Jorge Carvalho do Nascimento*
Em 1983 eu estava na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUCSP trabalhando na minha dissertação de
mestrado em Educação quando conheci o livro A EDUCAÇÃO EM SERGIPE. Foi o meu
primeiro contato com a produção intelectual do professor Nunes Mendonça.
Percebi que havia muito a estudar e
aprender acerca daquele autor que me encantara e que morrera no mesmo ano de
1983 em que eu descobri a sua obra. Em 1995, passei a trabalhar no curso de
Mestrado em Educação da UFS, como professor e pesquisador. Ofertei a disciplina
optativa Educação Brasileira e fui procurado por uma aluna que gostara das
aulas.
Josefa Eliana Souza me falou da sua
pretensão de estudar Nunes Mendonça. Demonstrei entusiasmo e estimulei o seu
desejo. Ela produziu uma dissertação de mestrado transformada em livro,
reconhecida e aplaudida em todo o país. O excelente estudo NUNES MENDONÇA – UM
ESCOLANOVISTA SERGIPANO a alçou ao primeiro time de estudiosos da História da
Educação Brasileira.
Na Academia Sergipana de Educação
tive a honra de ser fundador da Cadeira 2, que tem como patrono exatamente o
professor José Antônio Nunes Mendonça. E como decidi fazer uma exposição acerca
dele, foi justamente o livro de Josefa Eliana que fui buscar para servir de
norte a este texto. Como eu afirmei no prefácio daquele livro, Nunes Mendonça
foi uma personalidade polêmica. Uma figura singular na vida política e
educacional do Estado de Sergipe.
Como jornalista, Nunes Mendonça fazia
e desfazia com muita facilidade as suas opiniões e julgamentos a respeito dos
contemporâneos, sempre movido pelas paixões e interesses da política. Deputado
estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, esteve sempre no centro da
disputa e controle da máquina partidária. Foi forte opositor dos governos do
Partido Social Democrático – PSD e, também, importante aliado da União
Democrática Nacional – a UDN.
Como professor, ingressou na carreira
docente do Instituto de Educação Rui Barbosa – a chamada Escola Normal, onde se
envolveu em problemas de muita repercussão. Tudo isto culminou em um rumoroso
processo de aposentadoria compulsória, durante o primeiro governo estadual da
ditadura militar que se instalou no Brasil em 31 de março de 1964.
Inspirado pelas ideias do filósofo
norte-americano John Dewey e do sociólogo brasileiro Anísio Teixeira, o
sociólogo e escritor Nunes Mendonça via na Educação o melhor caminho para a
construção da democracia. Ele foi o principal divulgador do movimento da Escola
Nova em Sergipe, aquele que lhe deu maior amplitude, oferecendo densidade ao
trabalho de outros importantes educadores que o antecederam, como Helvécio de
Andrade e Franco Freire, dentre tantos que merecem referências e homenagens.
Filho do comerciante Salatiel Pereira
Mendonça e da professora primária estadual Alzira Nunes Mendonça, José Antônio
Nunes Mendonça veio à luz em 15 de dezembro de 1923, na cidade de Itabaiana,
Estado de Sergipe, onde viveu e iniciou seus estudos até se transferir para a capital
do Estado.
Exerceu sua primeira função pública
aos 19 anos de idade, em 1942, como revisor da Imprensa Oficial do Estado. Dois
anos depois, aprovado em concurso público, era escriturário da mesma
repartição. Foi chefe da Seção de Seleção e Aperfeiçoamento de Pessoal do
Departamento de Serviço Público – DSP.
O registro do seu ingresso no
magistério data de 11 de abril de 1955, quando foi nomeado professor
catedrático de Pedagogia do Instituto de Educação Rui Barbosa. Dois anos
depois, em 1957, tomou posse como Assistente Técnico da mesma instituição
escolar estadual.
Toda esta ascensão foi viabilizada em
face da sua disposição para a militância política, demonstrada a partir de
1945. Naquele ano, Nunes Mendonça se engajou no movimento queremista, que
exigia a permanência do poder de Getúlio Vargas além da convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte.
