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O UNIVERSO DE RAYMUNDO JULIANO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Quando eu ouvi falar em Raymundo Juliano pela primeira vez, era ainda um adolescente frequentando o ensino ginasial. Gostava de ouvir a narração dos jogos de futebol do campeonato sergipano pela Rádio Cultura, claro sempre torcendo pela Associação Desportiva Confiança.

Vibrava com a transmissão narrada por Carlos Magalhães e pela sua equipe que tinha Wellington Elias como comentarista. Não perdia as informações estatísticas de Pedro Luiz e as polêmicas levantadas por repórteres como Gilson Rollemberg que sempre comparava o público presente nos estádios com o número de pagantes oficialmente registrado e o valor da renda obtida nas bilheterias.

E o que Raymundo Juliano tem a ver com isto? À época a DISBERJ – Distribuidora de Bebidas Raymundo Juliano, que detinha a exclusividade da distribuição da cerveja, do guaraná e de todas as bebidas da marca Antártica para o Estado de Sergipe, era o principal patrocinador do futebol na Rádio Cultura, detentora da maior audiência.

Os anos se passaram e quis a vida me fazer jornalista. Trabalhando na Gazeta de Sergipe, atuei também como repórter esportivo e fui filiado a Associação dos Cronistas Desportivos de Sergipe – ACDS, à época presidida pelo jornalista Jorge Araújo. A ACDS possuía em sua sede um bar muito movimentado que aos sábados, a partir do meio dia, era point onde se reuniam jornalistas, políticos e empresários bem sucedidos.

Para os padrões através dos quais os homens eram medidos, eu não era exatamente o que poderia ser chamado de bem sucedido. Todavia, a sociabilidade dos bares aos sábados sempre me foi extremamente sedutora. Ali, na ACDS, fiz meus primeiros contatos pessoais com o empresário de muito sucesso que era Raymundo Juliano.

Leve, bem humorado, de prosa fácil, inteligência qualificada. O compartilhamento da mesa do bar da ACDS habitualmente frequentado por nós se tornou amizade. Aprofundada já na maturidade, quando ingressei no Rotary Club de Aracaju-Norte e lá encontrei Raymundo dentre os associados, ostentando a condição de ex-presidente do clube.

Raymundo morreu em 2020, aos 88 anos de idade. Este final de semana conclui a leitura da sua biografia escrita pela jornalista e historiadora Juliana Souto Santos. Publicação pela Criação Editora, o livro me foi presenteado por Juliano César e suas irmãs Ana Suely e Cynthia Souto (os três filhos de Raymundo) e pela mulher que foi o amor que acompanhou Raymundo na maturidade até a sua morte: Ana Maria Nascimento. Eles casaram depois que Raymundo ficou viúvo do seu primeiro casamento com Suéle Fontes.

Antes de qualquer comentário sobre o trabalho de Juliana, registro com alegria a qualidade do texto da primeira orelha do livro, assinado pela professora doutora Vera Lúcia Alves de França, competente geógrafa da Universidade Federal de Sergipe, nascida na cidade de Estância, como Raymundo Juliano.

Do mesmo modo o prefácio de autoria do professor doutor Antônio Carlos Sobral Sousa, médico cardiologista que cuidava do coração de Raymundo, do qual se fez amigo, como eram amigos do empresário todos dos quais ele se aproximava.

Normalmente, biografias são leituras chatas e repetitivas, a maior parte delas tendente a se transformar em hagiografias. O trabalho de Juliana, contudo, pinta um quadro bem realista e de leitura agradável, apresentando ao leitor o empresário e cidadão estudado na sua inteireza.

São cinco capítulos de narrativa acompanhada por uma rica iconografia. Não obstante ser uma biografia autorizada, que começou a ser escrita com o sujeito estudado ainda vivo, o trabalho é atraente e a narrativa seduz o leitor. Ao falar da infância, adolescência e iniciação profissional de Raymundo, a autora nos enriquece pintando um bom contexto cenográfico da cidade de Estância, onde não apenas ele nasceu e viveu na primeira metade do século XX, mas onde também fizeram morada em diferentes momentos das suas vidas figuras como o escritor Jorge Amado e o jornalista João Oliva Alves.

O modo como são narrados os dois casamentos de Raymundo Juliano, a prole de filhos, netos e bisnetos que ele criou, o seu prazer em conhecer o mundo dos negócios e os diferentes lugares do planeta que habitamos, bem como a sua luta em face dos problemas de saúde que administrou nos mostra um homem extraordinariamente apegado a vida e com um desejo intenso de vencer todas as adversidades.

A sua saga empresarial como caixeiro viajante, dono de bar, representante de bebidas, líder de entidades comerciais expõe marcas de um tipo de atividade empresarial para o qual já não mais há espaço na era das grandes corporações dominadas pela tecnologia das comunicações a distância.

Raymundo Juliano foi um entusiasta da atividade daquilo que o pensador francês Alexis de Tocquevile denominou de associações voluntárias, ao descrever a formação dos Estados Unidos em seu clássico livro DEMOCRACIA NA AMÉRICA. O biografado foi maçom, dirigente de entidades empresariais corporativas como o CDL e a Federação do Comércio, associado do Lions e do Rotary Clube.

Ler o trabalho escrito por Juliana Souto e conhecer Raymundo Juliano é penetrar num universo que nos parece cada vez mais distante neste mundo pandêmico que estamos a atravessar na terceira década do século XXI.

Vale a pena.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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