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ANTÔNIO XAVIER DE ASSIS: UM HOMEM, MUITOS HOMENS

                                                            Antônio Xavier de Assis

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O livro ANTÔNIO XAVIER DE ASSIS: VIDA & OBRA, organizado por Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco, foi publicado em 2020, mas somente agora começa a circular. Artes da pandemia Covid 19, que impediu o lançamento presencial no ano pretérito. A ideia dos autores foi a de celebrar, com a obra, o sesquicentenário de nascimento do alagoano de Pão de Açúcar que veio ao mundo em 15 de junho de 1870 e passou a maior parte da sua vida em Sergipe, onde deixou uma prole presente, com importante liderança na vida local.

Jornalista, livreiro, empresário, professor, gestor, intelectual da Educação e político, Antônio Xavier de Assis foi intendente de Aracaju, além de haver exercido a importante função pública de Inspetor de Ensino. Viveu aqui até morrer, no dia 21 de novembro de 1939.

O livro, uma brochura de 303 páginas, no formato 15 X 21cm, tem a chancela da Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe – Edise, num bonito projeto gráfico concebido pela designer Clara Macedo, com revisão e atualização ortográfica de Ana Rita Souza. O texto da quarta capa tem a assinatura do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira.

Dividido em cinco partes, o trabalho traz inicialmente quatro textos assinados por Epifânio Dória e Thiago Fragata. Do primeiro, um artigo sobre os “Intendentes e Prefeitos de Aracaju”. De Fragata, os textos “Xavier de Assis e a Livraria Brazileira (1907-1910) Parte I”, “Xavier de Assis e a Livraria Brazileira (1907-1910) Parte II” e “Xavier de Assis e o Saber Tipográfico”.

Na Parte II estão cinco artigos, escritos por Milton Xavier de Assis, filho do homenageado; Maria Isaura de Assis, sua filha; Lenora Ribeiro Mello, sua neta; José Anderson Nascimento; e, Carlos Pinna de Assis Junior, bisneto de Antônio Xavier de Assis.

A Parte III reúne textos daquilo que os organizadores do livro chamaram de Obra Esparsa de Antônio Xavier de Assis. Os artigos foram recolhidos no JORNAL DO POVO, CORREIO DE ARACAJU, REVISTA DE ARACAJU e no JORNAL DE NOTÍCIAS. São 57 trabalhos publicados entre 1916 e 1962.

Na Parte IV foram publicados fac-símiles de três jornais editados por Antônio Xavier de Assis, em Penedo, no Estado de Alagoas: A PALAVRA, O TRABALHO E TRIBUNA POPULAR. Por fim, a Parte V contém um Apêndice com documentos que pertenceram ao homenageado.

A atividade intelectual de Antônio Xavier de Assis teve como ponto de partida o mesmo que fez com que muitos jovens brasileiros do século XIX cumprissem uma trilha bem sucedida pelo caminho das letras. Talvez o melhor exemplo seja o do escritor Machado de Assis.

Como ele, Antônio Xavier de Assis começou na condição de aprendiz de tipógrafo. Aos 12 anos de idade, em 1882, órfão de pai e mãe, o alagoano foi admitido nas oficinas tipográficas do jornal O TRABALHO, pertencente a Aquiles Balbino de Lelis Melo, na sua cidade de Pão de Açúcar.

Deixou a sua terra natal um ano depois, em 1893, acompanhando Aquiles Balbino de Lelis Melo, quando este transferiu a sede do seu periódico para a então rica Penedo. No mesmo ano fundou o seu primeiro jornal, O ESTÍMULO. Aos 27 anos de idade, em 1897, era proprietário do jornal TRIBUNA POPULAR, na mesma próspera cidade de Penedo, às margens do rio São Francisco, em Alagoas.

Como jornalista, Xavier fez oposição ao governo alagoano. Suas posições lhe criaram graves problemas políticos e de sobrevivência econômica no território de Alagoas. Foram essas dificuldades que o fizeram migrar para Sergipe, onde chegou em 1899, fixando residência na cidade de Aracaju, a capital do Estado, onde viveu até a sua morte, 40 anos depois.

A mudança de Penedo para Aracaju foi possível pela sólida amizade que se estabeleceu em Penedo entre o jornalista Antônio Xavier de Assis e o farmacêutico sergipano Josino Menezes. O sergipano chegara a Penedo pela primeira vez em 1888, onde se estabeleceu comercialmente com uma botica.

Ali fundou o Clube Republicano da cidade e atuou no jornalismo político, como colunista nos jornais SUL DE ALAGOAS e O DEMOCRATA. Quando Antônio Xavier fundou o semanário TRIBUNA POPULAR, Josino Menezes assumiu a principal coluna política do periódico.