Os queremistas constituíram o
principal grupo fundador do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB em Sergipe e,
também, em outros Estados. Articulado com o líder pernambucano Miguel Ramos
Marques, Nunes Mendonça ajudou na publicação de notas nos jornais de Aracaju,
mobilizando para a fundação do Partido.
Recebeu o apoio de Francisco de
Araújo Macedo, abastado líder político que dispunha dos meios financeiros
necessários para organizar a agremiação partidária. Macedo, além de ter
dinheiro, era o proprietário do jornal O NORDESTE. Naquele período, Mendonça
discursava em defesa dos interesses do trabalhador e Macedo chamava a atenção
para a necessidade de combater os proprietários de usinas de açúcar e fábricas
de tecidos, principalmente o industrial Júlio César Leite, proprietário de uma
fábrica de tecidos na cidade de Estância e seu adversário naquele município.
Em pouco tempo o PTB se transformaria
na terceira força mais importante da política de Sergipe. Nunes Mendonça, o
ideólogo do partido, trabalhou com firmeza para que nas eleições de 1950 a
agremiação tivesse sucesso. Pretendia conquistar uma cadeira de deputado
estadual na Assembleia Legislativa de Sergipe.
O trabalho que fazia era difundido a
partir do jornal O NORDESTE. Macedo contratou Nunes Mendonça para o cargo de
redator-chefe do periódico. Era comum que os jornais fossem mantidos pelos
partidos políticos. O PTB controlava o jornal O NORDESTE; o PSD, o DIÁRIO DE
SERGIPE; e, o PSB, a GAZETA SOCIALISTA. A CRUZADA era o jornal da Igreja
Católica, enquanto o jornal CORREIO DE ARACAJU era dirigido pela UDN.
Em campanha para voltar a ser
presidente da República, Getúlio Vargas veio a Sergipe no dia 29 de agosto de
1950 e foi recebido em grande festa popular, com direito a desfile em carro
aberto e comício organizado pelo PTB, no qual protagonizou ao lado de Francisco
Macedo e Nunes Mendonça.
O jornalista Nunes Mendonça defendeu
na sua oratória a abertura da barra de Aracaju e a necessidade de mudar para
melhor a situação dos trabalhadores do campo e dos funcionários públicos
estaduais. Getúlio Vargas fez uma visita à residência de Nunes Mendonça e
posteriormente o recebeu no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Três candidatos disputaram a posição
de governador de Sergipe: Arnaldo Garcez, pela coligação PSD/PR; Leandro
Maciel, pela UDN; e, Francisco de Araújo Macedo, pela coligação PTB/PSB. Com
base no que facultava à época a lei eleitoral, Macedo era também candidato a
deputado federal, do mesmo modo que Nunes Mendonça foi ao mesmo tempo candidato
a deputado estadual e federal.
Getúlio Vargas se elegeu presidente
da República. O governo de Sergipe foi conquistado por Arnaldo Garcez.
Francisco de Araújo Macedo ganhou uma cadeira na Câmara Federal, enquanto Nunes
Mendonça conquistou a sonhada vaga de deputado estadual.
O exercício dos mandatos provocou o
rompimento entre Francisco de Araújo Macedo e Nunes Mendonça. Macedo se aliou
ao bloco do PSD/PR enquanto Nunes Mendonça formou ao lado dos líderes da União
Democrática Nacional – UDN. Por isto, foi dispensado do cargo de redator-chefe
do jornal O NORDESTE.
Nunes Mendonça foi, então,
imediatamente contratado pelo jornal CORREIO DE ARACAJU, controlado pela UDN e
passou a publicar a coluna Ineditorial que ganhou grande repercussão e um
número expressivo de leitores que aguardavam a circulação do periódico.
As tensões do rompimento chegaram ao
clímax em 24 de janeiro de 1951, quando o jornal O NORDESTE publicou em sua
primeira página a expulsão de Nunes Mendonça dos quadros do Partido Trabalhista
Brasileiro, iniciando uma polêmica que somente teria seu fim em 1953, quando a
Comissão Executiva Nacional confirmou a decisão tomada em Sergipe.
