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SILVINO, OZÉIAS E A FERROVIA VITÓRIA-MINAS

                                                              Ozéias Carvalho
 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

No ano de 1926, de uma única vez, cerca de 15 jovens sergipanos de Itabaiana-Campo do Brito-Macambira deixaram suas casas e migraram para o Estado de Minas Gerais. Foram trabalhar na região que é atualmente o chamado Vale do Aço, especificamente nos municípios hoje denominados Coronel Fabriciano e Antônio Dias. Alguns atuaram em Teófilo Otoni e outros também em Resplendor.

A migração, como se sabe, foi organizada pelo empreiteiro Silvino Pereira, um coronel da Guarda Nacional nascido em Itabaiana, no Estado de Sergipe, em 1895. Ele firmara um contrato destinado a construir a Estação Ferroviária de Calado, atualmente Coronel Fabriciano, e parte da Estrada de Ferro Vitória-Minas naquele trecho.

Ainda em funcionamento, a Estrada de Ferro-Vitória Minas teve sua construção iniciada no final do século XIX para transportar passageiros e escoar a produção cafeeira do Vale do Rio Doce Em 1908, o projeto foi alterada para viabilizar o escoamento de minério de ferro do município de Itabira para o porto de Vitória.

Naquele período a ferrovia, inaugurada em 1904, tinha quatro anos de operação. Agora, os 905 quilômetros de trilhos assentados sobre dormentes atendem os portos de Vitória e Tubarão. A estrada de ferro é responsável pelo desenvolvimento de vários municípios que se formaram e se consolidaram ao longo do seu trajeto, como Coronel Fabriciano e vários outros do Vale do Aço.

Desde 1994, a estrada de ferro interliga as cidades de Belo Horizonte e Vitória. É a única ferrovia brasileira que opera diariamente trens de passageiros em trajetos de longa distância, oferecendo vagões confortáveis, restaurante e outras comodidades que são desconhecidas no sistema de transporte brasileiro.

Como no poema de Caetano Veloso, “A força da grana ergue e destrói coisas belas”. A construção da Estrada de Ferro iniciada no final dos anos 800, aculturou e dissolveu nações indígenas milenares estabelecidas nas montanhas de Minas Gerais. Os Krenak são um grande exemplo deste processo.

O primeiro trecho, inaugurado em 1904, ligava as cidades de Vitória e Natividade, num trajeto de 30 quilômetros, com três paradas. O projeto inicial foi concebido por Pedro Augusto Nolasco Pereira da Cunha e João Teixeira Soares. Em 1911, empresários ingleses decidiram adquirir o controle da ferrovia e fazer os investimentos necessários ao prosseguimento da obra.

Entre 1914 e 1918 as obras da estrada de ferro ficaram paralisadas, em face dos problemas criados na economia internacional pelos conflitos da Primeira Guerra Mundial e a crise da gripe espanhola, em 1918. Em 1919, o empresário norte-americano Percival Farquhar decidiu adquirir o controle do negócio e retomar os investimentos.

Foi em tal fase que o coronel Silvino Pereira, empresário que vivia em Sergipe, obteve o contrato para a construção da Estação Ferroviária de Calado e um trecho do assentamento de dormentes e trilhos naquela região. Este o motor que fez intensa a migração de jovens sergipanos da região de Itabaiana-Campo do Brito-Macambira para o Vale do Aço.

Destaco dentre os sergipanos que viajaram em 1926, acompanhando o coronel Silvino Pereira, a figura de José Ozéias Tolentino de Carvalho. Foi ele quem convenceu seus quatro irmãos a mudar de Estado, em busca de melhores condições de trabalho e de progresso econômico.

O seu irmão mais velho, José Calasans, mesmo sendo já casado, resolveu comprar a ideia e viajou com a mulher e com os seus dois filhos. O mesmo aconteceu com os outros irmãos: Juza, Jaime e Emílio. Os dois últimos desistiram do projeto mineiro e de lá migraram para São Paulo. Se fixaram no Porto de Santos. Calasans começou a trabalhar em Calado, mas depois, migrou para Teófilo Otoni.

Todos foram inicialmente atraídos pela promessa de emprego na Estrada de Ferro Vitória-Minas. Do grupo de sete irmãos, em Macambira ficaram apenas as duas irmãs, justamente as mais jovens: Petrina e Maria José (que a família chamava de Bií). Ozéias se estabeleceu em Antônio Dias e, logo depois, em Coronel Fabriciano.

A obra avançou em direção ao porto de Vitória e Ozéias e o seu irmão Juza seguiram acompanhando o avanço da ferrovia, cujo controle foi assumido, em consequência dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, pela Companhia Vale do Rio Doce. Ozéias, com a sua prole de quatro filhos, e seu irmão Juza, se estabeleceram na cidade de Vila Velha. Ozéias morreu em 2002, aos 95 anos de idade.

A história de Ozéias e da sua família é a de uma saga que eu tenho denominado “A Diáspora de Macambira”. É uma rica história de uma luta familiar que reflete o modo de construção da vida de muitas famílias de nordestinos brasileiros que migraram para Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e outras regiões do Brasil.

 

 

*Jornalista, professor aposentado (do Departamento de História e do Mestrado e Doutorado em Educação) da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação pela PUCSP, membro da Academia Sergipana de Letras, da ABROL e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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