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HUMANO, DEMASIADAMENTE HUMANO...


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Com a cabeça girando entre Friedrich Nietzsche e Jean-Paul Sartre acabei de ler o MERGULHO, de Luiz Eduardo Oliveira. Meu velho conhecido, músico de rock e professor que a carreira acadêmica na Universidade Federal de Sergipe se encarregou de nos transformar em grandes amigos.

É um texto assim mesmo, humano, demasiadamente humano. Tal como é a condição humana, com suas angústias existenciais que nos fazem oscilar entre a vontade de decolar daqueles balanços que nos colocam no alto e mergulhar no azul piscina da incerteza. Nos permite a entrega aos chamados da modorrenta responsabilidade que nos embolora, prolonga a vida e nos faz autômatos.

Há uma outra dimensão. A do risco dos prazeres que algumas vezes nos emocionam com a vertigem dos impulsos para decolar em voos que partem das mesmas plataformas de balanços que nos jogam para o alto, nos deixam nus prontos a mergulhar no azul infinito e ganhar o pódio sob os suspiros da torcida de um time desconhecido que sempre celebra a foto de um gol estampado no rosto daquele que mergulha.

É puro fascínio a narrativa em terceira pessoa do escritor maduro e refinado que é Luiz Eduardo Oliveira, viajando conosco em uma espécie de autobiografia imaginária daquilo que não foi, mas habita o inconsciente de cada um de nós, algumas vezes de modo muito consciente. As fantasias e sonhos que realizamos com timidez na nossa vida subterrânea que existe mais no imaginário que no real. Mas, algumas vezes é bem real.

Luiz Eduardo Oliveira é um acadêmico de muito sucesso, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre em Teoria Literária pela Universidade Estadual de Campinas, licenciado em Letras e em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS.

Professor titular da UFS, como pesquisador é conhecido e respeitado em campos como História da Educação e História da Literatura Portuguesa e também História da Literatura Inglesa, em universidades brasileiras e também de Portugal, onde realizou estudos de pós-doutorado.

Publicado pela Pontes Editores, o livro de 122 páginas tem capa de Fábio Viana, revisão de Maria Rosineide Santana dos Santos e um bonito projeto gráfico concebido por Adilma Menezes. O trabalho foi publicado com recursos da chamada Lei Aldir Blanc, após submissão em edital aberto para que os autores concorressem, recebendo, portanto, a devida aprovação dos avaliadores.

A história que Luiz Eduardo Oliveira narra elege dois cenários nos quais o tempo vai e volta: as cidades de São Paulo e Aracaju. A ambiência traçada é rica e transita entre o mundo e o submundo das duas urbes desiguais no traçado urbano que quase, também possuem o status de protagonistas.

É bom conhecer os bares da Paulicéia, os seus bêbados, os drogados, os comerciantes, os tipos populares, os homens engravatados e as mulheres de tailleur e os diferentes universos que habitam a alma de cada um deles, todos oprimidos pelos dramas de uma vida vazia numa cidade que aplasta a individualidade. Vida individual que, teimosa, insiste em subsistir.

É um ponto alto o momento em que o principal protagonista retorna a sua casa em Aracaju e encontra a mesma rua de Lagarto que deixara para trás quando se enfiou em um ônibus na estação rodoviária para viver e trabalhar na cidade de São Paulo. É muito bom descobrir os submundos da capital do Estado de Sergipe.

Luiz Eduardo cutuca os sonhos da geração que viveu a plenitude da condição de ser jovem nos anos 60, 70, 80 e 90 do século XX e as suas fantasias movidas por calças boca-de-sino, baseados bem amassados em seda improvisada, carreiras batidas em espelhos e no mármore das pias de banheiros das residências e dos bares.

É forte o imaginário do rock and roll ou do rock balada das bandas brasileiras da década de oitenta ou de grupos internacionais como o AC/DC ou o Pink Floyd, em contradição com os modernosos que não sabiam como conciliar aquela música com a herança herdada da criativa música do tropicalismo brasileiro ou da nova trova latino-americana de Mercedes Sosa, Pablo Milanes e Sylvio Rodriguez.

É neste contexto que o personagem mergulha em busca do seu maior voo. Mergulhos feitos em ambiente que envolve também um forte conflito familiar. Cheio de medos e angústias da chaga que fizera o vírus da AIDS transformar em risco de vida o prazer do sexo livre.

Sedutor, Luiz Eduardo Oliveira nos convence ao longo da leitura a mergulhar com ele. Com a certeza de ser este o grande prazer da fictícia aventura do romance. Vamos mergulhar...

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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