Jorge
Carvalho do Nascimento*
A
primeira brasileira canonizada, nascida Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes,
conheceu a dor aos sete anos de idade, quando perdeu a mãe, Dulce de Souza
Brito, em face de sangramento puerperal que lhe tirou a vida, em 1921. A menina
Maria Rita tinha sete anos de idade e a sua mãe era uma jovem de 26.
Sua
família era bem posicionada socialmente e também do ponto de vista econômico.
Maria Rita veio ao mundo no dia 26 de maio de 1914, em uma família religiosa,
católica, porém pouco opressiva no modo como educava os filhos. Todavia,
cumpriam rigorosamente todos os ritos do catolicismo.
Em
nome da fé, um ano após a morte da sua mãe, Maria Rita estava frequentando a
catequese na Igreja de Santo Antônio Além do Carmo. Aos oito anos de idade
recebeu das mãos do monsenhor Elpídio Ferreira Tapiranga, o mesmo sacerdote que
a batizou, a sua primeira comunhão.
Não
eram muito ricos, como já visto, mas Augusto Lopes Pontes, seu pai, era
odontólogo e professor universitário, além de muito articulado politicamente. Seu
avô paterno, Manoel Lopes Pontes, coronel da Guarda Nacional, foi professor e
fundador do prestigiado Colégio Santo Antônio. O avô materno era o médico
Manoel Joaquim de Souza Brito.
Após
a morte da sua mãe, a família mudou do bairro do Santo Antônio Além do Carmo
para o bairro da Penha e, pouco tempo depois, para o bairro de Nazaré, na mesma
rua em que vivia o médico Francisco Peixoto de Magalhães, pai de Antônio Carlos
Magalhães, então um menino com apenas três anos de idade, que viria a ser
conhecido como ACM, o importante líder político brasileiro.
A
vida da menina Maria Rita foi marcada por sua paixão pelo futebol, torcedora da
equipe do Ypiranga, a mesma de preferência do seu pai, com quem costumava ir ao
estádio assistir as partidas do seu time. Gostava de brincar de boneca, mas
sempre participava da diversão dos meninos, com os seus irmãos, principalmente
as guerras de mamona e as tardes nas quais ficava empinando pipas.
Marcada
pelo sofrimento desde a morte da sua mãe, Maria Rita viu estimulados os seus
pendores religiosos durante a adolescência, a partir dos 13 anos de idade, principalmente
pela forte influência da tia Maria Magdalena, conhecida como Magdaleninha. Foi
levada pela tia para o Apostolado do Coração de Jesus, organização da Igreja
Católica que reúne leigos para o trabalho de assistência social.
Naquele
período, incorporou o hábito de andar vestida de preto, com a fita vermelha em
volta do pescoço, da qual pendia a medalha do Coração de Jesus. Com a tia
Magdaleninha também ajudava o monsenhor Elpídio Tapiranga, na arrumação da
Igreja de Santo Antônio de Além do Carmo.
Participou
também com a tia do grupo feminino de caridade que recolhia donativos e
distribuía roupas e comidas com pessoas carentes dos bairros mais pobres de
Salvador, além de visitar doentes, organizar batizados e casamentos,
identificar crianças que necessitavam da catequese e da primeira comunhão.
Começou
esse trabalho pela grande concentração de casas modestas do bairro do Tororó,
nas proximidades do atual Estádio da Fonte Nova. A partir dali expandiu cada
vez mais a sua ação e na sua própria casa começou a receber pessoas carentes às
quais ofertava alimentos, limpava os ferimentos e fazia os curativos de alguns
deles.
Foi
assim que, no final do ano de 1927, quando passou as férias escolares na casa
da tia, Maria Rita tomou a decisão de ser freira e no início de 1928, antes de
completar 14 anos de idade, tentou ingressar no Convento do Desterro. A pouca
idade a impediu, mas, persistente, aos 15 anos de idade voltou a procurar o
mesmo Convento.
Para
conseguir realizar o seu objetivo de cultivo da vocação religiosa, Maria Rita
recebeu o apoio do frei Hildebrando Kruthaup, de quem tornar-se-ia amiga e
depois da ordenação dela seria o seu principal parceiro de trabalho dos
primeiros anos de atuação. Partiu dele a iniciativa para que Maria Rita fosse
aceita, em 1933, como postulante no Convento do Carmo, em São Cristóvão, no
Estado de Sergipe.
Maria
Rita conheceu Frei Hildebrando em 1930. Naquele período, aos 16 anos de idade,
ela começou a frequentar a Ordem Terceira da Penitência, atualmente Ordem
Franciscana Secular, que trabalhava orientando leigos a adotarem as práticas de
São Francisco de Assis. O frade era o diretor espiritual da Ordem.
Com
o franciscano, Maria Rita aprendeu a admirar a vida humilde, pobre e caridosa
de São Francisco de Assis. Não obstante, a caridade era prática corrente em sua
família, sob formas distintas. Ademais das práticas da sua tia Magdaleninha,
seu pai, Augusto Lopes Pontes, fundou com outros católicos o Abrigo Filhos do
Povo, no bairro da Liberdade.
No
mesmo ano de 1932 em que recebeu o diploma de professora na Escola Normal,
Maria Rita foi crismada e também fez os votos da Ordem Terceira da Penitência,
recebendo o nome de Irmã Lúcia, em homenagem a Santa Lúcia. A influência do
amigo Frei Hildebrando fez com que ela optasse por ingressar na Congregação das
Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, a fim de se devotar integralmente a
Igreja Católica como freira.
Era
raro que moças com a posição social e a origem familiar de Maria Rita se
destinassem a vida religiosa. Normalmente, as meninas que tinham tais origens,
cursavam a Escola Normal, recebiam o diploma de professora e terminavam casando
com rapazes de boa família.
A
vocação religiosa era um bom caminho de busca de ascensão social para meninas
de famílias muito pobres, muitas vezes oriundas da zona rural. Os conventos
católicos eram uma oportunidade para que elas aprendessem a ler e escrever e
recebessem boa formação escolar, o que era muito difícil para os filhos de
famílias pobres no Brasil da primeira metade do século XX.
Para
as moças que tinham a posição social de Maria Rita, o ingresso no convento não
oferecia sob tal ponto de vista nenhuma vantagem. Normalmente na idade de
ingresso elas haviam concluído o curso ginasial ou a Escola Normal. No convento,
ao invés da vida confortável que desfrutavam, elas iriam conhecer a realidade
do sacrifício e da pobreza, o regime duro de trabalho, sem a proteção dos pais.
As
convicções cristãs, a sua fé, a fizeram diferente das outras meninas do seu
grupo social com as quais conviveu na infância. Foram as diferenças que a
fizeram ter uma vida de absoluta entrega aos mais pobres. As opções que fez ao
longo da vida levaram a Igreja Católica a reconhecer sua santidade.
A
primeira santa nascida no Brasil veio ao mundo na cidade de Salvador, no Estado
da Bahia. Recebeu a formação religiosa em Sergipe, no convento dos Carmelitas, na
velha cidade de São Cristóvão. Em Sergipe se constatou o primeiro milagre de
Dulce reconhecido pela Igreja Católica e definitivo no seu processo de
canonização. Maria Rita Lopes Pontes, baiana, formada em Sergipe, nordestina. A
Santa Dulce dos Pobres, a Santa do Brasil.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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