O conflito e a polêmica foram marcas
da vida pública de Nunes Mendonça. Consumiu parte da sua atividade criticando
outros intelectuais, políticos e representantes da Igreja Católica, além dos
seus pares docentes da Escola Normal. São muitos os exemplos que se pode citar,
como as discussões que manteve com o professor Felte Bezerra.
Embora negado pelos seus parentes e
herdeiros, a memória coletiva representada pelos desafetos de Nunes Mendonça
sempre foi pródiga em lembrar um episódio. O jornalista iconoclasta teria tentado
incendiar o edifício da Catedral Metropolitana de Aracaju. O fato é que ele
sempre estava envolvido em algum tipo de polêmica.
Depois que assumiu o mandato de
deputado em primeiro de março de 1951, Mendonça dirigiu indicação ao governador
do Estado sobre a necessidade de promover o abastecimento de água para o
Preventório. Advertiu quanto a importância de obter junto a Prefeitura
Municipal a concessão de uma chácara destinada a funcionar como colônia de
férias para os filhos dos hansenianos internados.
Solicitou ao Departamento de Saúde
Pública que tornasse obrigatório o plantão das farmácias nos bairros de
Aracaju. Pediu e obteve um desconto de 50 por cento no valor dos serviços
prestados pelo Hospital Cirurgia aos servidores públicos estaduais. Além
destas, muitas outras propostas na área de saúde.
Propôs a criação do Instituto de
Assistência e Recuperação Social, objetivando fazer a profilaxia da
prostituição, prestando assistência moral e material àquelas que o jargão da
época chamava de decaídas. Argumentou que em Sergipe as prostitutas recebiam
apenas o repúdio.
Justificou o projeto, alguns anos
depois, afirmando: “Elaborado após demoradas pesquisas nos lupanares, nos
bordéis desta capital, que me valeram a fama de extraviado, quando em verdade
ia eu àqueles lugares em missão das mais sérias e altruísticas, e de lá saía
comovido e contristado”. Ressaltou a necessidade do atendimento social e médico
às prostitutas.
O seu projeto de lei nº 10 propôs
solucionar o problema da nutrição escolar. O projeto, apresentado em 26 de
março de 1951, instituía a merenda escolar diária e obrigatória nas escolas
primárias estaduais. Do cardápio deveriam constar leite, pão ou frutas. O
governo deveria incluir na proposta orçamentária as verbas suficientes para a
manutenção do programa. O projeto foi rejeitado pelo parlamento.
Entretanto, quatro anos após a
rejeição da proposta de Nunes Mendonça, o Estado de Sergipe foi obrigado a cumprir
as determinações do decreto federal 37.106, de 31 de março de 1955, que criou a
Campanha Nacional de Merenda Escolar. Em 26 de outubro daquele ano, o Estado de
Sergipe implantou a merenda no Grupo Escolar José Rollemberg Leite e, a partir
daí, a estendeu gradativamente às demais instituições de ensino da rede pública
estadual.
No exercício do mandato, o deputado
Nunes Mendonça teria sofrido um sequestro com o objetivo de garantir ao governo
ausência de quórum durante a votação de um projeto de abono para o
funcionalismo público estadual. Os responsáveis seriam o secretário do Interior
e Justiça, Acrísio Cruz; o da Segurança Pública, Pedro Barreto; e, o deputado
Airton Teles.
Em face da sua expulsão do PTB
confirmada em 1953 pela Executiva Nacional do Partido, Nunes Mendonça aderiu ao
Partido Trabalhista Nacional – PTN, em 1954, e assumiu a sua presidência no
Estado de Sergipe. Foi por esta legenda que buscou a reeleição naquele mesmo
ano.
Derrotado na tentativa de voltar ao
parlamento, não ficou fora do poder. O PTN apoiou a candidatura de Leandro
Maciel, que conquistou a cadeira de governador naquele pleito, derrotando
Edélzio Vieira de Melo e Francisco de Araújo Macedo. Nunes Mendonça foi nome
importante nas decisões de política educacional durante os governos da UDN.
