Jorge Carvalho do Nascimento*
Sob a monarquia do século XIX no Brasil,
principalmente a do Segundo Reinado, foi muito forte o discurso civilizador. Em
1841, um relatório do Ministério da Justiça distinguia os habitantes do litoral,
os civilizados, dos demais habitantes do sertão, tidos como bárbaros pelas
autoridades monárquicas (MATOS, Ilmar R de. O Tempo Saquarema. São
Paulo. Hucitec, 1987. p. 33), principalmente no período de governo dos
dirigentes Saquaremas.
Era muito caro a este grupo de senadores,
magistrados, ministros, conselheiros de Estado, bispos, professores, médicos,
jornalistas, literatos e os ocupantes de cargos nos mais distintos escalões
administrativos do Império, além daqueles que poderiam ser classificados como
agentes "não públicos", a preocupação em justificar suas ações pelos
parâmetros fixados tanto com base na adesão aos princípios de ordem e
civilização quanto pela ação visando a sua difusão.
Os cidadãos que viviam o momento de consolidação do
Império do Brasil, os homens livres, tanto precisavam se reconhecer quanto
serem reconhecidos como membros de uma comunidade - o mundo civilizado -
animada pelo ideal do progresso. O “Império vendia a imagem de ocupar um lugar
distinto entre as nações, no mundo civilizado, pela sua posição geográfica”
(MATOS, 1987. p. 13).
O discurso civilizatório fazia com que até mesmo
alguns elementos de crítica ao regime monárquico fossem tomados em favor da
Monarquia. Assim, providências como a repressão ao tráfico de escravos,
adotadas a partir da década de 50 do século XIX, apareciam como uma ação
civilizadora da Coroa, apresentando a esta na condição de uma entidade que
agiria sempre acima dos partidos e dos interesses particulares e imediatos, e
preocupada em depurar sua maior criação - o Império, face iluminada da classe
senhorial (MATOS, 1987. p. 227).
A preocupação em civilizar o Brasil fez com que, no
mesmo século XIX, se discutisse a imigração de estrangeiros. Esta era entendida
como uma forma de trazer novos hábitos culturais, de difundir o cultivo de
outros produtos e técnicas agrícolas e industriais ou, ainda, de acordo com a
mentalidade vigente, aumentar o contingente demográfico de europeus e seus
descendentes - os únicos capazes de produzirem uma sociedade civilizada,
segundo o entendimento à época dominante.
Foi também em nome da civilização que o Brasil
aprofundou um vigoroso debate educacional a respeito do ensino agrícola durante
a segunda metade do século XIX. Essas discussões persistiram, atravessando as
primeiras décadas do século XX. Um debate que reunia juristas, políticos,
médicos, clérigos, militares e professores, dentre outros. Todos eles buscando
apoiar-se em preceitos cientificistas.
“Tratava-se, antes de tudo, de uma verdadeira
cruzada civilizatória a que se atiravam os eugenistas, estes arautos dos tempos
modernos. Na sua missão, ocuparam todos os espaços possíveis: as academias
médicas, as sociedades filantrópicas, as casas legislativas, as escolas, as
delegacias de polícia, os tribunais de justiça, estabelecendo uma verdadeira
rede de solidariedade entre discursos, instituições e personagens, entre estes
o médico, o pedagogo, o jurista, os agentes do controle social repressivo, a
dona de casa, o pai preocupado com o destino de sua prole” (MARQUES, Vera
Regina Beltrão. 1994. A Medicalização da Raça. Médicos, educadores e
discurso eugênico. Campinas, Editora Unicamp, 1994. p. 15).
Sob a inflexão eugenista, os projetos que debatiam
o ensino agrícola buscaram sua inserção no âmbito do debate educacional,
questão que, de resto, mobilizava amplos setores da vida social,
"conquistava participantes e para a qual confluíam aspectos diversos,
delineando um rol temático que integrava os investimentos das elites urbanas em
luta pela hegemonia" (OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidadãos
úteis: os patronatos agrícolas e a infância pobre na Primeira República.
Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2003. p. 58).
Contudo, os ideais civilizatórios não foram
exclusividade do ensino agrícola. Outros discursos acerca da escolarização
adotados no início do século XX, como o das escolas de aprendizes e artífices
buscavam tal finalidade. Segundo Vera Regina Beltrão Marques, partia-se do
pressuposto que somente a instrução do povo propiciaria a conquista da
cidadania, culminando na transformação do país em uma nação civilizada (MARQUES,
1994).
No mesmo período, a Associação Brasileira de
Educação (ABE) enfatizava em seus discursos "a educação moral e disciplina
para o trabalho como pressupostos indispensáveis para alcançar a
civilização" (MARQUES, 1994. p. 105). Esse mesmo entendimento
civilizatório que contaminou a nação foi responsável pela criação de uma rede
nacional de patronatos agrícolas que, através de suas práticas educativas,
buscava formar cidadãos civilizados.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Comentários
Postar um comentário