Jorge
Carvalho do Nascimento*
Nos
anos 70 eu era um jovem repórter no jornal Gazeta de Sergipe e recebi uma pauta
para entrevistar o professor Clodoaldo Alencar Filho sobre o Festival de Arte
de São Cristóvão. Fui até a sede do Centro de Extensão Cultural e Assuntos
Comunitários - CECAC da Universidade Federal de Sergipe.
O
CECAC funcionava na rua Itabaiana, no centro de Aracaju, em um antigo casarão,
em frente ao quartel da Polícia Militar do Estado de Sergipe. Eu estava
acompanhado pelo fotógrafo Luiz Carlos Lopes Moreira e era uma das primeiras
vezes que ia à rua sozinho como “foca” obter informações e entrevistar alguém.
E
não era qualquer pessoa. À época, para mim, Clodoaldo de Alencar Filho era uma
espécie de “vaca sagrada” inacessível, um tipo de ícone da cultura sergipana.
Um intelectual reconhecido. Jornalista, escritor, professor de Literatura
Inglesa da UFS, teatrólogo, ex-diretor da Rádio Cultura de Sergipe, fundador e ex-diretor
do Departamento de Turismo do Estado de Sergipe, idealizador e primeiro diretor
da Galeria de Arte Álvaro Santos.
Ao
chegar à antessala do diretor do CECAC fiz a minha apresentação. Pouco depois
fui convidado a entrar. Confesso que estava nervoso, sem saber o que dizer a um
homem tão erudito. Alencar estava sentado na cabeceira de uma mesa comprida
conversando sobre o Festival de Arte de São Cristóvão com duas outras figuras
que eram então marcantes na vida da UFS – o jornalista João Oliva Alves e a
professora Albertina Brasil Santos.
Levantou-se,
veio em minha direção, abriu um sorriso largo, estendeu a mão para um
cumprimento e, em seguida, sem que eu esperasse, me deu um abraço de boas-vindas.
Quebrou-se o gelo. Assim era Alencar. Percebeu o meu nervosismo e tomou a
iniciativa de me deixar à vontade.
Fui
convidado a sentar naquela mesa comprida, ao lado de João Oliva e Albertina
Brasil, também duas figuras importantes da vida cultural de Aracaju. Serviu
água gelada e café para todos nós. Conversava falando sobre cinema com os
convivas. Oliva e Albertina se despediram e eu iniciei a entrevista com
Alencar. Iniciei talvez não seja o termo apropriado. Percebendo que eu estava
perdido e sem saber o que perguntar, ele dirigiu a entrevista.
Sua
metodologia foi peculiar. Voltava-se para mim e dizia: você não gostaria de me
perguntar qual o orçamento previsto para o FASC deste ano? Eu perguntava e ele
respondia laudatoriamente. Em seguida, dizia: cairia bem uma pergunta sobre a
concepção artística do FASC deste ano. Eu acatava a sugestão e ele respondia
novamente. Foi deste modo que conversamos durante quase duas horas. Saí dali
encantado com a simpatia daquele intelectual que percebeu a minha fragilidade e
didaticamente, como sabem fazer os bons professores, mostrou o melhor caminho
para desvendar o conjunto de informações que eu buscava.
Os
anos passaram. Nos tornamos amigos. Em 1989, Clodoaldo de Alencar Filho era o reitor
da Universidade Federal de Sergipe e o meu amigo Luiz Eduardo Oliva era
Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários. Oliva propôs a Alencar o meu
nome para assumir o cargo de Diretor do Centro de Cultura e Arte - Cultart da
UFS.
Eu
era mestre em História da Educação e professor do Departamento de História da
Universidade. Alencar aceitou a sugestão de Oliva e numa reunião em seu
gabinete me relembrou daquele nosso primeiro encontro, mostrando a sua
prodigiosa memória. Comecei a trabalhar. Como diretor do Cultart coube a mim e
a Luiz Eduardo Oliva, o pró-reitor que me chefiava, a organização do Festival
de Arte de São Cristóvão daquele ano, justamente o FASC que fora objeto da
minha primeira conversa com Alencar.
Trabalhei
ao lado de Clodoaldo de Alencar Filho e de Luiz Eduardo Oliva até o encerramento
do seu mandato como reitor. Aprendi muito com ambos. A melhor das lições que
Alencar me ofereceu foi a da temperança. Era característica dele exercitar a paciência
política.
Nos
corredores da UFS contava-se que toda vez que Alencar recebia em seu gabinete
um auxiliar que se mostrava mais exaltado, ele fazia com que a conversa ficasse
mais comprida. Saía da mesa de reitor e sentava num sofá do gabinete ao lado do
visitante. Pedia dois sucos de maracujá, água gelada e café. Ao final da
conversa, depois que o conviva havia se acalmado, dizia uma frase que lhe era
característica: “amigo, temperança... Bronca é arma de otário”.
Neste
sábado, 13 de março, recebi a triste notícia da morte de Clodoaldo de Alencar
Filho, aos 89 anos de idade. Tem alguns anos que ele sobrevivia com dificuldade
de locomoção. Algumas comorbidades senis tomaram conta do corpo do brilhante
intelectual que foi Clodoaldo de Alencar Filho.
Para
mim ficaram as suas lições de vida, a admiração pelo grande intelectual que
conheci e um extraordinário sentimento de gratidão. Vá em paz, meu querido
amigo Alencar.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Bela lembrança que é recuperada para a homenagem ao ilustre Alencar. Ele tinha essa grandeza!
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