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THÉTIS NUNES, O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SERGIPE NA CELEBRAÇÃO DO 8 DE JULHO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Em 2003 publiquei um ensaio pequeno, porém polêmico, sobre Historiografia Educacional Sergipana. O trabalho teve prefácio assinado pela historiadora Maria Thétis Nunes, a primeira-dama da Historiografia de Sergipe e autora de um importante compêndio de História da Educação sergipana publicado em 1984 e até hoje o único existente.

Em 2020, as celebrações do Bicentenário da emancipação política de Sergipe registraram, em evento realizado na Assembleia Legislativa, o momento fundador de um espaço geográfico que ganhou identidade e imprimiu as marcas de uma cultura que lhe é própria e distintiva. Marcas que ganharam o necessário conteúdo que as distingue como próprias de um tempo e lugar específicos.

Sabemos que Sergipe nasceu institucionalmente como Capitania do Reino de Portugal, se expandiu como Província do Império do Brasil e se consolidou na condição de importante Estado membro desta República Federativa. E dentre os registros específicos referentes a sua História, há aqueles que correspondem a práticas educativas e aos processos de política educacional.

Em 2022 estamos celebrando os 200 anos da Independência do Brasil. Como em toda sociedade plural, temos muito a lamentar e, também, vários motivos para celebrar. Neste texto, homenageio os 202 anos da Emancipação política de Sergipe e o bicentenário das práticas educacionais no Brasil e em Sergipe retomando estudos que fiz anteriormente a respeito deste campo.

No meu ensaio de 2003, mostrei que dentro do quadro de constituição da disciplina História da Educação no Estado de Sergipe não causa estranheza que a primeira notícia acerca dos estudos sergipanos do campo remeta para o ano de 1916, quando Adolfo Ávila Lima, no dia 15 de outubro, proferiu no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, a conferência “Esboço Histórico da Instrução Pública no Brasil”.

Demonstrei também que depois da Conferência de 1916, somente há registros dos estudos de História da Educação em Sergipe, no ano de 1927, com o trabalho do professor Helvécio de Andrade, “Memória a um Projetado Congresso de Professores Primários em Aracaju (1925-1926)”.

Chamei a atenção para os estudos produzidos em 1949 pelo professor José Calasans, “Ensino Público em Aracaju (1830-1871)”. Certamente, o estudo do professor Calasans é um marco fundador e pode ser considerado pioneiro desse campo, tendo Sergipe como objeto.

Foi o primeiro estudo de História da Educação em Sergipe do qual se pode afirmar que tinha um compromisso com os métodos da História e que buscou entender o processo efetivamente vivido. Ele propôs a periodização da História da Educação em Aracaju. Mostrei que é muito importante a contribuição do professor Nunes Mendonça, em seu livro publicado pela Livraria Regina no ano de 1958: A EDUCAÇÃO EM SERGIPE.

Não obstante a clareza historiográfica de José Calasans, este manteve com Nunes Mendonça a crença nas potencialidades civilizatórias educacionais, própria à historiografia produzida até a metade do século XX. Todavia, o momento de maior impulso nos estudos sobre História da Educação em Sergipe foi a década de 1980, em face do trabalho da professora Maria Thétis Nunes, a partir da sua posição no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

Ela publicou uma grande quantidade de estudos e estimulou a realização de muitos outros. O seu livro HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SERGIPE, publicado em 1984, ainda é a única síntese produzida até hoje sobre o assunto e se juntou aos trabalhos produzidos por José Calasans e Nunes Mendonça, tornando-se referência obrigatória dentre os estudos sergipanos da área.

Com Thétis Nunes, os pesquisadores sergipanos de História da Educação aprenderam a produzir interpretações de caráter marxista em seus textos. Em 1984, Thetis Nunes publicou a HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SERGIPE. Pelo pioneirismo dos seus estudos e pelo esmero com o rigor metodológico das perspectivas teóricas que assumiram, José Calasans, Nunes Mendonça e Thetis Nunes transformaram-se numa espécie de “Santíssima Trindade” da historiografia educacional sergipana, inspirando teórica e metodologicamente as gerações de pesquisadores que têm trabalhado tomando os seus estudos como fonte.

