Jorge Carvalho do Nascimento*
O Compêndio dos Padres Salesianos considerava
inútil o trabalho da aula de boas maneiras, se depois não fosse possível
verificar se o aluno praticava ou não o que lhe foi ensinado, seguindo as
prescrições nas suas relações com os seus superiores hierárquicos, com os
iguais e com os subalternos, nas suas conversações, na igreja, nas aulas, nos
recreios, na sala de jantar, no dormitório etc. Para os autores do Compêndio,
deste modo seria possível demonstrar que os colégios católicos sabiam formar os
seus alunos para a vida na sociedade contemporânea.
Nos cinco capítulos do Compêndio que
discutem os deveres, estão elencados os seguintes: Deveres para com Deus; para
com os pais; para com os superiores; para com todos; e, para consigo mesmo. Já
os 30 capítulos que dizem respeito aos procedimentos, orientam quanto aos
seguintes modos de proceder: na igreja; na aula; na sala de estudo; na mesa; na
conversação; nos recreios; fora de casa; nas visitas; nas reuniões, teatros e
atos acadêmicos; no asseio; no vestuário, porte e hábitos pessoais; na
saudação; nas viagens; como hóspede. Desses capítulos, um deles é dedicado aos
procedimentos específicos dos rapazes e um outro aos procedimentos das meninas.
Dos cinco primeiros capítulos do Compêndio, que
tratam dos Deveres, a opção feita aqui foi a de analisar apenas dois deles: os
capítulos I e II, que discutem, respectivamente, os Deveres para com Deus e os
Deveres para com os pais. Os primeiros deveres apresentados pelo Compêndio de
Civilidade são para com Deus.
São seis prescrições que, de um modo geral, buscam
sintetizar parte do conteúdo dos Dez Mandamentos contidos nas Tábuas da Lei de
Moisés.
1. Deus, que é o Criador e
Soberano Senhor de tudo quanto existe, merece todo o nosso respeito e toda a
veneração. Consagra-lhe, pois, os melhores afetos de teu coração e tributa-lhe
todos os dias a homenagem da oração, temendo sumamente ofende-lo.
2. Recorda-te que o temor de Deus
é o princípio da sabedoria e a base da santidade; d'Ele emana todo o bem. Segue
o conselho do bom Tobias a seu filho: "Pensa no Senhor todos os dias e
guarda-te de pecar contra Ele e de transgredir os seus mandamentos".
3. Ao respeito e amor devidos a
Deus, acrescenta o amor e o respeito para com a sua religião e os seus
ministros. Dos ministros de Deus ou fala bem ou então cala-te, como fazes com
as pessoas que te são caras.
4. Evita discussões sobre
religião. Tomar parte em tais questões, sem haver feito sérios estudos
religiosos, pode prejudicar as boas causas e ofender a Deus e as coisas santas
(p. 7).
5. Tolera as crenças religiosas
dos outros, mas confessa sincera e francamente a tua Fé. Todos, mesmo os
ímpios, admiram o homem de caráter, que não tem receio em mostrar-se
francamente cristão.
6. Guarda-te de imprecar, ou
mesmo de usar em vão o nome de Deus, da SS. Virgem, dos Santos, embora por
gracejo ou por desabafo de ira, como nesciamente fazem alguns (p. 8).
Esse conjunto de prescrições assume
claramente o caráter dos conteúdos existentes nos manuais catequéticos
católicos. Dissemina valores e padrões instituídos pela Igreja Católica, a
serem assumidos por aqueles que pretendem ser considerados pessoas de bem. Tem
o mesmo caráter de civilidade existente no Decálogo, na condição de um conjunto
de regras destinadas a guiar o povo de Deus.
Aí estão contidas as bases de uma ideia muito cara
aos educadores católicos: o que eles consideram a educação integral da pessoa.
Essas regras, portanto, atenderiam a necessidade de formar o homem civilizado
sem perder a perspectiva da missão evangelizadora. Elas tornam possível o
crescimento espiritual e intelectual do homem.
O conjunto de Deveres para com Deus apresentado no Compêndio
de Civilidade aqui analisado é revelador da presença da Igreja Católica na vida
social. Os mesmos ensinamentos aparecem nas aulas de religião, o que transforma
o livro de boas maneiras dos padres salesianos em uma importante ferramenta
didática, mesmo porque o catolicismo sempre fez uso de dispositivos como
livros, revistas e impressos escolares em geral, para disseminar seus dogmas e
preceitos.
Contudo, observar tais regras apenas do ponto de
vista teológico pouco acrescenta para o entendimento do processo civilizatório
ao qual o homem está submetido. O ensinamento dos Deveres para com
Deus ultrapassa as meras regras de civilidade. Fica bem claro na primeira norma
a importância de obedecer ao Criador para que se tenha uma vida digna e reta
diante de Deus e dos homens.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro
da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Comentários
Postar um comentário