que nem a tortura dos espartilhos era capaz de dotar com mamas volumosas. Na Exposição do Trabalho de 1855 foram apresentados os primeiros seios artificiais e a partir daí a indústria da moda, a indústria farmacêutica e a prática médica não conheceram mais limites para dotar de peitos bonitos todas as mulheres.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

Comentários

  1. Que interessante, ainda bem que você não renunciou a esse tema tão importante, quer para as mulheres, quer para os homens. Nós, as mulheres, queremos aformoseá-los, e eles os querem aformoseados. No meu caso, a esta altura do campeonato, o melhor é desistir de qualquer "reforma", pois a vida inteira sou magrinha e "despeitada". Entretanto, sei o quanto é bonito um par de seios saudáveis, até certo ponto volumosos. Eles fazem valer qualquer decote, qualquer blusa ou vestido. Morro de inveja das divas do cinema da década de 50, elas pareciam ainda mais belas do que qualquer bela de hoje. Ah, meu Deus, que lindas são, e que peitos magníficos. É muito bom ler seus textos.

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  2. Que interessante, ainda bem que você não renunciou a esse tema tão importante, quer para as mulheres, quer para os homens. Nós, as mulheres, queremos aformoseá-los, e eles os querem aformoseados. No meu caso, a esta altura do campeonato, o melhor é desistir de qualquer "reforma", pois a vida inteira sou magrinha e "despeitada". Entretanto, sei o quanto é bonito um par de seios saudáveis, até certo ponto volumosos. Eles fazem valer qualquer decote, qualquer blusa ou vestido. Morro de inveja das divas do cinema da década de 50, elas pareciam ainda mais belas do que qualquer bela de hoje. Ah, meu Deus, que lindas são, e que peitos magníficos. É muito bom ler seus textos.



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