Jorge
Carvalho do Nascimento*
No
final do ano de 1995 retornei do período de um ano de pesquisas que fiz na
Johann Wolfgang Goethe Universität, em Frankfurt, na República Federal da
Alemanha. A bolsa sanduiche que recebi da Capes foi muito importante por me
possibilitar frequentar arquivos alemães.
Em
tal período, busquei compreender problemas atinentes a trocas culturais
Brasil-Alemanha durante o século XIX, principalmente nas províncias localizadas
na porção do território brasileiro que contemporaneamente entendemos ser a
região Nordeste, consolidada na segunda metade do século XX.
Ao
voltar à PUC de São Paulo, onde fazia o doutoramento, Mirian Jorge Warde, a
minha orientadora, sugeriu que eu frequentasse como ouvinte algumas aulas
ministradas por Marta Maria Chagas de Carvalho para os alunos que ela orientava
na USP. Foi a frequência a tal disciplina que me aproximou e com o tempo me fez
amigo de alguns jovens pesquisadores que atualmente são referência e lideram o
campo da pesquisa em História da Educação no Brasil.
Daquele
grupo participavam Diana Gonçalves Vidal, José Gonçalves Gondra, Maria Rita de
Almeida Toledo, Bruno Bontempi Junior, Marcos Cézar de Freitas e Luciano Mendes
de Faria Filho, dentre outros. Tenho com todos um excelente relacionamento e
com Luciano um encantamento por um gosto que compartilhamos.
Todo
o grupo demonstrou ao longo dos últimos 25 anos a competência que possui na
docência, na pesquisa e na escrita da História da Educação. Luciano resolveu,
desde o seu recente período de estudos e pesquisas no México, trilhar também os
caminhos da literatura. E acresço, da boa literatura.
O
seu primeiro livro no qual se mostrou para além dos ensaios de História da
Educação foi A PRIMEIRA PÁGINA E OUTROS CONTOS MEXICANOS. Luciano surpreendeu a
todos que já admiravam a sua obra de historiador da Educação. Foi prazeroso
descobrir um contista criativo, narrador cativante que sabe envolver o leitor.
Mergulhar
no universo da primeira página e dos outros contos de Luciano Mendes é se
apaixonar por Candinha, Manuel, Das Dores, Padre Cristóvão, Raimundo, Professor
Aleixo.
Luciano
nos encantou e neste mesmo ano resolveu colocar no palco em que já
contracenavam o ensaísta e o contista, também o criativo romancista que é,
abraçado com as suas mulheres de personalidade forte e colocou em circulação o
romance ENTRE MULHERES.
Outra
vez foi impossível esconder a paixão por Márcia e Isaura, protagonistas do
romance de formação que o autor nos ofereceu, revelando a surpreendente
história de duas negras, mãe e filha, ambientadas no final do século XX. A face
feminina que moldou a formação do romancista fica visível e entusiasma quem lê.
Crendo
que era pouco, Luciano reacendeu a caldeira que turbina o seu efervescente
imaginário e acaba de colocar em circulação o seu terceiro texto literário, no
mesmo ano. Concluí esta semana a leitura de HOMENS DE BEM. São 144 páginas
publicadas pela Eis Editora, em Belo Horizonte. Um daqueles livros que nos
autoriza a afirmar ser tênue a linha divisória que separa o conto da crônica,
principalmente quando esta é bem temperada pelo registro memorialístico.
São
sete textos: Os Doidos; Sem Mais, Ali; Homens de Bem; Os Tortuosos Caminhos dos
Encontros; Negócios Com o Diabo; Bandido Bom É Bandido Morto; e, Dor e
Liberdade. Aqui, estão mesclados, nas mesmas narrativas, a perspicácia do
historiador, a memória do cronista e a criatividade do narrador contista.
Apanha
pessoas simples com as quais conviveu, outras das quais ouviu falar e algumas
das quais localizou registros ao pesquisar nos arquivos que costuma utilizar no
seu ofício de historiador. O liame que cimenta o livro é o fato de todos os
sujeitos dos quais fala estarem submetidos a processos de dominação e violência
física e simbólica.
Com
certeza, “Homens de Bem” é o ponto alto desse conjunto de narrativas, deixando
evidente que os bens efetivamente fazem os homens de bem ou que estes estão
sempre buscando o acúmulo de bens. A dicotomia se apresenta em todas as
narrativas deste livro que remete a um passado recente que o Brasil não pode
esquecer, principalmente agora, quando tal passado se faz presente.
Que
2022 venho nos trazendo um novo presente e mantenha acesa a criatividade e a
energia produtiva do plúrimo escritor Luciano Mendes de Faria Filho.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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