Jorge
Carvalho do Nascimento*
Jornalistas que
fazem coluna social normalmente são vistos como pessoas que vivem promovendo a
vida glamourosa de ricos e poderosos e em alguns momentos entendidos como profissionais
que se dedicam a bajular os grupos da elite econômico e os filhos das famílias
ditas tradicionais.
Nos últimos anos
tenho me dedicado a estudar, pesquisar e escrever sobre o tema e quanto mais me
aprofundo fico convencido de que não é bem assim. A coluna social, como
qualquer outra prática humana comporta as distintas dimensões daquilo que somos
nós humanos no modo como vemos os outros e como somos vistos pelas outras
pessoas.
A morte nesta
terça-feira, 20 de julho de 2020, do jornalista Luiz Adelmo Soares de Souza,
outra vez me chama a atenção para o quanto todos nós somos complexos e
contraditórios. Inteligente e sagaz, ele encarnou ao mesmo tempo, ao longo da
sua produtiva vida, distintos personagens que o fizeram conservador e
revolucionário.
A começar pelos
distintos papéis que desempenhou. Além de jornalista e colunista social de
muito prestígio, Luiz Adelmo, filho de Adelaido, um conhecido militante de
esquerda que viveu a maior parte da sua existência na cidade sergipana de Estância,
cercado por uma família católica que o fez o primeiro menino a ser admitido no
colégio das freiras daquela localidade.
Aos 11 anos de
idade Luiz Adelmo foi mandado para um seminário pelos seus familiares,
esperançosos em vê-lo ordenar-se frade franciscano. Não era isto que o jovem desejava.
Caiu na vida e se fez bancário, em Aracaju. Talvez por contestar a autoridade
paterna, politicamente se fez conservador.
De outra
perspectiva, talvez por admirar a figura paterna, cultivou ótimos
relacionamentos com líderes da esquerda, principalmente alguns ligados ao Partido
Comunista, como o seu ex-cunhado Edvaldo Nogueira e o expressivo líder
comunista sergipano Wellington Mangueira.
No início da década
de 60 do século XX, viveu entre o Rio de Janeiro e São Paulo, privando do
relacionamento de figuras que chocavam os padrões conservadores da família
brasileira, como a atriz Leila Diniz, com quem participou da produção do eterno
espetáculo teatral TEM BANANA NA BANDA.
Antes de partir
para o Rio de Janeiro chocou a acanhada sociedade aracajuana ao instalar na
ainda inexplorada praia de Atalaia o bar Barracão, espaço no qual os descolados
de Aracaju podiam se entregar aos prazeres do rock e da bossa nova, das drogas lícitas
e algumas ilícitas, e encontrar pessoas dispostas aos prazeres do amor e do
sexo fora do casamento, o que fazia tremer as estruturas das famílias de uma
sociedade na qual o comportamento buscava os caminhos da tradição, família e
propriedade.
O jornalista
Pedrito Barreto registrou com muito entusiasmo, no ano de 1978, em sua coluna
no jornal Gazeta de Sergipe, uma nova iniciativa de Luiz Adelmo como empresário
da noite: a inauguração da boate 147, na praia de Atalaia, mais um espaço que encantou
os descolados de Aracaju e que atraiu os nomes jovens que frequentavam a noite
aracajuana.
A Aracaju que via
TV recebendo o sinal da Televisão Jornal do Comércio, da cidade do Recife,
distribuído na capital de Sergipe pela antena repetidora instalada no Morro do
Urubu, viu, entre atônita e extasiada, um Luiz Adelmo circulando com desenvoltura
no programa Almoço Com As Estrelas, apresentado pelo casal Airton e Lolita
Rodrigues na TV Tupi de São Paulo, principal emissora da rede dos associados
fundada por Assis Chateubriand.
Contribuindo ao seu
modo, o jornalista Luiz Adelmo consolidou em Sergipe um estilo novo de fazer
coluna social nas décadas de 60 e 70 do século XX. O estilo passou para outros
jornais diários e revistas, através de colunistas como Ricardo Boechat e Carlos
Leonam, com os quais ele aprendeu no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O mesmo estilo posteriormente
solidificado por jornalistas como Ancelmo Gois, Joyce Pascowitch e Mônica
Bérgamo, no Rio e em São Paulo. Aquele jeito de escrever na coluna social, reificado
em Sergipe por Luiz Adelmo, fez escola e ganhou adeptos que continuaram
ocupando espaço até a primeira década deste século XXI, a exemplo do jornalista
Osmário Santos.
Luiz Adelmo Soares
assumiu a titularidade da coluna Gazeta Social na edição do dia 29 de dezembro
de 1965 do jornal Gazeta de Sergipe. Chegou com um estilo que foi considerado
novo, apresentado por R. C. de Souza, pseudônimo utilizado pela advogada Zelita
Correia para assinar a sua coluna.
R. C. de Souza
assinou a coluna durante 10 meses. No dia 25 de dezembro daquele mesmo ano, em
uma nota elegante, ela anunciou o seu afastamento e a presença de um novo titular.
