Pular para o conteúdo principal

O GAMBITO DA CONDIÇÃO HUMANA

                                    Uma cena da personagem Beth Harmon

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Vi os sete episódios de O GAMBITO DA RAINHA, na Netflix. O título do filme remete a um dos movimentos do jogo de xadrez, normalmente manobra de abertura na qual se oferece um peão para organizar um ataque mais rápido e eficiente. A narrativa é uma adaptação do romance de Walter Tevis com o mesmo título.

Cinema de verdade. Trata da depressão sem se deixar deprimir e sem colocar ao rés do chão a alma dos espectadores. Narra a trágica e ao mesmo tempo luminosa vida de uma jovem genial que dança sobre a linha limítrofe que separa e une o racional e o irracional, fazendo das 64 casas do tabuleiro de xadrez o seu mundo.

O ritmo da narrativa é eletrizante e deixa o espectador preso aos sete episódios nos quais a atriz Anya Taylor-Joy representa o principal papel: a jovem enxadrista Beth Harmon. Dentre outros dramas, a denúncia do machismo dominante nos torneios de xadrez dos anos 60 do século XX, quando as mulheres eram descartadas e tratadas de modo desrespeitoso pelas federações, pelos organizadores das competições e pelos grandes mestres.

Outro ponto alto do drama é a relação de amor e conflito entre a jovem enxadrista Beth Harmon e a sua mãe adotiva, Alma, vivida pela atriz Marielle Heller. A genialidade da jogadora de xadrez não impediu que ainda adolescente ela se tornasse dependente de drogas. Primeiro, os comprimidos tranquilizantes e depois, numa escalada ascendente também o álcool e a maconha.

Ao viver com a sua mãe adotiva, Elisabeth descobriu que Alma era alcoolatra. Contraditória, a madrasta Alma, contudo, foi uma boa mãe que encheu a vida de Beth do carinho e da compreensão que esta necessitava. Afeto que foi fundamental para criar as condições que possibilitaram a participação da enxadrista em torneios em diferentes lugares do mundo.

Pobre Beth. Sua mãe biológica foi também uma mulher muito desequilibrada. Gênio da Matemática, vivia uma relação muito difícil com o pai da enxadrista e terminou se matando em um acidente rodoviário, dirigindo seu carro por uma estrada num momento em que Beth estava com ela. A menina escapou do acidente e foi viver em um orfanato.      

Decidi assistir a série, depois de ler um comentário escrito por uma amiga cinéfila. A ela agradeço. A série é mesmo diferente de tudo que eu imaginei. Quanta sensibilidade. Não é uma série sobre enxadristas. É uma profunda reflexão sobre a vida. Acerca da condição humana. Nossas tragédias, nossa pequenez, nossa grandeza, nossas tristezas, nossas fragilidades. Tudo narrado com uma emocionante sensibilidade. Vale a pena.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

Comentários

  1. "Não é uma série sobre enxadristas", mas imagino que conhecer um pouco desse jogo seja importante para compreender a narrativa em pauta. Infelizmente, sou um zero nesse setor, um imenso zero... Mas li todo o texto e o parabenizo por tê-lo produzido.

    ResponderExcluir
  2. Professor Jorge, absolutamente perfeito! Como foi abordado no post, o xeque-mate da série não é sobre xadrez, mas sim sobre a humanidade da protagonista , que nos cativa com suas possibilidades e contradições (e com as quais nos identificamos). Parabéns, como sempre, meu amigo! Forte abraço !

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

TRIBUTO A LUCINDA PEIXOTO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Acabei de tomar conhecimento da morte da empresária Maria Lucinda de Almeida Peixoto, ocorrido hoje na cidade de Penedo, Estado de Alagoas. Lucinda era certamente a principal herdeira dos negócios da próspera família Peixoto Gonçalves, empresários que ao longo do século XX constituíram a mais importante e mais rica família da região do Baixo Rio São Francisco, consideradas as duas margens – a de Alagoas e a de Sergipe. Tive a oportunidade de conhecer Lucinda Peixoto no final do ano de 2009, quando iniciei uma pesquisa sobre os negócios da família Peixoto Gonçalves, a convite do seu genro, José Carlos Dalles, um dos principais executivos com responsabilidade sobre a gestão das atividades econômicas da família. Em maio de 2010, fiz uma série de entrevistas e mantive várias conversas com Dona Lucinda, como os penedenses e os seus amigos costumavam tratá-la. Fiquei impressionado com a sua memória que o tempo não conseguira embotar. Do m

CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL: REGULAMENTO OU CAOS

                                                    Nilson Socorro       Nilson Socorro*     Nestes tempos bicudos de exacerbação das divergências, de intolerância e de fakes news em profusão, o mundo do trabalho, em especial, o movimento sindical, tem sido permanentemente agitado pela discussão, confusão e desinformação sobre o tema da contribuição sindical. O debate deveria contribuir para a construção de soluções, necessárias, em decorrência da fragilidade das finanças dos sindicatos, golpeadas pela reforma trabalhista de 2017 que abruptamente estabeleceu o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Mas, ao contrário, tem se prestado mais para amontoar lenha na fogueira onde ardem as entidades sindicais profissionais e econômicas que ainda resistem. A Consolidação das Leis do Trabalho trata a contribuição sindical em diversos artigos, assim como, a Constituição Federal. Pelo estabelecido na legislação, são três as espécies de contribuições: a contribuição sindical ou imposto sindic

TRIBUTO A THAIS BEZERRA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Nasci no dia 28 de agosto. Passados 22 anos após o dia em que eu nasci, a mais importante colunista social de toda a história da mídia em Sergipe publicou a sua primeira coluna, GENTE JOVEM, no jornal GAZETA DE SERGIPE, a convite do nosso amigo comum Jorge Lins e sob a orientação do jornalista Ivan Valença, então editor daquele importante periódico impresso. Hoje estou aqui para homenagear a memória de Thais Bezerra. A partir do seu trabalho, dediquei alguns anos da minha vida à pesquisa e me debrucei a estudar o fenômeno da coluna social em Sergipe, inspirado pelo meu olhar curioso e pelas observações que sempre fiz a respeito do trabalho da jornalista inspiradora que ela foi.       O estudo, inicialmente dedicado ao trabalho de Thais Bezerra se ampliou, e no início do ano de 2023, resultou na publicação do livro MEMÓRIAS DO JORNALISMO E DA COLUNA SOCIAL, pela Editora Criação.   Thais Bezerra começou a trabalhar aos 17 anos de