Esclareceu Thétis ter localizado em Lisboa um documento, com data de “1684, no qual os moradores da Capitania pediam ao Rei recursos para o funcionamento de um Colégio da Companhia de Jesus”. A partir daí, tomou a decisão de produzir a sua História da Educação e se lançou a levantar fontes documentais que lastreassem o seu ousado e muito bem-sucedido empreendimento acadêmico.

A partir das suas investigações tivemos a possibilidade compreender as decisões de Estado e as práticas escolares em Sergipe antes do ato de 1820 firmado por Dom João VI, que deu autonomia política à Capitania de Sergipe D’El Rey em relação ao governo da Capitania da Bahia.

Para Thétis, o ponto alto daquele período inicial foi o da chamada Reforma Pombalina, decorrente do “Alvará de 28 de junho de 1759 de D. José I, sob a influência do seu famoso e discutido Ministro, o Marquês de Pombal” (p. 19) que encerrou o monopólio que os discípulos de Inácio de Loyola, por mais de dois séculos, exerceram na educação de Portugal e suas colônias de além-mar.

Mantendo as tradições interpretativas herdadas de Fernando de Azevedo, Thétis não esconde a sua manifesta crítica à Reforma Pombalina. Contudo, pesquisadora que respeitava as fontes, esclareceu que “Para a Capitania de Sergipe del Rei não ocasionaria, porém, maiores consequências a expulsão dos inacianos. Naquela época, sua população atingia pouco mais de 30 mil habitantes, espalhados pela Capital, a cidade de São Cristóvão, fundada nos idos de 1590, e nas quatro vilas existentes: Santo Amaro das Brotas, N. Sra. Da Piedade do Lagarto, Sta. Luzia do Rio Real e Sto. Antônio e Almas de Itabaiana” (p. 21).

Os Jesuítas estavam em Sergipe desde 1575, no governo de Luís de Brito. “Os pioneiros foram o Pe. Gaspar Lourenço e o irmão João Salônio... (...) Imediatamente, o Pe. Gaspar Lourenço abriu na Aldeia de S. Tomé uma escola para crianças. Foi a primeira que houve em Sergipe e chamou-se Escola de São Sebastião. Como primeiro mestre, o Irmão João Salônio tomou o cargo da escola dos moços, que foram a princípio 50 e depois chegaram a 100” (p. 22).

Não obstante mais de 200 anos em Sergipe, os jesuítas nunca ofereceram o ensino de Humanidades por aqui, apesar da existência de várias demandas encaminhadas pelos membros da Câmara de São Cristóvão. “Percebe-se que não houve interesses dos inacianos em considerarem os interesses dos habitantes de Sergipe de aí estabelecerem um colégio, onde fossem ministradas as Letras Humanas” (p. 24), o ensino secundário.

A pesquisadora registra a criação das Aulas Régias e do Subsídio Literário, bem como a nomeação dos primeiros professores que atuaram em Sergipe. Thétis discute a criação do primeiro Liceu de São Cristóvão, em 1833, 13 anos após a emancipação política de Sergipe, que funcionou no Convento dos Carmelitas, onde também, a partir de 1847, funcionaria o segundo Liceu, até 1855, quando a capital da Província foi transferida para Aracaju.

Com ela, aprendemos sobre a presença, em Sergipe, das reformas educacionais brasileiras do século XIX e das três primeiras décadas do século XX. E, também sobre a organização do ensino superior no Brasil e suas repercussões na Província, onde as famílias mais abastadas optaram cada vez mais por encaminhar seus filhos para o ensino superior no Brasil, ao invés de continuar a mandá-los para a Europa.

A organização de uma rede de cadeiras isoladas e a expansão do ensino primário em Sergipe, na primeira metade do século XIX, receberam de Maria Thétis uma análise substantiva. Do mesmo modo, a organização do magistério público e os concursos para as diversas cadeiras.

Thétis se debruçou sobre os impactos do Ato Adicional de 1834 na Educação da Província de Sergipe e o que representou em desenvolvimento para o ensino público a transferência da capital da Província de São Cristóvão para Aracaju. Nesse contexto, a preocupação das famílias abastadas com os exames preparatórios para os cursos de Direito e Medicina oferecidos pelas faculdades do Império.