Na cidade alagoana de Penedo, Josino Menezes foi intendente municipal nos anos de 1890 e 1891. Mesmo assumindo a direção da Seção de Estatística Comercial de Sergipe em 1893, ele continuou frequentando a cidade de Penedo e fazendo política nas duas margens do rio São Francisco, posto que no lado alagoano continuava estabelecido no comércio como farmacêutico.

Eleito deputado estadual em 1893, Josino foi vice-presidente da Assembleia Legislativa sergipana, no mesmo ano em que conheceu o jornalista Antônio Xavier, então proprietário em Penedo do jornal O ESTÍMULO. Josino ficou no parlamento sergipano até 1896, quando ingressou no serviço público federal, integrando os quadros do Ministério da Fazenda, voltando a residir em Penedo como Escriturário da Alfândega local.

Nesse novo período, Antônio Xavier de Assis foi o principal interlocutor de Josino Menezes nas terras alagoanas. Defendiam as mesmas posições políticas e o alagoano sempre abria espaços para que o farmacêutico sergipano assinasse as principais análises políticas dos jornais que publicava.

Assim, não foi muito difícil a Josino Menezes, quando assumiu o cargo de secretário-geral dos Negócios Públicos, no governo do Monsenhor Olímpio Campos, verificando as perseguições políticas e as dificuldades econômicas do seu amigo em Alagoas, oferecer ajuda em Sergipe ao jornalista pão-de-açucarense, a fim de que este se estabelecesse em Aracaju.

Antônio Xavier veio, montou negócios empresarias, obteve êxito e fez política ao lado de Josino Menezes. Sucedendo a Olímpio Campos na chefia do Poder Executivo Estadual, Josino apoiou a candidatura de Xavier, em 1903, para o cargo de intendente de Aracaju e colaborou para que este fosse sucessor do empresário Francino Melo no governo municipal.

Apenas quatro anos depois da sua chegada à cidade, Antônio Xavier de Assis foi eleito para governar Aracaju e fez uma gestão que agradou aos aracajuanos, elogiada pelo próprio presidente do Estado, Josino Menezes, que exaltou as realizações do Alcaide na mensagem que enviou à Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, em 1904, onde citou algumas iniciativas tomadas pelo governante aracajuano.

“É bem sensível a transformação que se nota no serviço municipal em benefício da população da capital, quer se encare pelo lado da higiene pública, quer pelo embelezamento, em que o seu digno intendente tem tomado tão ativo interesse. Diversas obras de proveitosa utilidade têm sido executadas pela intendência, entre as quais se notam a reconstrução do cais entre os trapiches Lima e Oliveira (...) e aterros em diversas ruas”.

Ele destacou ainda o trabalho de Antônio Xavier de Assis no estímulo ao desenvolvimento das atividades industrias existentes em Aracaju que era, à época, grande produtor de tecidos, sabão, vinagre, ferro, calçados, cigarros, sal, coco e beneficiamento de madeira.

O sucesso dos negócios que Antônio Xavier de Assis empreendeu desde a sua chegada a Aracaju e as suas relações políticas e de amizade com Josino Menezes o fizeram político e uma das figuras de maior prestígio e influência na vida social do Estado de Sergipe. Homem dado aos bons relacionamentos sociais, Xavier era, em poucos anos, uma das figuras de maior projeção na elite da cidade de Aracaju.

Uma década depois de haver se estabelecido em Sergipe, o já então próspero empresário aparece como um dos chefes de família da elite sergipana a fundar o Grêmio Sergipano, um importante clube social liderado por Álvaro do Nascimento, instalado no então elegante endereço que era o número 55 da rua Japaratuba, hoje João Pessoa.

Uma das atrações do clube era o Cosmorama, à época um moderno aparelho ótico no qual era possível observar as coleções de quadros, os monumentos mais notáveis da terra e os lugares mais importantes do planeta. Além disto, ali, as famílias podiam contar com jogos de salão, biblioteca, apresentações musicais de piano. Era um espaço de convívio e diversão. O Grêmio funcionava diariamente, das 10 da manhã até a meia noite, com serviço de bufet, bar, lanches e doces.

Dentre os patronos fundadores do Grêmio, além dos nomes de Antônio Xavier de Assis e seus familiares, figuravam personalidades como as Senhoritas Carolina Campos, Corália Fonseca, além de senhores como Gumercindo Bessa, Nobre de Lacerda, Thomaz Cruz, Thales Ferraz, Carlos Rolla, Pimentel Franco, Alcebiades Paes, Simeão Sobral, Evangelino Faro, Tancredo Campos, Garcia Roza, Sabino Ribeiro e Terêncio Sampaio, dentre outros.

