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O PASSEIO DE DUTRA

                                              Palácio do Catete

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Faustino chegou ao Rio de Janeiro em março de 1931. Deixara em Itabuna dois crimes passionais que passaram a habitar os arquivos históricos, em função dos limites tecnológicos da época que não possibilitavam ao grande irmão rastrear os indivíduos e os documentos de identificação emitidos em diferentes localidades.

Preparada meticulosamente, a fuga permitiu que ao desembarcar de um caminhão na capital federal ele usasse a sua identidade original que abandonara ao desertar do Exército em Aracaju no ano de 1924. Voltou a ser Antônio Faustino Viana do Nascimento. O próspero empresário Otoniel Viana que dominara a distribuição de água e a indústria de panificação do sul da Bahia, vivia agora apenas no imaginário dos cidadãos de Itabuna.

Instalou-se no apartamento que alugara previamente no bairro das Laranjeiras e começou a pensar nas aplicações que fariam render as economias que havia depositado no Banco do Brasil. Resolveu investir em imóveis e saiu comprando terrenos na Baixada Fluminense, principalmente no promissor distrito de Duque de Caxias, então município de Nova Iguaçu.

Caxias, mais tarde se desmembrou de Nova Iguaçu e é agora um dos mais importantes dentre os municípios do Estado do Rio de Janeiro. Adquiriu grandes glebas principalmente nas áreas menos valorizadas de Duque de Caxias, pensando em futuros loteamentos. Estava correto.

Em pouco tempo era um importante proprietário de terrenos na região. Nessa condição estabeleceu relacionamento de amizade com Getúlio de Moura, chefe político local, líder da União Progressista Fluminense, e adversário do temido parlamentar Tenório Cavalcanti.

Foi o bom relacionamento de Getúlio de Moura com o seu xará Getúlio Vargas, presidente da República, que permitiu a Faustino o ingresso na Polícia Civil do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, Faustino vivia bem, numa boa casa, no centro de Duque de Caxias. O salário de funcionário público ajudava com as despesas ordinárias, mas o grosso dos rendimentos e da formação do seu patrimônio tinha origem no negócio de compra e venda de terrenos na periferia de Caxias.

Conheceu Creuza, uma paraibana que migrara para o Rio de Janeiro com os pais. Com ela constituiu família de quatro filhos. Otávio, que na idade adulta se transformou em oficial do Corpo de Bombeiros, chegando ao posto de capitão; Domingos, oficial aviador da Força Aérea Brasileira; Joaquim, comerciante do ramo de supermercados, em Caxias; e, Eleonora, advogada bem sucedida, com um movimentado escritório em Nova Iguaçu.

O Brasil do final dos anos 40 conheceu a fama de namorador do presidente Eurico Gaspar Dutra. Eram famosas as suas escapadas clandestinas durante as madrugadas em que saía às escondidas do Palácio do Catete para encontrar uma senhora da alta sociedade que residia sozinha em uma casa no Largo do Machado.

Faustino estava destacado como guarda de trânsito no cruzamento daquele endereço privilegiado. Suspendeu o braço e interrompeu o fluxo de veículos em uma das direções para permitir a passagem dos outros carros que aguardavam no cruzamento. O sol estava raiando. Naquele lusco-fusco fixou o olhar. Ao volante de um luxuoso automóvel Chevrolet Stylemaster preto ninguém menos que o marechal Eurico Gaspar Dutra, presidente do Brasil.

Faustino não se fez de rogado e manteve o fluxo fechado com o chefe de Estado aguardando a sua vez, como qualquer cidadão. Ficou nervoso, mas não concedeu um único segundo a menos. Vários outros motoristas que aguardavam perceberam a situação de constrangimento dele. Ao final, o aplaudiram. Dutra aprovou a ação, com um sorriso e um aceno de sim com a cabeça.

Ao ser chamado pelo seu comandante no dia seguinte e receber um aviso para comparecer ao Palácio do Catete, no gabinete do presidente da República, Faustino acreditava haver se encerrado ali a sua carreira de servidor público. Três dias depois havia sido realocado do serviço público estadual para o Departamento Federal de Segurança Pública e integrava o corpo da segurança presidencial, destacado no Catete.

Em abril de 1960, acompanhou o presidente Juscelino Kubitscheck, quando a capital federal mudou do Rio de Janeiro para Brasília. Em 1967, quando a Constituição da Ditadura Militar entrou em vigor, Faustino foi reenquadrado como agente do recém criado Departamento de Polícia Federal, vinculado ao Ministério da Justiça.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

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