Sem mandato parlamentar, o
intelectual Nunes Mendonça mergulhou fundo na atividade acadêmica.
Ostentava muito prestígio na sua vida
de intelectual. Convivia em um ambiente no qual transitavam importantes
eruditos de Sergipe como Hunaldo Costa, José Augusto Garcez, José Maria Fontes,
Freire Ribeiro e Florentino Menezes, dentre tantos outros com os quais se
relacionava.
Assim, em 1955 foi nomeado professor
do Instituto de Educação Rui Barbosa e, também, contratado pelo Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos – o INEP. Deste modo, dispôs dos meios
necessários para a realização de importante pesquisa sobre a Educação em
Sergipe.
Naquele período, a vida acadêmica de
Nunes Mendonça lhe impunha novas preocupações. Chegou ao final do ano de 1958
com a necessidade de organizar o lançamento do seu livro A EDUCAÇÃO EM SERGIPE,
a sua obra de maior importância. Estava se transformando no maior divulgador do
movimento da Escola Nova em Sergipe.
Produziu compulsivamente artigos e
livros sobre Educação, fazendo discussões pedagógicas paralelamente à tarefa de
professor e técnico do Instituto de Educação. Também trabalhou na Escola Normal
num período em que aquela instituição já não mais possuía o status de estabelecimento
de ensino destinado a formação de moças das famílias mais abastadas.
Cada vez mais as moças de famílias
pobres ocupavam as matrículas do Instituto de Educação Rui Barbosa. A sociedade
estava em processo acelerado de transformação. O magistério já não era mais um
emprego privilegiado que as famílias bem-posicionadas desejavam para suas
filhas. Também era visível o crescimento da matrícula feminina em cursos
propedêuticos que permitiam o acesso das moças ao ensino superior.
No momento em que Nunes Mendonça foi
nomeado professor de Pedagogia da Escola Normal seus adversários reagiram,
afirmando ser ele um alcóolatra irresponsável. Mas, ele não se intimidou,
começou a trabalhar e, com base nas teorias da Escola Nova, resolveu fazer um
Inquérito educacional com as poucas normalistas matriculadas.
Em 1955, estudou a trajetória de 58
alunas e descobriu que 29 meninas tinham a pretensão de seguir a carreira
docente. Do total de alunas ouvidas, 28 afirmaram não ter interesse em ser
professora e uma afirmou que gostaria de exercer o magistério, mas não iria fazê-lo
porque a remuneração não compensava.
Um ano depois, em 1956, assumiu responsabilidades
no jornal do Instituto de Educação Rui Barbosa, pequeno periódico fundado pelo
diretor da unidade escolar, professor José Bezerra dos Santos. O primeiro texto
publicado por Nunes Mendonça fazia um chamamento às mulheres para suas responsabilidades
docentes.
O relacionamento do professor
Mendonça com o diretor José Bezerra foi muito bom. Mas, esta não foi uma regra
na sua carreira docente. As suas relações com os dirigentes da escola foram
cheias de tumultos. Dentre aqueles com os quais Nunes Mendonça manteve relações
de cordialidade é possível citar o monsenhor Domingos Fonseca, o advogado
Antônio Carlos Vasconcelos de Lima e o professor Gilson de Jesus, dirigentes do
Instituto de Educação nas décadas de 50 e 60 do século XX.
Difícil foi o relacionamento do
professor Nunes Mendonça com outros diretores da Escola Normal, como José
Fonseca Gesteira, Severino Pessoa Uchoa, Hilda Sobral Farias e o médico Adel da
Silva Nunes. Independente de se relacionarem bem ou mal com o professor Nunes
Mendonça, os dirigentes do Instituto de Educação eram unânimes quando o assunto
dizia respeito a competência técnica daquele professor. Todos elogiavam a sua
capacidade de trabalho, o seu gosto pelos estudos e o seu conhecimento pedagógico.