“A partir da nossa edição de quarta-feira a coluna social da Gazeta de Sergipe
será escrita pelo jovem bancário Luiz Adelmo Soares, pessoa que, melhor que a
colunista atual, preencherá os requisitos de outra verdadeira crônica social em
nossa imprensa. O Luiz Adelmo estudou teatro em S. Paulo, é um jovem culto e
inteligente com quem todos vocês ficarão satisfeitos”.
Luiz Adelmo
publicou uma nota informativa ao assinar a coluna pela primeira vez: “A partir
de hoje deixa de escrever a colunista R. C. de Souza (nossa querida Zelita), a
quem desejamos pleno sucesso na nova carreira que abraçou (a advocacia) e
agradecemos os elogios dirigidos ao cronista. Da sociedade espero contar com o
mesmo carinho dirigido à minha antecessora”.
Importante anotar
que o cenário dos anos 70 e 80 do século XX na crônica social publicada pela
imprensa de Sergipe foi dominado por nomes como os de Karmen Mesquita, Pedrito
Barreto, Lânia Duarte, Clara Angélica Porto, Leilinha Leite (pseudônimo do
jornalista Ivan Valença), Maria Luiza Cruz, Luduvice José, João de Barros,
Paulo Nou e Luiz Adelmo Soares de Souza.
Luiz Adelmo Soares
de Souza, do mesmo modo que Leilinha Leite, certamente teve o mérito de inovar
a linguagem e o estilo da crônica social. Fez com que esse tipo de jornalismo
fosse não apenas o registro de bailes, casamentos, jantares e recepções
glamourosos, mas incorporasse também o noticiário de fatos da vida política e
econômica, mesmo quando os personagens envolvidos eram pessoas de pouco
glamour.
Nascido em 1942, permaneceu
no seminário dos frades franciscanos durante cinco anos e aos 16 anos de idade desistiu
de ingressar no clero, voltando a Estância, sua cidade natal, e logo depois indo
viver em São Paulo por três anos, quando trabalhou em uma indústria e estudou
artes plásticas e artes cênicas.
Na idade de
ingresso no serviço militar estava em Brasília, como soldado do Exército, atuando
na segurança do gabinete do ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, durante
os governos de Juscelino Kubitscheck e Jânio Quadros. Concluído o período
obrigatório de serviço militar retornou a Sergipe e trabalhou como bancário e
jornalista.
Iniciou-se no
jornalismo trabalhando no Sergipe Jornal, de propriedade do então deputado
federal José Carlos Teixeira. Na condição de repórter alargou o seu círculo de
relações e fez contato com as lideranças da vida política e econômica de
Sergipe e saiu do Sergipe Jornal para ser colunista na Gazeta de Sergipe.
Com Luiz Adelmo, a
Gazeta Social ganhou um perfil diferenciado, aprofundando a experiência da
coluna Background que Anderson Nascimento comandou entre 1963 e 1964. A
diferença fundamental era de natureza ideológica. Enquanto Anderson vinha da
militância política de esquerda, Luiz Adelmo, que recebera formação religiosa e
militar, tinha um perfil político mais à direita, apesar de filho de Adelaido,
nascido em Riachão do Dantas e conhecido militante comunista.
Muito avançado para
os padrões sergipanos quanto aos costumes, por sua formação junto aos grupos de
artistas quando vivera em São Paulo, as posições políticas conservadoras de
Luiz Adelmo e a sua formação militar abriram generosos espaços para as
lideranças militares que passaram a ocupar espaço com citações frequentes na
Gazeta Social.
Ainda na primeira
coluna assinada por Luiz Adelmo, tal pauta ficou visível. “Florival Santos que
expôs em Salvador em julho deste ano (com absoluto sucesso), está pintando o
retrato da Sra. Cel. Tércio Veras. O quadro do Florival deverá enriquecer o adress
da residência do casal”.
O fato é que Luiz
Adelmo produziu um jornalismo diferente e teve condições de aprofundar o estilo
que Anderson Nascimento iniciara. Não há explicação para o fato de a partir da
edição do dia 18 de janeiro de 1966 a denominação da sua coluna haver sido
modificada, assumindo o título de Em Sociedade. Todavia, foi mantido o nome do mesmo
Luiz Adelmo como jornalista responsável.
Uma nova mudança
ocorreu no dia 24 de maio daquele ano, quando a coluna assumiu o nome do
colunista como sua denominação: Luiz Adelmo. A sua última coluna na Gazeta de
Sergipe foi assinada no dia dois de fevereiro de 1967 e dedicada a posse de
Lourival Baptista no cargo de governador do Estado de Sergipe.
“A posse do novo
Governador Lourival Baptista foi de grande repercussão nacional e contou não só
com o representante do Presidente da República, Brigadeiro Parreiras Hortas,
como também com a presença do Governador Lomanto Junior, da Bahia; Lamenha
Filho, de Alagoas e João Agripino, da Paraíba; o Comandante da 6ª Região, Gen.
Augusto Tinoco; além de grande comitiva de deputados da Bahia e parentes do
novo Governador”.
