Jorge
Carvalho do Nascimento*
Uma
dissertação de mestrado de Mislene Vieira dos Santos, defendida na UFS em 2014;
um artigo de Lenalda Andrade Santos, de 1995; um outro texto assinado por
Terezinha Oliva, Luiz Otávio Cabral e Roseane Soares, de 2008; um estudo de
Thereza Feitosa, de 2021; um trabalho de Janaina Cordeiro, de 2006; e, uma tese
de doutorado defendida por Sônia Azevedo, na UFPE, em 2009, são importantes
referências para compreender as motivações e os sentidos do I Festival de Arte
de São Cristóvão, realizado anualmente a partir de 1972 na antiga capital do
Estado de Sergipe.
A
tais análises se soma agora o trabalho O RESGATE MEMORIALÍSTICO DO I FESTIVAL
DE ARTE DE SÃO CRISTÓVÃO, I FASC, publicado neste ano de 2021 pela professora e
escritora Vera Lúcia dos Santos. A autora é membro da Academia Sancristovense
de Letras e Artes.
Estampando
o selo da editora Artner, o livro de 161 páginas tem orelhas com a assinatura do
historiador Adailton Andrade, prefácio do escritor José Anderson Nascimento, apresentação
do historiador Thiago Fragata e introdução sob a responsabilidade da professora
e poeta Tânia Maria da Conceição Meneses Silva.
A
autora do livro nos mostra de que modo, a partir de 1590, a cidade de São
Cristóvão estabeleceu os seus significados ao tecer uma trama histórica que
chegou ao século XXI com a urbe assumindo uma identidade rica em tradições e um
passado do qual os seus habitantes se orgulham com satisfação.
Por
tal razão, Vera Lúcia dedica um dos capítulos do trabalho a discutir os
monumentos da cidade, analisando a natureza histórica, artística e cultural de
cada um deles, enfatizando os símbolos que estes carregam e o modo como a
memória dos sancristovenses os reverencia.
O
orgulho de um passado faustoso de poder político e econômico aparece no
capítulo dedicado à figura de João Bebe Água, o João Nepomuceno Borges, lendário
vereador da cidade que ocupou a presidência do parlamento municipal e, em 1855,
se apresentou como o principal líder político a se opor ao processo de transferência
da capital da província de Sergipe de São Cristóvão para Aracaju.
Ponto
alto do estudo, o quinto capítulo do livro discute o I Festival de Arte de São
Cristóvão no contexto das celebrações do Sesquicentenário da Independência do
Brasil. Durante os três primeiros dias do mês de setembro de 1972, o evento
organizado pela Universidade Federal de Sergipe reuniu na antiga capital
artistas de distintas regiões brasileiras.
A
partir do cartaz do encontro, Vera assume a mesma trilha já adotada por outros
analistas do mesmo documento iconográfico para demonstrar como foi passada a
mensagem do renascimento da histórica cidade em direção a um novo tempo,
representado pelo sol que iluminava a clássica fachada do Convento de São Francisco,
hoje patrimônio da humanidade tombado pela Unesco.
Importante
anotar que o I Festival de Arte de São Cristóvão foi realizado no contexto de
transição da década de 60 para os anos 70 do século XX, em meio a um ambiente no
qual os discursos fundados na ideia de uma contracultura rebelde dominavam os
corações e mentes da juventude universitária que fez pulsar as ruas da velha
cidade naquele período.
Criado
para ajudar os militares que comandavam a ditadura brasileira liderados pelo
general Emílio Garrastazu Medici, então presidente da República, a difundir a
ideologia do Brasil “potência de amor e paz”, tal como no hino composto por
Miguel Gustavo, o FASC abriu, como efeito colateral, generosos espaços aos
críticos da mesma ditadura.
Nunca
é demais lembrar que, naquele período, os artistas padeciam duramente sob a
censura que buscava tolher a liberdade de expressão. A sociedade se queria
livre, mas um Estado gendarme buscava a todo custo impor a sua tutela com os
seus sistemas de segurança e informação gerenciados pelos órgãos do serviço
secreto das forças armadas e pelo Departamento de Censura e Diversões Públicas
da Polícia Federal.
Às
vésperas das celebrações dos 200 anos do Brasil independente, o livro de Vera
Lúcia dos Santos lança luzes sobre a presença militar tentando controlar a
cultura e as manifestações artísticas no momento em que a festa era para marcar
os 150 anos da independência do país.
Assim,
50 anos depois, vivemos sob o governo de um capitão da reserva que se elegeu
presidente da República, mas que costuma comparecer a passeatas, motociatas e
outras “atas” nas quais seus aliados ostentando faixas que pregam o
estabelecimento de um regime ditatorial não escondem o latente desejo de “desatar”
as amarras constitucionais que garantem a independência entre os poderes da
República e asseguram a ação autônoma do Judiciário e do Legislativo.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
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