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O GUARDA-CHAVES


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O sergipano Ozéias Carvalho, um dos jovens que migrou em 1926 para trabalhar na obra da Estrada de Ferro Vitória-Minas, residia na cidade de Coronel Fabriciano quando nasceu a sua primeira filha, Nei Carvalho. Ozéias e sua mulher, Zita Mônica de Jesus Carvalho, estavam ansiosos pelo nascimento da criança, depois de alguns de casados.

O parto não foi fácil. A menina nasceu prematura, numa gestação de apenas sete meses. O parto, no dia seis de novembro de 1938, foi feito em casa e com a tecnologia à época existente a menina teve necessidade de ser aconchegada com algodão e colocada em uma caixa de sapatos para se aquecer.

A menina mineira passou a maior parte da sua vida no Estado do Espírito Santo e aos 83 anos de idade vive na cidade de Vila Velha, embora tivesse apregoado durante muito tempo que jamais moraria no Estado vizinho. Constituiu família e teve cinco filhos, quatro netas e dois netos, todos capixabas. O seu pai, o ferroviário Ozéias, era filho de Romualda Carvalho e de Antônio Tolentino de Carvalho, enquanto os genitores de sua mãe eram Luiz do Carmo e Mônica de Jesus.

O pai de Nei emigrou de Macambira para Minas levado pelo Coronel Silvino Pereira, um empreiteiro do Estado de Sergipe que obtivera contrato para construir a Estação Ferroviária de Calado (depois elevada a categoria de cidade com a denominação de Coronel Fabriciano) e também para assentar dormentes e trilhos da ferrovia naquela região.

Com Ozéias, mais de 10 jovens saíram em 1926 do agreste do Estado de Sergipe para o Vale do Aço, em Minas Gerais. Dentre os emigrantes, os seus quatro irmãos do sexo masculino: José Calazans, Emílio, José de Carvalho (Juza) e Jaime. Além deles, o seu amigo e conterrâneo Venâncio José dos Santos.

Até a primeira metade do século XX era muito fácil fazer mudança de nome no Brasil. Quando servira ao Exército em Sergipe, o seu nome completo era José Ozéias Tolentino de Carvalho. Em Minas Gerais, ele adotou reduziu o seu nome e obteve toda a documentação apenas como Ozéias Carvalho.

Com a emigração dos cinco irmãos para Minas Gerais, em Macambira, no agreste do Estado de Sergipe, permaneceram apenas as duas filhas do sexo feminino de Romualda e Tolentino: Petrina e Maria José (esta última, conhecida por todos da família como Bií).

A prole de Ozéias e Zita, iniciada em 1938 com o nascimento de Nei, cresceu. Nasceram ainda em Minas Ana Romualda e Jaime Francisco. Em Vila Velha nasceu Luiz Alberto, 20 anos mais jovem que a sua irmã Nei. Juza, irmão de Ozéias, também constituiu uma família no Estado do Espírito Santo, com três filhos: Evilásio, Eynal e Aloísio.

Depois que Ozéias viu nascer a sua primeira filha, viveu os primeiros anos com a sua família na cidade de Resplendor. Trabalhando na Estrada de Ferro Vitória-Minas, conseguiu a prestigiosa posição de guarda-chaves. A função envolvia muitas responsabilidades essenciais à segurança do transporte ferroviário. Inicialmente atuou no município de Antônio Dias e sucessivamente trabalhou em Ana Matos, Tumiritinga (Governador Valadares), Barra de Cuieté, Aimorés e Resplendor. Antes de chegar a Resplendor, a família viveu em média durante um ano em cada um desses lugares.  

Era do guarda-chaves a missão de verificar os engates e ligar as mangueiras de ar comprimido de cada um dos vagões da composição antes que o trem partisse. Além disto manipulava as chaves que definiam a direção a ser tomada pelo comboio. Em diferentes períodos, a função também teve outras denominações: agulheiro, guarda-agulhas, sineiro, sinaleiro ferroviário, manobreiro ou manobrador.

A posição de guarda-chaves garantia uma renda razoável complementada pela casa de moradia que era garantida pela Estrada de Ferro. Isto permitia à família um certo conforto material e o luxo de manter em casa uma moça que vivia com a família para ajudar na execução dos serviços domésticos.

Como de hábito à época, os serviços domésticos não eram remunerados através de contrato de trabalho, ficando as pessoas que executavam tal tarefa sujeitas a generosidade ou não dos seus patrões. Era comum que depois de algum tempo as moças que ajudavam nos serviços domésticos deixassem de trabalhar para as famílias às quais serviam. Foi isto que aconteceu na residência dos Carvalho, em Resplendor, e a auxiliar dos serviços domésticos resolveu regressar a Coronel Fabriciano, a sua cidade natal.

Nei Carvalho, a primogênita de Ozéias e Zita, viveu na companhia dos seus pais até completar 22 anos de idade, em 1960, quando celebrou seu casamento. Até sair da casa dos seus pais em face do casamento, Nei foi educada como as meninas filhas de famílias da pequena classe média, colaborando com a mãe na execução das tarefas domésticas.

 

 

*Jornalista, professor, Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da ABROL e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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