Jorge Carvalho do Nascimento*
O padrão de comportamento cobrado pelo Colégio
Salesiano é visível no discurso de um ex-aluno da instituição que conheceu o Compêndio
de Civilidade dos Padres Salesianos: "Eu tenho orgulho do meu pai.
Meu pai era muito religioso. No Salesiano, a minha formação foi essa, sob
protesto porque era uma formação religiosa muito severa, pela imposição. Na
dureza que ele dirigia a gente, ele dizia da vida, do respeito. Papai nunca
admitiu que alguém pegasse o que não era seu, ele transmitiu isso aos filhos
dele. Disso eu me orgulho e digo que meu pai era um homem de bem, e nós
herdamos. Fomos criados assim. Ele tinha um ditado que dizia: 'O homem só
estira o braço até onde a mão alcança'. E todos só devem ter dividas com Jesus
Cristo. A esse a gente vai prestar contas um dia. O velho lutava, tinha umas
coisas que ele dizia: 'Seja até sapateiro, mas procure ser um dos melhores da
sua classe'. Essa era a posição que ele defendia" (SILVA, Laonte Gama da. Entrevista concedida ao autor no dia 24 de
setembro de 2003).
Da mesma maneira, Cândido Augusto Sampaio Pereira,
um outro ex-aluno do Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora na década de
40 do século XX, que também conheceu o Compêndio de Civilidade, reverencia a
imagem paterna: "Meu pai era cristão. Todo dia se rezava o terço na minha
casa. Naquela época meu pai obrigava e a gente obedecia. Meu pai lia muito pra
gente sentado em uma cadeira e nós sentados, eu, minha irmã, meu irmão que é
desembargador e a mais nova. A gente ficava sentado no chão e ele lendo a vida
de Cristo, romances em voz alta e a gente ouvindo aquilo ali embevecido. Quer
dizer foi uma infância assim, muito rica. Papai foi um homem de sabedoria de
vida impressionante" (PEREIRA, Cândido Augusto Sampaio. Entrevista concedida
a Marco Arlindo Amorim Melo Nery, no dia 22 de fevereiro de 2004).
Manuais como o Compêndio de Civilidade dos
Salesianos buscavam formar no Brasil o chamado homem civilizado, que
contribuísse para a construção da sociedade civilizada. O entendimento era o de
que o homem civilizado deveria ser preparado para compreender uma grande
variedade de fatos, de natureza tecnológica, das maneiras de comportamento, dos
conhecimentos científicos, das ideias religiosas e dos costumes.
A vida civilizada estabelecia tipos específicos de
habitações adequadas à moradia, a maneira como os homens e mulheres deveriam
viver juntos, o modo de preparar e consumir os alimentos. Em outras palavras, a
autoimagem de uma sociedade que estabeleceu padrões políticos, econômicos,
religiosos, técnicos, morais e sociais que deveriam ser incorporados e seguidos
por todos.
Era fundamental que manuais como o Compêndio de
Civilidade tivessem condições de integrar todas as pessoas a esse processo que
se considerava o único a ser vivido pelas sociedades mais adiantadas. Era
fundamental à vida civilizada colher os seus frutos, os seus resultados. Daí a
necessidade do estabelecimento de regularidades a serem seguidas por todos,
aquilo que deveria ser comum a todas as pessoas e que também as distinguisse
socialmente.
Na verdade, os manuais de civilidade imitavam as
condutas e os padrões de comportamento de determinados grupos das sociedades
europeias, buscando estabelecer um determinado status social, os seus
ideais, os seus gostos, os seus modelos, o refinamento dos modos, as
habilidades peculiares que permitiam a conversação com todas as pessoas, um
elevado autocontrole.
A Igreja Católica brasileira, através dos
Salesianos, estava integrada a esse projeto. O projeto de fazer do Brasil uma
sociedade na qual fosse visível o distanciamento da barbárie na qual viviam
ainda setores tidos como incivilizados, principalmente algumas comunidades
rurais e moradores dos bairros periféricos das grandes cidades.
Por isto, era fundamental que as escolas cristãs
ensinassem o refinamento dos padrões sociais gerais, civilizando o Brasil. Era
fundamental difundir a consciência civilizada, incorporada pelos padrões de
desenvolvimento científico, tecnológico e artístico com os quais o país
pretendia apresentar-se internacionalmente.
Esta era a autoimagem do Ocidente. Esta deveria ser
a autoimagem do Brasil, cristão como as demais nações ocidentais. A linguagem
civilizada que os manuais estavam propondo que as escolas católicas adotassem
encontrava forte expressão nos hábitos de higiene corporal, nos padrões
estéticos da arte, nos padrões de comportamento coletivo, tudo fixado através
dos valores morais estabelecidos pelo catolicismo.
*Jornalista, professor, doutor em Educação,
membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de
Educação.
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