Nos primeiros anos como professor da
Escola Normal, Nunes Mendonça foi eleito pelas alunas da instituição para a
presidência de honra do “Clube Literário das Normalistas”. Ali, estimulou as
alunas no aprimoramento do gosto pelos estudos das letras e das artes.
O reconhecimento da sua dedicação aos
estudos, da sua competência técnica e do seu profundo conhecimento pedagógico
foi possibilitado pelos seus amigos da UDN que governavam Sergipe e o indicaram
para participar de alguns estágios no Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais, órgão do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, à época
dirigido por Anísio Teixeira.
Durante um determinado período do
governo do udenista Luiz Garcia, Nunes Mendonça coordenou o Centro de Estudos e
Pesquisas Educacionais – CEPE, criado pelo secretário da Educação, Antônio
Garcia Filho. O órgão era especializado em investigação científica objetivando
aperfeiçoar a Educação estadual.
Foi a partir da sua atuação como
estagiário do INEP que Nunes Mendonça recebeu o convite para elaborar um estudo
geral da situação educacional em Sergipe, com a cooperação do governo e dos
órgãos administrativos. Tal estudo foi o ponto de partida para produzir o livro
A EDUCAÇÃO EM SERGIPE, publicado em 1958.
Em 1957, um ano antes da finalização
do livro, permaneceu durante dois meses no INEP, participando de um Seminário
de Sociologia Educacional. Foi o momento no qual aprofundou o seu
relacionamento com os mais importantes intelectuais da Educação brasileira, principalmente
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.
Logo após o seu retorno a Aracaju
surgiram os atritos no âmbito do Instituto de Educação Rui Barbosa. Intensos,
tais conflitos saíram do ambiente escolar para as páginas de alguns dos mais
importantes jornais em circulação na capital do Estado de Sergipe, a exemplo do
Diário de Sergipe e da Gazeta Socialista.
Do ponto de vista das ideias e
práticas pedagógicas de Nunes Mendonça, o seu primeiro grande adversário foi o
professor Severino Uchoa. Articulado na imprensa, este último municiava a mídia
com informações que transformavam em um erro que tomou o governador do Estado
ao nomear Nunes para o cargo de Assistente Técnico da Escola Normal.
Os padrões de comportamento moral à
época vigorantes eram a base para os adversários do professor Nunes Mendonça
que o acusavam de viver na esbórnia, em estado de embriaguez permanente. Assim
se expressava a insatisfação da maior parte dos colegas docentes com a presença
do professor no quadro da escola, posto que não estavam preparados para enfrentá-lo
no embate das ideias.
Em julho de 1957, quando pleiteou o
cargo de Assistente Técnico da Escola Normal, foi o único candidato inscrito no
concurso público aberto para tal posição. Contudo, a pressão dos seus
adversários sobre o governo foi tão forte que, no primeiro momento, a avaliação
não se realizou. Algum tempo depois, as inscrições foram reabertas. A tese
apresentada por Nunes Mendonça foi o texto A EDUCAÇÃO EM SERGIPE e ele foi
aprovado.
A partir de então, ele introduziu as
chamadas Aulas Vitais, fonte geradora de várias polêmicas e tensões. Cinco anos
depois, em 1962, quando foi realizado o concurso para a cátedra de Pedagogia, parte
dos seus colegas docentes tentou convencer a banca examinadora a não concordar
com a sua aprovação.
À época, Nunes Mendonça recebeu a
solidariedade do professor Francisco Portugal que defendeu o direito que tinha
o colega de ser candidato e pediu a sua esposa, Glorita Portugal, que fizesse
parte da banca em seu lugar, posto que estava adoentado. A professora concedeu
uma entrevista à pesquisadora Josefa Eliana Souza, em 1998, e comentou o
assunto.
Segundo a professora Glorita, o seu
marido estava doente e a chamou para que fosse examinadora do concurso, já que
ela também era catedrática. Ela afirmou que eram grandes as pressões para que
Nunes Mendonça não fizesse o concurso e caso o fizesse não fosse aprovado, dizendo:
“Era briguento e não tinha muito pudor na maneira de falar”.
