Jorge
Carvalho do Nascimento*
Num
texto acerca da dificuldade que é a escolha de objetos de estudo, o historiador
francês Dominique Julia afirmou a importância de ser capaz de fazer flecha com
qualquer madeira. A afirmação do final do século XX era indicativa para os que pesquisam
e escrevem a história de que tudo aquilo que envolve a vida é relevante, desde
que saibamos como tratar cada objeto.
Trago
para a literatura a afirmação de Julia e lanço o meu olhar de leitor sobre o
talento da escritora Ana Maria Fonseca Medina, detentora de uma ilimitada
competência e capacidade de apanhar tudo que passa diante dos seus olhos e
transformar em literatura da mais alta qualidade.
A
autora chamou efetivamente a minha atenção ao publicar, em 1999, o ensaio PONTE
DO IMPERADOR. Apanhou o conhecido monumento da cidade de Aracaju, o transformou
em objeto de referência memorialística, mas acima de tudo produziu uma
narrativa literária sensível, cativante, fluida e profunda.
Trabalhadora
incansável, Ana continuou a produzir intensamente e produziu uma obra que é
história, memória, biografia, com todo tipo de fonte possível, além de uma
capacidade de narrar que atrai e fideliza leitores permanentemente, sem falar
da sua surpreendente diversidade temática.
A
profusão produtiva da escritora nos impede de fazer uma análise de cada um dos
textos publicados a partir do em saio Ponte do Imperador, em 1999. Ana Medina é
uma trabalhadora com um fôlego que impressiona e nos põe a pensar como alguém é
capaz de empalmar tamanha capacidade criativa.
Para
aquilatarmos, cito apenas alguns textos que me impressionaram muito, além
daquele já referenciado. O modo como ela organizou a sua edição das CARTAS DE
HERMES FONTES: ANGÚSTIA E TERNURA, de 2006, é um rigoroso exercício de
sensibilidade literária e de respeito a memória do missivista.
O
mesmo posso dizer de dois textos recentes: o ensaio biográfico Dr. VALMIR
FERNANDES FONTES, de 1919, e o recém-publicado estudo sobre a trajetória de
vida do médico EDSON BRASIL. Ali me impressionou o lirismo do qual a autora
lançou mão para descrever uma viagem de trem desde a cidade Salvador, no estado
da Bahia, até o município sergipano de Boquim.
Do
mesmo modo impressiona o livro VIDA E OBRA DE MÁRIO CABRAL, DE 2011.
Ana
opera com riqueza de detalhes, sem se perder e sem enfadar o leitor, mas
demonstrando que em cada minúcia há vida. Em cada objeto reside a alma do
biografado. É ilimitada a capacidade de envolver que tem a sua narrativa.
Não
vou cansar os leitores deste texto comentando os múltiplos escritor da autora a
respeito da obra do prelado e intelectual Luciano José Cabral Duarte nem a
extensa catalogação e análise que fez Ana Medina a respeito das publicações do
produtivo polígrafo sergipano que foi Epifânio Dórea. Sem falar de outros
tantos trabalhos produzidos por Medina.
Na
última semana, a Senhora do Estilo outra vez nos surpreendeu ao promover uma
noite de autógrafos que pôs em circulação o seu livro ESCRITOS OUTONAIS. Em 174
páginas, Ana Medina reuniu 50 textos que preservam uma indiscutível unidade
literária em meio a uma diversidade temática sem fim.
Publicado
em Salvador pela Empresa Gráfica da Bahia – EGBA, a brochura é prefaciada tem Orelhas
(os mais corretos preferem chamar de Abas, mas eu continuo designando como
Orelhas) assinadas pelo poeta Ronaldson Sousa, também artista visual que assina
a bonita e criativa capa que dão maior embelezamento plástico ao trabalho.
O
escritor José Anselmo de Oliveira assumiu a responsabilidade de prefaciar o
volume que a autora dedica aos seus pais, ao seu marido e aos filhos e netos.
Além disto, Medina demonstra ser o livro preito de gratidão aos seus grandes
mestres literários que apreciaram e incentivaram o seu labor intelectual.
Chamam
a atenção os textos que Ana escreve sobre a obra de autores como Mário Cabral, Luciano
Duarte, Ofenísia Freire, Alberto Carvalho, Fernando Porto, Wagner Ribeiro, Góes
Duarte, Ézio Déda, Eunaldo Costa, Horácio Hora, Florival Santos, Estácio Bahia
Guimarães e Hermes Fontes, num rico universo onde há outros tantos intelectuais
presentes.
A
escritora demonstra que a sua literatura possui um rico apetite antropológico
ao discutir temas como a tradição dos ritos religiosos da Quaresma ou das
celebrações dos festejos juninos. A paixão pela Antropologia persiste em outros
textos como “Um Noivado Desfeito”, “Só Falta a Fivela”, “Solenidade de
Condecoração, “O Valor de um Símbolo”, “Ritos da Morte” e “Tipos Populares”.
É
impressionante a habilidade que possui Ana Maria Fonseca Medina demonstrando
toda a sua competência ao tratar temas sociológicos e da ciência política, fazendo
a discussão de histórias das eleições na sua terra natal, a cidade de Boquim, e
de vários outros temas muito caros aos debates dos sociólogos.
As
muitas Anas estão presentes por inteiro neste novo livro de Medina. Uma boa
leitura, com a força de nos segurar da primeira à última página sem parar.
Livro que a gente consegue ler de um só fôlego, tal a fluidez da narrativa.
Outra vez a autora demonstra por inteiro que a sua literatura produz boas
flechas, seja qual for o tipo de madeira a lhe servir de matéria prima.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da ABROL e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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