Jorge Carvalho do Nascimento*
As duas primeiras regras são, ademais do Compêndio
de Civilidade dos Padres Salesianos são compatíveis com o primeiro mandamento
do Decálogo: "Amar a Deus sobre todas as coisas". A pretensão é de
acentuar o amor de Deus pelo seu povo e a dívida de gratidão que este deve ter
para com Ele.
O princípio de reconhecimento para com a maior das
hierarquias, a divina, também está aí presente, mesmo porque a hierarquização
fundamenta não apenas a vida religiosa, mas também a vida dos grupos sociais
historicamente conhecidos. O Dever de número dois evidencia tarefas necessárias
à validação do amor que o povo deve nutrir pelo seu Criador. Tudo articulado
com o princípio da obediência.
O terceiro e o quarto Deveres para com Deus
elencados pelos padres salesianos são correspondentes ao segundo mandamento
mosaico: "Não falar seu santo nome em vão". Aqui, a prescrição
está colocada no âmbito da virtude e da fé religiosa. Pretende-se regular
particularmente o respeito pelas coisas santas através do uso que se faz das
palavras.
A Igreja e os Estados sempre instituíram um padrão
de fala como modelo civilizado. A importância de se regular o uso da fala
consiste em assegurar os diferentes níveis de estratificação social, as formas
corretas de falar e a legitimação dos saberes.
Articulados com o terceiro mandamento da lei de
Deus ("Guardar domingos e festas"), os Deveres de números cinco e
seis presentes no Compêndio de Civilidade, estão em consonância com a
prescrição moral de prestar a Deus um culto exterior visível, público e
regular.
Como elemento cultural, esta moralidade é
socialmente aprendida e está sujeita a diferentes etapas do processo
civilizatório. Os padrões de moralidade e de religiosidade sofrem variações de
acordo com as diferentes culturas. Toda religião possui padrões morais
determinantes da sua constituição, evitando oscilações e aberturas
interpretativas quanto aos seus ensinamentos.
Um
ex-aluno do Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora, em Aracaju, Laonte
Gama da Silva, que frequentou a escola na década de 40 do século XX e conheceu
o Compêndio de Civilidade, afirma que "no colégio interno, o regime era
muito rígido. O aluno era obrigado a rezar e ir à missa todos os dias. Aqueles
que não cumpriam as obrigações religiosas eram mal avaliados em comportamento.
E quem não tinha nota boa em comportamento, mesmo nos dias de sábado e domingo,
recebia punições disciplinares" (SILVA, Laonte Gama da. Entrevista
concedida ao autor no dia 24 de setembro de 2003).
Das segundas-feiras
aos sábados, a missa começava pontualmente às seis horas. No domingo, os alunos
assistiam duas missas: a primeira começava às sete horas e terminava às sete
horas e quarenta minutos. A segunda começava às oito horas e terminava às nove
horas. Era a primeira atividade do dia.
Às doze
horas e quinze minutos, quando todos estavam no refeitório sentados para o
almoço, um padre tocava uma campainha e antes de começar a comer, todos de pé,
rezavam uma Ave Maria. Durante quinze minutos os estudantes ficavam em silêncio
e, em seguida, a um novo toque de campainha, todos diziam em coro: "Damos
graças a Deus".
Às vinte
horas, todos os alunos estavam prontos para dormir. Reunidos em um dos salões
do internato, todos ficavam de pé e rezavam durante vinte minutos. Logo após, o
padre diretor ou um outro designado por ele fazia uma prédica aos alunos acerca
dos valores cristãos, exaltando a importância daquele dia no calendário da
Igreja Católica. Por fim, desejava boa noite e os estudantes voltavam para os
seus dormitórios.
*Jornalista, professor, doutor em
Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia
Sergipana de Educação.
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