Jorge
Carvalho do Nascimento*
“Se
queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.
Poucos
homens levaram tão a sério a frase de Leon Tolstoi quanto meu pai, Antônio Ferreira
do Nascimento. Ele nasceu no dia seguinte ao da eleição de Washington Luiz para
a Presidência da República do Brasil. Naquele 02 de março de 1926, a Vila do
Espírito Santo ainda era parte do território do município de Santa Luzia.
O
meu avô, Epifânio Ferreira dos Santos, alagoano de São Miguel dos Campos,
chegara ao porto de Indiaroba como marinheiro mercante, taifeiro de uma barcaça
a vela, das muitas que faziam a navegação de cabotagem neste país, durante a
primeira metade do século XX.
Desembarcou
no início do ano de 1923, quando contava ainda com 29 anos de idade. Bonito, elegante, bem vestido, circulou pela
Vila e despertou o interesse das moças locais. Entregou seu coração a Maria do
Nascimento Viana, conhecida como Maria Viana ou Maria Cabocla.
José
Felício do Nascimento Viana, o Zé Viana, meu bisavô, descendente de indígenas,
e Emerentina Enaldo do Nascimento Viana, a velha Faustina, minha bisavó,
descendente de africanos escravizados, tinham em Maria Viana a mais assediada
das suas filhas. Como vovó Maria costumava dizer, evocando o jargão da sua
época de juventude, uma morena papo de rola.
Cabelos
pretos, peitos fartos, pele morena brilhante, ancas largas, coxas grossas e
roliças. Nascida em 11 de janeiro de 1905, tinha já 18 anos de idade quando conheceu
o marinheiro alagoano.
Epifânio
foi bem acolhido pelos Nascimento Viana. Zé Viana e os seus filhos aprovaram o
namoro de Epifânio com Maria, que tinha muitos irmãos. Manoel, o tio Mano; Antônio
Faustino; Amabília; Iracema; Menininha e Laura. Epifânio e Maria casaram e
viveram até que a morte os separou. Meu avô morreu primeiro, aos 80 anos de
idade, em 17 de julho de 1973. Minha avó morreu aos 96 anos, no dia 10 de
fevereiro de 2001.
Casados,
Epifânio e Maria geraram dois filhos. O primeiro, Antônio Carlos, nasceu em
1924 e morreu ainda bebê, de uma das muitas enfermidades infantis que
engrossavam as estatísticas de mortalidade que ceifavam a vida dos filhos das
famílias pobres. Dois anos depois nasceu meu pai, Antônio Ferreira do
Nascimento.
Cumprindo
a tradição da época, ficou conhecido pelo mesmo nome do primogênito, Antônio
Carlos. Assim foi tratado por todos os seus amigos em Indiaroba e por todos os
familiares até completar 18 anos de idade. Segundo me confessou, ele mesmo
somente descobriu que não era Antônio Carlos ao buscar a sua certidão de
nascimento para se alistar no serviço militar obrigatório, em 1944.
O
menino Antônio Carlos cresceu e estudou em Espírito Santo (antiga denominação
de Indiaroba) e assistiu a emancipação política do Município e a eleição do seu
primeiro prefeito, Antônio Ramos da Silva, em março de 1938. Fez as primeiras
letras com a professora Vivi e depois foi estudar com a professora Gertrudes,
Dona Tude.
A
ambas ele me apresentou muito orgulhoso quando eu, ainda adolescente, o
acompanhei com meus irmãos e minha mãe a uma das festas do Espírito Santo, às
quais gostava de comparecer anualmente, sempre com toda a família. Também na
cidade natal aprendeu o seu primeiro ofício – marceneiro. Bem jovem começou a
trabalhar com os mestres Otávio (ferreiro) e Dedé (marceneiro). Aos dois também
tive a honra de ser apresentado, numa das minhas visitas a Indiaroba.
O
casal Maria e Epifânio, meus avós, não se conformou em gerar apenas os dois
meninos. Minha avó, com dificuldades de engravidar, adotou uma estratégia
criativa para ampliar a família. Meu avô, embarcadiço, trabalhava viajando nos
navios e passava muito tempo fora de casa. Seis meses, algumas vezes até um ano
sem regressar a Indiaroba.
Cada
vez que Epifânio atracava no porto era recebido por Vovó Maria e uma nova
criança que ela adotara. A primeira foi Josefa, a minha tia Zefa, que minha avó
adotou quando a criança tinha sete meses de nascida. Depois foi a vez da minha
tia Eunice, já falecida, que foi para a companhia da minha avó aos cinco anos
de idade.
Ambas
foram registradas como filhas do casal. Logo veio o sobrinho Givaldo, filho do
tio Mano, que chegou já com nove meses de nascido. Vieram por último uma outra
sobrinha, Noélia, e o sobrinho Antônio Balbino, este filho de Antônio Faustino.
Meu
pai me ensinou o caminho de Indiaroba. Estive na cidade inúmeras vezes ainda
criança, depois na adolescência e na juventude. Nessas viagens tive a
oportunidade de conhecer os inúmeros amigos e familiares da minha avó Maria e
do seu filho Antônio. Revisito os escaninhos da memória e encontro Floro,
Francisquinho, Toinho, Lourdes, Maria Pureza e Mide, os filhos da Comadre
Cirila e de João Virtuoso.
Nos
consideramos primos por afinidade dessa família numerosa e ilustre de
indiarobenses. Principalmente dos filhos de Mide. Zé Leal, que já governou
Indiaroba e já exerceu funções extremamente relevantes no município, tendo se
revelado uma liderança política forte e destacada.
Do
mesmo modo, os seus irmãos Benedito; Ana Lúcia, a Nina; Maria Luiza, a Mara;
Marcos, o Marquinho; e Ginaldo, que atualmente tem assento na Câmara Municipal
de Indiaroba, como vereador.
Em
23 de março de 2018, a generosidade daquela terra me concedeu o título de
cidadão honorário. Hoje, celebramos os 83 anos de Indiaroba. A data significa
muito para mim, em face das origens da minha família e pela memória do meu pai
que sentia muito orgulho do seu lugar. Orgulho que aprendi a compartilhar com
ele ao também fazer de Indiaroba o meu lugar.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Grande professor, parabéns pela excelência do texto.
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