A capacidade que teve Antônio Xavier de Assis de influenciar a mudança de hábitos e mudar padrões de comportamento em Sergipe também pode ser notada com o entusiasmo deste em relação a práticas esportivas que eram, então, inovadoras. Teve grande repercussão, em 1910, um piquenique realizado em sua propriedade rural, organizado pelo Clube Esperanto, importante clube social dedicado a cultura e divulgação do idioma Esperanto, nos moldes daqueles clubes sociais que marcaram a vida das cidades na segunda metade do século XX.

O sítio Palestina, era a propriedade de Xavier de Assis, no espaço que à época era considerado zona rural de Aracaju, ao norte da cidade, hoje um bairro de mesmo nome localizado entre os bairros Santo Antônio, 18 do Forte, Cidade Nova e Sanatório. Colaboraram com Xavier de Assis na organização do evento o professor Alcebiades Paes e a farmacêutica Cesartina Regis.

As famílias da elite local partiram da rua Japaratuba (agora, João Pessoa), às seis da manhã, em bonde especialmente contratado para tal fim, que os levou até o início da ladeira da colina do Santo Antônio. Era dia 10 de agosto de 1910. De lá, seguiram a pé até a propriedade de Xavier de Assis. Da rua Japaratuba até a chegada ao sítio Palestina foram duas horas. Cerca de uma hora a pé.

Na chegada foi servido um café da manhã. Durante o dia houve jogos de futebol entre os participantes, o que era uma novidade em Aracaju. Também outras inovações esportivas, como exercícios de acrobacia, barra, trapézio, saltos e corridas. O almoço foi servido ao ar livre. À tarde, atividades de canto e dança, com a participação de uma orquestra contratada para a festa. As 18 horas foi servido o jantar e todos regressaram.

Outra novidade da festa foi a presença de duas fotógrafas, as irmãs Rocha, para as quais todos os convidados posaram, de dois em dois. Ser fotografado à época, ainda era muito raro em Aracaju. Essa capacidade de liderar a vida social que tinha Antônio Xavier de Assis é uma dimensão que talvez, no futuro, mereça um trabalho específico da parte dos dois autores.

Da mesma maneira, e talvez com maior urgência, é necessário um estudo sobre Antônio Xavier de Assis, intelectual da Educação. Ele assumiu responsabilidades de gestão na política educacional do Estado de Sergipe, entre os anos de 1911 e 1914, durante o governo de Siqueira de Menezes. Nesse mesmo período assumiu o cargo de Inspetor de Ensino, que exerceria até se aposentar.

A inspeção do ensino foi uma das ferramentas de maior importância para a uniformização da cultura escolar no Brasil, durante a primeira metade do século XX. É importante anotar que cada inspetor era responsável por uma zona educacional na qual existia um grupo de escolas.

Competia ao inspetor orientar os professores e a direção de cada uma das escolas e acompanhar a execução dos programas de ensino que eram oferecidos aos estudantes pelos docentes. Por isto, o inspetor tinha a obrigação de visitar cada uma das escolas sob a sua responsabilidade, no mínimo trimestralmente.

Ao final de cada ano letivo, o inspetor entregava ao gestor da política educacional do Estado um relatório circunstanciado dando conta do aproveitamento dos estudantes, do desempenho de cada um dos professores, bem como da aptidão docente. Além disto tratava das aulas e do funcionamento da escola, com ênfase para a gestão.

O trabalho dos inspetores foi essencial para que se modificasse a velha cultura das aulas isoladas e se implantasse o ensino seriado que veio com a instituição dos grupos escolares em Sergipe, nas primeiras décadas do século XX. Ao final de cada visita, eles lavravam um relatório circunstanciado em livro próprio existente na instituição escolar e produziam um relatório sobre o mesmo assunto que destinavam à Diretoria da Instrução Pública.

O meu entendimento é o de que esta foi a maior contribuição intelectual e a mais perene, dentre as muitas iniciativas de Antônio Xavier de Assis para promover o desenvolvimento de Sergipe. Tal ponto de vista, contudo não diminui em absolutamente nada a dimensão das inúmeras outras contribuições de Xavier.

São muitas as dimensões de Antônio Xavier de Assis. Tipógrafo, jornalista, livreiro, empresário, industrial, desportista, político, gestor público, escritor, professor, intelectual da Educação. Este é o livro. ANTONIO XAVIER DE ASSIS: VIDA & OBRA. Incontestável é o talento dos seus autores, Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco. Xavier é muito grande para caber em um único livro. Tenho certeza que os dois estudiosos ainda nos oferecerão novos livros, verticalizando cada uma das facetas desse homem plural.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

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