Pular para o conteúdo principal

OUTSIDERS DA HISTORIOGRAFIA E MEMORIALISTAS ESTANCIANOS

                                                   Luiz Antônio Barreto

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O curso de Licenciatura em História oferecido pela Universidade Federal de Sergipe nas cidades-polo de Estância, Lagarto, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória e Propriá, através do Programa de Qualificação Docente – PQD, em convênio com a Secretaria de Estado da Educação, possibilitou algumas importantes contribuições para a historiografia sergipana que ficaram visíveis na transição do século XX para o século XXI.

O Programa de Qualificação Docente foi uma importante iniciativa do professor e 11jornalista Luiz Antônio Barreto, quando exerceu o cargo de Secretário de Estado da Educação de Sergipe, durante a gestão do governador Albano Franco, entre 1996 e 199. Em quatro anos, o PQD possibilitou a cerca de três mil professores leigos que atuavam em escolas públicas estaduais e municipais do interior do Estado de Sergipe a obtenção do diploma de graduação.

Uma das contribuições, dentre tantas legadas pelo Programa, resulta do desvelamento feito pelas monografias de conclusão do curso de História, produzidas pelos alunos, sobre um conjunto de memorialistas e historiadores que, ao longo do século XX, produziram registros a respeito da história de diferentes municípios de Sergipe.

Tais registros, até agora, ano de 2020, ainda são pouco conhecidos. Raros foram publicados. E, normalmente, não frequentam as listas bibliográficas dos estudos acerca do tema, mesmo quando estes verticalizam a discussão sobre a realidade de cada local. Do mesmo modo seus autores também estão ausentes dos índices de pesquisadores da História de Sergipe, seja pelo fato de as suas produções não circularem ou mesmo em razão de nunca terem frequentado os espaços acadêmicos legitimadores do saber dos que se dedicam à pesquisa histórica.

Este texto faz uma breve discussão a respeito da contribuição de tais estudiosos, chamando a atenção para a importância da contribuição que o conjunto de trabalho aporta às pesquisas sobre os temas municipais. No início do século XXI, fiz um primeiro levantamento das referências bibliográficas utilizadas pelos 140 monografistas que concluíram o curso de História no PQD, revelando-se a existência de 19 trabalhos dos quais não foram encontrados registros no principal catálogo bibliográfico existente a respeito dos municípios de Sergipe (OLIVA, Terezinha Alves de [Coord.]. Bibliografia sobre os municípios sergipanos. São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe, 2000. [Relatório de Pesquisa]). O trabalho da pesquisadora Terezinha Oliva é o mais completo e atualizado estudo bibliográfico a respeito dos municípios sergipanos.

Na condição de outsiders, os textos dos monografistas revelados pelos alunos do PQD nem sempre receberam tratamento editorial que lhes permitisse uma mais ampla circulação e a sua acessibilidade por parte dos historiadores de ofício. São textos que circularam apenas de mão em mão entre os próprios intelectuais existentes nos diversos municípios, na maioria dos casos em edições precárias e limitadas, produzidas em equipamentos rudimentares existentes nas prefeituras, em secretarias de escolas ou outras instituições locais.

Manuseando-se tais textos, fica perceptível que algumas vezes o autor não chegou a ser sequer identificado e o seu nome foi substituído pelo timbre da prefeitura que imprimiu o trabalho. Não raro é o fato de haver o autor pago a tiragem de uma reduzida quantidade em pequenas gráficas rudimentares existentes nas suas cidades.

As gráficas que publicam esse tipo de trabalho, sequer cuidam de colocar uma ficha catalográfica ou mesmo de informar o local e o ano nos quais as publicações foram impressas. Outras vezes, os textos estão manuscritos em cadernos ou folhas avulsas grampeadas e encadernadas por iniciativa do autor.

Há situações nas quais os trabalhos aparecem digitados e impressos por microcomputadores. Na maioria das vezes, foram feitas apenas algumas poucas cópias que podem ser contadas na ordem das unidades. E também há trabalhos datilografados por antigas máquinas de escrever.

Muitos desses estudos foram também publicados em jornais que têm apenas circulação municipal. Do ponto de vista dos trabalhos que este texto considera produzidos por outsiders da historiografia, a cidade de Estância concentra a maior produção. Ali foram localizados nada menos do que quatro estudos que se enquadram nesse tipo de perfil.