Os problemas que envolviam a organização do Liceu Sergipense em Aracaju foram demonstrados e interpretados por Maria Thétis, envolvendo as dificuldades de organização do corpo docente e a importância cada vez maior dos colégios particulares que se organizavam na capital e nas diversas cidades.

Maria Thétis dedica um capítulo especial à reforma do ensino estabelecida pelo regulamento de 24 de outubro de 1870 e a fundação do Atheneu Sergipense, oferecendo o curso de Humanidades e o ensino normal, conquista das mais relevantes para a organização definitiva do ensino médio público em Sergipe.

A polêmica reforma do ensino empreendida em 1881 pelo presidente Herculano Marcos Inglês de Souza torna turbulentos, do ponto de vista da política educacional, os últimos anos do Império em Sergipe. As ideias de Inglês de Souza pareceram extremamente revolucionárias para os conservadores da Província sergipana.

A implantação do Estado republicano e as suas sucessivas reformas do ensino se apresentam como notas marcantes no estudo de Maria Thétis Nunes. A sua pesquisa se encerra com o golpe de Estado de 1930, quando o presidente Washington Luiz foi deposto e Getúlio Vargas se instalou no poder federal.

Convivi com Maria Thétis Nunes, desde que fui seu aluno na disciplina Cultura Brasileira, em 1977, quando era estudante do curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe. Em 1984, eu era aluno do Mestrado em Educação na PUC de São Paulo, mas estava em Aracaju quando ela fez a sessão de autógrafos para o lançamento da HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SERGIPE, ao qual compareci.

Sem nenhuma dúvida, Thétis, com o seu livro, estabeleceu um roteiro de estudos para a História da Educação em Sergipe. Dentro de dois anos, em novembro de 2024, o compêndio de Maria Thetis Nunes completará 40 anos desde que foi publicada a sua primeira edição.

Nessas quatro últimas décadas, boa parte dos estudos sobre História da Educação realizados em Sergipe foram inspirados pelo trabalho da professora Thétis. Depois daquele trabalho, no meu entender, as contribuições mais marcantes aos estudos sobre História da Educação em Sergipe vieram com as três gerações de pesquisadores que, desde as duas últimas décadas do século XX e as duas primeiras do século XXI se dedicaram a esse trabalho nos cursos de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe e da Universidade Tiradentes.

Há muitos temas levantados por ela que foram verticalizados e outros tantos que ainda merecem a atenção dos estudiosos. Mas, fundamentalmente, acredito, ainda vai demorar até que um outro compêndio consiga dar nova direção aos estudos propostos pelo trabalho de Maria Thetis Nunes.

Necessitamos entender sob um novo olhar os primeiros 100 anos das práticas educacionais do Brasil independente e de Sergipe emancipado politicamente. É importante alargar e dar novas interpretações aos estudos realizados por Maria Thetis Nunes.

Temos que colocar no palco e reler a era dos grupos escolares, a vigorosa expansão do ensino público de primeiro e segundo graus nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX. Precisamos analisar os processos de expansão do ensino superior que resultaram na criação da Universidade Federal de Sergipe e, também da Universidade Tiradentes.

É importante dar um balanço nas preocupações do século XXI com a qualidade dos ensinos fundamental e médio e a importância da expansão do ensino médio integral nas escolas públicas estaduais. Devemos analisar em profundidade o impacto de políticas de financiamento como o salário educação, o Fundef e o Fundeb e a importância que tiveram na formação e consolidação de redes escolares municipais de boa qualidade, buscando atender o ensino fundamental e a Educação Infantil.

É fundamental interpretar as políticas e as práticas educacionais de todo o século XX e as contradições das duas primeiras décadas do século XXI que nos possibilitaram avanços extraordinários até 2018 e nos fazem viver nos últimos três anos o ambiente do mais pantanoso dos retrocessos da política educacional brasileira: o da ausência de políticas educacionais consistentes.

Continuaremos a viver e a escrever a História.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, membro da ABROL e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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