Nem o jornal e
muito menos o jornalista deram qualquer satisfação acerca do encerramento das
atividades da coluna e do seu afastamento do periódico. A presença de Luiz
Adelmo na Gazeta de Sergipe outra vez fez com que se cumprisse a saga de alta
rotatividade entre os jornalistas dedicados a coluna social. Ele permaneceu na
Gazeta de Sergipe apenas durante 13 meses.
A colunista que o
substituiu, Ilma Fontes, também praticou um estilo no gênero que se
diferenciava do lugar comum das colunas. Trilhou um pouco das sendas de
Anderson Nascimento e de Luiz Adelmo, desde a primeira nota que publicou.
“Ciranda é uma peça-estudo organizada com músicas populares infantis e poemas
de Amaral Cavalcante”.
Quando a Gazeta de
Sergipe celebrou o seu décimo segundo aniversário (antes era Gazeta
Socialista), a jornalista Clara Angélica Porto estreou como colunista social.
Na edição do dia 14 de janeiro de 1968, ao assinar a coluna Vida Social pela
primeira vez, Clara anunciou num texto de abertura aquilo que pretendia
realizar.
“Depois de
desaparecer por alguns dias, volta agora mais uma coluna social da Gazeta de
Sergipe. Esperamos que a nossa maneira de ver a vida social agrade aos nossos
leitores, pois procuramos dar o máximo de nós. Aos domingos faremos uma
reportagem mais ampla, com entrevistas e notícias várias, a fim de não nos
tornarmos monótonos. Vida Social deseja a todos os seus leitores um 68 cheio
das coisas boas que o mundo ainda tem”.
A coluna manteve um
padrão próximo àquele seguido por jornalistas como Anderson Nascimento, Luiz
Adelmo e Ilma Fontes, porém em tom mais brando e menos revelador das paixões
ideológicas da jornalista, o que não impediu Clara Angélica de ter problemas
políticos com a ditadura militar que governava o Brasil.
Luiz
Adelmo voltou a fazer coluna social em janeiro de 1979, quando aceitou o
convite do Jornal da Cidade para assinar um espaço do caderno JC REVISTA. O
caderno incorporou mais outros nomes originais que se somaram aos que já
estavam trabalhando, como a então jovem jornalista Siomara Madureira, responsável
por uma página dedicada a crianças.
Luiz Adelmo manteve
o seu estilo irônico, ao agrado de uma parcela elevada de leitores. O jornalista
Paulo Nou deu um bom exemplo do estilo jornalístico do estanciano, narrando um
fato ocorrido em uma das colunas que Luiz Adelmo assinou. “Ele colocou uma foto
de Clara Angélica em um dia. No dia seguinte colocou outra foto da Clara,
porque ela era uma figura destacada da sociedade e eram duas situações
diferentes. Eram duas fotos bonitas. E virou um ti-ti-ti em Aracaju, algumas
pessoas comentaram. Como Luiz Adelmo era uma pessoa muito independente, no
terceiro dia colocou outra foto da Clara”.
Como se toda a
atividade já narrada fosse pouca coisa, Luiz Adelmo se fez empresário do ramo
de móveis e decorações, em Aracaju e em Maceió, fazendo muito sucesso com suas
lojas de bom gosto que davam um toque de refinamento às casas e apartamentos
que ele decorava.
Artista plástico e artesão,
difundiu a tapeçaria de decoração em macramê na cidade de Aracaju e instalou um
movimentado ateliê que funcionava também como escola para a formação de artesãos
na avenida Barão de Maruim. No mesmo endereço, o marchand Luiz Adelmo criou uma
galeria de arte que reunia trabalhos dos mais importantes dentre os artistas
plásticos de Sergipe.
Os últimos anos da
sua vida Luiz Adelmo dedicou a gestão da Galeria de Arte Álvaro Santos, espaço
público de difusão das artes plásticas. A Galeria construída e inaugurada pelo
prefeito Godofredo Diniz, na década de 60 do século XX, ganhou uma programação
ativa e movimentada sob Luiz Adelmo que buscou modernizar a instituição.
A morte de Luiz
Adelmo retira do cenário sergipano um agitador cultural que nos deixará órfãos.
Do mesmo tipo de orfandade que padecemos com o desaparecimento de intelectuais
como Clodoaldo de Alencar Filho, Osires Rocha, Luiz Antônio Barreto, Amaral
Cavalcante, Fernando Sávio, Garcia Moreno, Antônio Garcia Filho e tantos outros
que poderíamos enumerar.
Para os que ainda
vivem, fica o registro de um intelectual que soube trafegar em meio a muitas
ousadias protagonizadas por um conservador iconoclasta.
*Jornalista, professor, doutor em Educação,
membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de
Educação.
Prezado Prof. Dr. Jorge Carvalho, parabenizo pela excelente matéria que fez a respeito do Jornalista Luís Adelmo, principalmente qdo descreve a importância das colunas sociais e a análise equivocada de muita gente sobre o que representa a mesma como informação sobre registros importantes para o meio social como um todo. A diversidade de atuações do grande e saudoso jornalista, deixa um grande legado para um repensar sobre competências mal interpretadas.
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