Jorge Carvalho do Nascimento*
As análises mais
frequentes a respeito da fundação da cidade de Aracaju costumam afirmar que
Inácio Barbosa construiu a nova capital em uma praia inóspita e esquecida. É
necessário relativizar tal discurso. Antes da construção da nova cidade
existia, desde outubro de 1778, o povoado de Santo Antônio do Aracaju, no alto
da colina do atual bairro Santo Antônio.
O povoado de
Santo Antônio do Aracaju, contudo, é algo distinto da cidade que Inácio Barbosa
fundou em 1855. Só posteriormente ele foi incorporado à malha urbana da nova capital
e transformado em um dos seus bairros.
A nova cidade
foi construída a partir do sítio Olaria. Na região viviam importantes
personalidades da vida política e econômica de Sergipe. A partir de 1850,
depois da vigência da lei que transformou a terra em objeto de comércio, os
sesmeiros começaram a regularizar a situação dos terrenos que estavam sob seu
domínio.
No caso da
região da Olaria de Aracaju, o ano de 1854 foi de grande movimentação, em face
de doze requerimentos para aforar terras nas praias do Aracaju.
A população da
nova capital cresceu rapidamente. A partir de 1855, de modo crescente, muitos
trabalhadores rurais se afastaram dos seus serviços no campo, em toda a
Província, dedicando-se à atividade de trabalhador urbano da construção civil, empenhando-se
nas obras dos prédios públicos e nas residências dos funcionários que migraram
para Aracaju, a nova capital.
Somente no ano
de 1855, quando as obras foram iniciadas, Aracaju recebeu mais de 200 homens,
procedentes dos municípios de Itabaianinha, Campos, Lagarto, Simão Dias e
Itabaiana.
A tese de que Aracaju era apenas uma praia inóspita e
desabitada resulta numa outra, também irrefletidamente aceita, quando se
discute a educação na cidade: a de que os serviços educacionais teriam demorado
a chegar na nova capital. Muito tempo antes de Inácio Barbosa haver fundado a
cidade, o professor Antônio Joaquim de Carvalho atuou na região de
Aracaju, entre os anos de 1817 e 1847, ministrando aulas particulares para os
estudantes residentes nos sítios Saco, Praia, Barra dos Coqueiros, Jabotiana,
Lagoa e Olaria.
O professor
Antônio Joaquim de Carvalho ensinava a ler, escrever e contar, incluindo-se
também o ensino da doutrina cristã. Em 1835 foi criada a escola pública do
professor Antônio Félix de Oliveira. Em abril de 1849 foi empossado o professor
André José da Rocha, aprovado em concurso público para a Cadeira de Primeiras
Letras de Aracaju.
As aulas do
professor André José da Rocha foram iniciadas no dia 19 de maio, com 22 alunos
pardos e pobres. Os estudantes ricos recebiam aulas particulares, em suas
residências. Em janeiro de 1853, em função da doença deste professor, João
Ribeiro da Cunha foi nomeado substituto e assumiu definitivamente a Cadeira
logo depois, em face de haver sido aprovado em concurso público.
A montagem do
sistema de ensino da nova capital começou em abril de 1855. Naquele ano, em
Aracaju, já existiam duas Cadeiras de Instrução Primária: uma masculina e outra
feminina. Além destas, funcionavam duas Cadeiras de Instrução Secundária: uma
de Latim e outra de Filosofia.
O Liceu de São
Cristóvão foi extinto com a mudança da capital e a sua Cadeira de Filosofia
transferida para Aracaju. Na mesma oportunidade, a cidade ganhou uma Cadeira de
Gramática e Língua Latina. A Cadeira de primeiras letras do sexo feminino da
vila de Socorro e a Cadeira de primeiras letras do sexo masculino de São
Cristóvão foram ambas transferidas para a capital. Além disso, em setembro de
1856, foi criada uma outra Cadeira de primeiras letras para o sexo masculino em
Aracaju.
Os dois
principais estudos do professor José Calasans sobre História da Educação (O
Ensino Público em Aracaju. 1830-1871 e Aracaju e Outros Temas) são
textos fundadores. Ele periodizou a história da educação em Aracaju. Nos anos 40 do século XX, José Calasans já
incorporara o discurso que os historiadores do nosso tempo legaram ao campo da
História da Educação.
O professor Calasans propôs que a história da
educação da cidade de Aracaju fosse estudada, levando-se em consideração
instituições e práticas escolares. No seu tempo, a maior parte dos textos da
área privilegiava as ideias pedagógicas e a organização legislativa dos
sistemas de ensino.
Na segunda
metade do século XIX a discussão sobre o ensino em Aracaju tinha todas as
características do discurso a respeito da modernidade. Naquele período, de modo
cada vez mais crescente, a ação do Estado buscava atender pressões dos médicos
higienistas e da eugenia, contrários aos hábitos de criação dos filhos pelas
famílias.
Deste modo, o
ensino era importante para civilizar não apenas os filhos do povo, mas também
os filhos da elite. Em outubro de 1862, ao ser instalado, o Liceu Sergipense
estabelecia um currículo que mantinha estreitas relações com esse tipo de
discurso.
Várias
instituições escolares marcaram a paisagem da cidade de Aracaju, desde que ela
foi fundada. Nenhuma outra instituição de ensino marcou tanto a sua história
quanto o Atheneu Sergipense. São 150 anos de funcionamento, durante 166 anos de
existência da capital. Criado em 24 de outubro de 1870, através de regulamento
provincial, o Colégio Atheneu Sergipense somente começaria a funcionar no ano
seguinte, 1871.
Ainda há muito a
aprender sobre a administração do ensino durante os 166 anos da cidade de
Aracaju. É possível perceber uma relação entre a expansão urbana da capital do
Estado de Sergipe e a ampliação da oferta de serviços educacionais, através do
aumento do número de instituições escolares, da qualificação dos intelectuais
da educação e de permanentes mudanças nos padrões de práticas escolares
adotadas. É possível colocar interrogações sobre a certeza corrente de que
Aracaju era uma praia deserta e de que os serviços educacionais tardaram a
chegar por aqui.
Comentários
Postar um comentário