Jorge
Carvalho do Nascimento*
O
saveiro Caminho de Estrelas atracou no porto de Ilhéus antes das nove da manhã
do dia 28 de julho de 1924. Os ventos de popa ajudaram a embarcação a vencer em
7 dias os cerca de 600 quilômetros que separavam o porto de Espírito Santo, no
sul do Estado de Sergipe, do porto baiano.
Apesar da carga de açúcar que fazia a
embarcação muito pesada, a viagem foi tranquila. Faustino permaneceu quase
todos os dias sentado no convés. Algumas vezes descia até o porão para
colaborar com as tarefas do seu cunhado Epifânio, o taifeiro da embarcação,
sempre muito ocupado com as suas responsabilidades.
No
cais, a aguardá-los, Alfredinho, marido de Amabília, pequeno proprietário rural
em Itabuna, onde começara a prosperar como plantador de cacau. Agradecimentos a
Epifânio, troca de abraços, Faustino acomodou o matulão e se aboletou no lombo
da mula levada para ele pelo cunhado.
Um
dia inteiro de viagem. Chegaram à porteira da fazenda Pica-Pau por volta de uma
da madrugada do dia 29. Vida nova. Bons tempos. Não havia desenvolvimento
tecnológico para rastrear os indivíduos. A condição de desertor do Exército de
Antônio Faustino foi administrada com tranquilidade.
Alfredinho,
bem relacionado com o tabelião Luiz Watanabe, de Itabuna, conseguiu um novo
registro civil para o cunhado. Todos continuaram a chama-lo de Faustino, mas
nos documentos, ele era agora Otoniel Viana, nascido em Itabuna e com filiação
que não correspondia em nada aos registros existentes em Indiaroba. Até certificado
de prestação de serviço militar emitido em Salvador ele ganhou.
Faustino
começou a lida na roça de Alfredinho. Os dois primeiros meses foram consumidos
ali, derrubando mata e semeando novos pomares de cacaueiros. Fizera um acordo
de meação com o cunhado. O negócio ia bem. Mas, inquieto e empreendedor,
Faustino começou a prospectar novas oportunidades de ganhar dinheiro em Itabuna.
Com
apenas 14 anos de instalada como cidade, em 1924 o negócio do cacau fazia com
que Itabuna já tivesse uma população com cerca de 42 mil habitantes, um
extraordinário surto de desenvolvimento urbano. Muito diferente da sua Espírito
Santo natal, mais tarde Indiaroba, que contava com menos de 1500 habitantes.
A
velocidade do desenvolvimento da cidade do sul da Bahia fazia com que a demanda
por serviços fosse extraordinariamente grande. O abastecimento de água era uma
das carências mais marcantes. Isto fazia com que água potável fosse um produto
de preço muito caro.
Com
a ajuda do cunhado Alfredinho, em pouco tempo Faustino organizou uma tropa de
burros e era um dos principais distribuidores de água da cidade. Os lucros
fizeram com que ele investisse no negócio de panificação e instalasse duas
padarias em Itabuna. Construiu casa boa num bairro da elite local e cinco anos
depois, mesmo não tendo esquecido da sua Raimunda, casou com Altamira Berbert
Belém Tavares.
Rica
herdeira, seu pai era proprietário de uma companhia de navegação na vizinha
Ilhéus. Faustino ingressou na elite social e econômica da região. Tudo ia muito
bem até Altamira iniciar um namoro clandestino com o bacharel Luiz Lemos
Watanabe, tabelião do cartório de registro de imóveis da cidade.
Namoro
descoberto, orgulho ferido. Em silêncio, ele tratou com Alfredinho que se
associou a um amigo de Ilhéus e compraram secretamente as panificadoras e o
serviço de distribuição de água. Fevereiro de 1931, estava Faustino em viagem
de negócios no Rio de Janeiro, onde alugou um imóvel no bairro das Laranjeiras
e abriu conta no Banco do Brasil, tudo com a sua velha identidade de desertor.
Dia
três de março regressara a Ilhéus e levou presentes da capital federal para
Altamira. Dia 4 acordou cedo e, como de hábito colocou o terno com a gravata
cinza de seda que mais lhe agradava tomou colocou o terno com a gravata cinza
de seda que mais lhe agradava. Sentou à mesa com Altamira e tomou o café da
manhã. Levantou-se para ir ao banheiro e sem que a mulher percebesse retirou um
barbante do bolsa e enrolou no pescoço da esposa. Ela morreu asfixiada. Crime
silencioso.
À
porta, Sérgio, o chofer, o esperava com o motor do Cadilac Cabriolet ligado.
Sereno e tranquilo, pediu para ir ao cartório. Sentado à mesa de jacarandá com
pés torneados, o tabelião Luiz Watanabe preparava a escritura de venda de uma
propriedade rural. Faustino parou encostado ao balcão e acertou cinco tiros de
revólver Smith & Wesson 45. Uma bala na cabeça matou instantaneamente o
tabelião.
Previamente
orientado, Sérgio tomou o rumo da estrada em direção a Ilhéus. No caminho,
antes da entrada da vizinha cidade, um caminhão FNM devidamente contratado
esperava o comerciante. Itabuna nunca mais. Aquela era página virada na
história da vida de Faustino.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
Mais ....Professor, isso é maldade! Conte mais sobre o homem.
ResponderExcluirMais ....Professor, isso é maldade! Conte mais sobre o homem.
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