No caso estanciano, chama a atenção um texto referenciado com muita frequência pelas monografias dos alunos que concluíram o curso de história integrados ao PQD da UFS. É o texto de Raymundo Silveira Souza, GENTE QUE CONHECI; COISAS QUE OUVI CONTAR, impresso em segunda edição, no ano de 1992, pela Prefeitura daquele município (SOUZA, Raymundo Silveira. Gente que conheci; coisas que ouvi contar. 2a. ed. Estância, Prefeitura Municipal de Estância, 1992.).

A mesma municipalidade publicou dois outros trabalhos, dos quais não é possível identificar os autores: a edição comemorativa do Primeiro Festival Estanciano da Canção; e, o Quem é; quem sou; o que fiz; o que desejo fazer (PREFEITURA MUNICIPAL DE ESTÂNCIA. 1968. Edição comemorativa do Primeiro Festival Estanciano da Canção; e, PREFEITURA MUNICIPAL DE ESTÂNCIA. Quem é; quem sou; o que fiz; o que desejo fazer. Estância, 1982.).

Além dos três estudos indicados, também se enquadra na mesma situação a biografia de Joaquim Honório, escrita por Carlos Magno de Jesus (JESUS, Carlos Magno de. “Biografia de Joaquim Honório”. In: Jornal Tribuna Cultural. Outubro,2001).

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TRIBUTO A LUCINDA PEIXOTO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Acabei de tomar conhecimento da morte da empresária Maria Lucinda de Almeida Peixoto, ocorrido hoje na cidade de Penedo, Estado de Alagoas. Lucinda era certamente a principal herdeira dos negócios da próspera família Peixoto Gonçalves, empresários que ao longo do século XX constituíram a mais importante e mais rica família da região do Baixo Rio São Francisco, consideradas as duas margens – a de Alagoas e a de Sergipe. Tive a oportunidade de conhecer Lucinda Peixoto no final do ano de 2009, quando iniciei uma pesquisa sobre os negócios da família Peixoto Gonçalves, a convite do seu genro, José Carlos Dalles, um dos principais executivos com responsabilidade sobre a gestão das atividades econômicas da família. Em maio de 2010, fiz uma série de entrevistas e mantive várias conversas com Dona Lucinda, como os penedenses e os seus amigos costumavam tratá-la. Fiquei impressionado com a sua memória que o tempo não conseguira embotar. Do m

CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL: REGULAMENTO OU CAOS

                                                    Nilson Socorro       Nilson Socorro*     Nestes tempos bicudos de exacerbação das divergências, de intolerância e de fakes news em profusão, o mundo do trabalho, em especial, o movimento sindical, tem sido permanentemente agitado pela discussão, confusão e desinformação sobre o tema da contribuição sindical. O debate deveria contribuir para a construção de soluções, necessárias, em decorrência da fragilidade das finanças dos sindicatos, golpeadas pela reforma trabalhista de 2017 que abruptamente estabeleceu o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Mas, ao contrário, tem se prestado mais para amontoar lenha na fogueira onde ardem as entidades sindicais profissionais e econômicas que ainda resistem. A Consolidação das Leis do Trabalho trata a contribuição sindical em diversos artigos, assim como, a Constituição Federal. Pelo estabelecido na legislação, são três as espécies de contribuições: a contribuição sindical ou imposto sindic

TRIBUTO A THAIS BEZERRA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Nasci no dia 28 de agosto. Passados 22 anos após o dia em que eu nasci, a mais importante colunista social de toda a história da mídia em Sergipe publicou a sua primeira coluna, GENTE JOVEM, no jornal GAZETA DE SERGIPE, a convite do nosso amigo comum Jorge Lins e sob a orientação do jornalista Ivan Valença, então editor daquele importante periódico impresso. Hoje estou aqui para homenagear a memória de Thais Bezerra. A partir do seu trabalho, dediquei alguns anos da minha vida à pesquisa e me debrucei a estudar o fenômeno da coluna social em Sergipe, inspirado pelo meu olhar curioso e pelas observações que sempre fiz a respeito do trabalho da jornalista inspiradora que ela foi.       O estudo, inicialmente dedicado ao trabalho de Thais Bezerra se ampliou, e no início do ano de 2023, resultou na publicação do livro MEMÓRIAS DO JORNALISMO E DA COLUNA SOCIAL, pela Editora Criação.   Thais Bezerra começou a trabalhar aos 17 anos de