Jorge
Carvalho do Nascimento*
Desde
o mês de março do ano passado a maior parte do meu tempo está dividida entre
atividades remotas do projeto SERGIPE 200 tocado pela Assembleia Legislativa,
do qual tenho participado; reuniões remotas da Academia Sergipana de Letras e
da Academia Sergipana de Educação; aulas e conferências on line que ministro
sempre que sou convidado; e o silêncio das leituras que faço.
O
meu status de professor aposentado, depois de um concurso público de provas e
títulos e 30 anos trabalhando na Universidade Federal de Sergipe, me permitiu
manter os protocolos de distanciamento social recomendados pela Organização Mundial
da Saúde – OMS, mesmo antes que o Governo do Estado de Sergipe acertadamente o
recomendasse.
Sei
que muitos gostariam de permanecer em distanciamento, mas não o conseguem pela
necessidade de continuar trabalhando para gerar renda e também pela desídia do
Estado brasileiro que, comandado por um governante inepto, não levou a sério a
obrigação que teria de vacinar com urgência a população, bem como criar
programas de apoio e assistência financeira aos assalariados do país e aos
micro e pequenos empresários. Programas que se implementados com brevidade e na
quantidade demandada teriam ajudado o Brasil a evitar o macabro número que se
aproxima de 450 mil mortes e nos faz o segundo país do mundo no qual a Covid
mais matou.
O
meu silêncio de 14 meses foi quebrado sempre pelos textos que escrevo e publico
em meu blog e nos outros canais da internet que utilizo, nos vídeos que posto
em meu canal YouTube e nos livros que publiquei ao longo de tal período dizendo
explicitamente e de modo implícito da minha indignação que se soma àqueles que assumem
uma postura de oposição ao grupo que atualmente governa o Brasil,
principalmente a figura do chefe do Poder Executivo.
Há
um silvo que tenho ouvido invariavelmente de duas a três vezes por semana. Que
não se anuncia previamente. Vem traiçoeiramente e quase silencioso como o
sibilar das serpentes que atacam sorrateiras, apenas percebemos depois que elas
dão o bote irreversível. O silvo da morte em face da Covid.
Esta
manhã o sibilo feriu a minha sensibilidade poucos minutos depois que eu
despertei e li mensagens enviadas por amigos dando conta de mais uma perda. O
meu amigo maestro Rivaldo Dantas, figura credora da minha admiração e aplausos,
foi embora, levado pela Covid. Tem muitos anos que lutava contra um câncer e
com problemas renais. Conseguiu resistir a essas duas terríveis moléstias.
Acometido por Covid foi internado e levado pelo vírus.
Conheci
Rivaldo nos meus primeiros anos de trabalho como professor. Quando fui
trabalhar na Secretaria da Educação estadual, convidado pelo meu amigo Luiz
Antônio Barreto para atuar na Assessoria Cultural que ele chefiava, Rivaldo era
uma figura influente. Tinha sido diretor do Conservatório de Música do Estado e
era o regente da Banda Interescolar do Estado, fundada por decisão do então
secretário Everaldo Aragão Prado.
Dentre
as tarefas que eu tinha, duas me aproximaram de Rivaldo. Eu era responsável por
redigir toda a correspondência que o secretário assinava e além disto, era
tarefa minha exercer o controle sobre a agenda de uso dos dois principais
teatros do Estado à época: o Atheneu Sergipense e o Conservatório de Música.
A
atividade de Rivaldo na Secbanda e o modo como ele projetou a instituição para
além fronteiras de Sergipe, demandava muitos contatos do secretário da
Educação. Todos feitos por correspondência escrita, numa época em que sequer
passava pela imaginação das pessoas a possibilidade de uma rede mundial de
computadores e muitos menos as facilidades que foram criadas pela telefonia
celular.
Frequentemente
eu recebia na sala da Assessoria a visita de Rivaldo que estava demandando
textos de cartas e ofícios que ele levava nos seus despachos para que Everaldo Aragão
assinasse. Do mesmo modo, demandava pautas para apresentações de naipes de
instrumentistas no Atheneu e no Conservatório de Música.
Trabalhamos
juntos durante três anos e meio. Ficou a amizade. Eventualmente nos
encontrávamos em eventos culturais. Revi Rivaldo muitos anos depois. Em 2015
tomei posse como secretário de Estado da Educação de Sergipe. Procurei saber notícias
da Secbanda.
A
Banda Interescolar havia perdido prestígio. Tinha muitos anos que não era
tratada com a dignidade merecida. Os instrumentos que restavam, em boa parte “canibalizados”
ficavam em um espaço inadequado. Os músicos mais qualificados tinham se
afastado. Não havia mais a atividade de preparar novos músicos entre os
estudantes da rede estadual.
Mandei
buscar Rivaldo em sua casa. Estava triste e deprimido com os rumos que a Banda
havia tomado. Propus ao governador Jackson Barreto realizar os investimentos
necessários para reorganizar a instituição e faze-la funcionar novamente sob os
padrões com os quais fora concebida por Rivaldo. Recebi o necessário apoio e, Rivaldo
nomeado novamente diretor da Secbanda reorganizou a instituição. Foram mais três
anos de trabalho prazeroso ao seu lado, entre março de 2015 e abril de 2018,
quando, acompanhando o governador Jackson Barreto que era candidato a um novo
cargo eletivo, renunciei ao cargo de secretário de Estado da Educação.
Rivaldo
nasceu no dia 26 de abril de 1941 e morreu ontem, 14 de maio de 2021, com
exatos 80 anos de idade dedicados a música como violinista, formado pelo
Instituto de Música e Canto Orfeônico de Sergipe, onde ingressou aos 11 anos de
idade. Aos 18 anos migrou para o Rio de Janeiro e foi músico da Orquestra
Sinfônica da Guanabara, da Filarmônica da Escola Nacional de Música e da
Orquestra Juvenil do Teatro Municipal.
Em
1967, com a formação de maestro concluída, o sergipano de Maruim regressou ao seu
Estado e trabalhou como professor no Conservatório de Música. Pouco tempo
depois assumiu a direção do mesmo Conservatório que foi por ele modernizado,
ajustado às exigências da lei 5.692/71 e transformado em escola técnica de
segundo grau.
Em
1976, propôs ao secretário da Educação, Everaldo Aragão Prado, a criação da
Secbanda. Apoiado por este, concebeu uma instituição que estimulava a musica na
rede escolar estadual e identificava jovens com aptidão, aos quais oferecia
formação instrumental.
Em
dezembro de 2017, Rivaldo Dantas era presidente da Confederação Nacional de
Bandas e Fanfarras, sediada em Lorena, no Estado de São Paulo. Como secretário
da Educação acatei a proposta dele e realizamos em Aracaju o XXIV Campeonato
Nacional de Bandas e Fanfarras, com bandas de todo o país. Bandas de todos os
Estados do Brasil desfilaram pela avenida Barão de Maruim, palco do evento.
Foi
meu último encontro com o maestro. A ele, dou aqui o meu derradeiro e simbólico
abraço. Mais uma vez manifesto a minha indignação e pergunto: até quando conviveremos
com a desídia?
*Jornalista, professor,
doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da
Academia Sergipana de Educação.
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