Essas pressões foram malogradas e no
livro VELHOS COMPANHEIROS E OUTROS ESCRITOS ele agradeceu aos examinadores, apontando
serem estes um “punhado de heróis que resistiram e reagiram, tornando possível
a efetuação do concurso”. O certame se realizou com uma prova dissertativa
acerca do tema “Os Desajustamentos Infantis”.
Além da prova dissertativa, o concurso
constava de uma avaliação de títulos, prova didática e defesa de tese. “Testes”
foi o ponto da prova didática. A tese defendida por Nunes Mendonça foi
intitulada “O Papel do Educador na Escola Moderna”, onde o candidato declarou
sua adesão plena aos princípios do movimento da Escola Nova.
A comissão examinadora aprovou Nunes
Mendonça, atribuindo-lhe a nota 8,9 como média geral. Houve muita resistência e
tentativas de desrespeitar o resultado do concurso. O professor recorreu ao
Poder Judiciário e obteve um Mandado de Segurança que assegurou o seu direito.
Investido na sua nova condição,
lecionou Sociologia, Psicologia Educacional, Administração Escolar, Higiene e
Pedagogia. Foi no âmbito desta última disciplina que inseriu as chamadas aulas
vitais e introduziu temas sobre Educação Sexual. As aulas vitais eram
ministradas duas vezes por mês em cada turma.
No mesmo sentido, sugeriu ao governo
estadual criar um Serviço de Orientação Psicopedagógica, com atuação em todas
as escolas de Sergipe, a fim de orientar corretamente professores e estudantes
acerca de como lidar corretamente com a questão da sexualidade na escola,
principalmente no período da puberdade.
Adotava nas aulas vitais a
bibliografia mais atualizada do período, especialmente autores como Fritz Kahn
e Emídio Nérice, além de expor ilustrações esclarecedoras, buscando quebrar os
tabus da época. As aulas, muitas vezes, chocavam estudantes, colegas
professores e pais, em face da mentalidade conservadora da época.
Utilizando linguagem direta e
objetiva, explicava às moças porque elas sangravam no período menstrual, falava
da puberdade e dos problemas que envolvem a iniciação sexual. À época, tudo
isto se transformava em escândalo. O puritanismo dominante criticava o fato de Nunes
Mendonça emprestar livros sobre esses assuntos às alunas e, também, a sua
disposição de esclarecer dúvidas sobre tais temas quando procurado, mesmo fora
da sala de aula.
Puro escândalo numa sociedade em que
se continuava a censurar as práticas de leitura. A conhecida professora Yvone
Mendonça, ex-aluna do professor Nunes Mendonça, concedeu entrevista à
pesquisadora Josefa Eliana Souza na qual comentou este problema. Vale a pena
acompanhar o relato da professora Eliana sobre tal entrevista.
Segundo ela, “a leitura por exemplo
de Fritz Khan, era feita pelas jovens geralmente às escondidas dos pais, pois a
obra era considerada por demais avançada para a época”. Já Yvone Mendonça, disse:
“Eu também li Fritz Khan. Adolescente, despertada pra conhecer as coisas sem
que o pai ou os professores soubessem. Olhe! Na minha época quem lia ‘A Carne’
de Júlio Ribeiro era tido como um imoral! Esse livro era vendido dentro de um
envelope, à parte nas bancas de jornais ou nas livrarias. E ‘A Carne’ é o livro
que abre o Naturalismo no Brasil. Só porque tem uma cena de desvirginamento que
é contada de uma forma muito espontânea, muito natural; como se a gente
estivesse observando”.
Em 1963, o Serviço Social Escolar do
Instituto de Educação organizou um “Curso de Preparação Para o Casamento”
ministrado por professores de fora da Escola Normal. Nunes Mendonça reivindicou
dar aula no curso ao lado dos professores convidados. Os organizadores do curso
recusaram a participação de Nunes Mendonça.
Chateado, o professor informou às
suas alunas que quem frequentasse o curso seria avaliada com nota 0 no mês de
setembro de 1963. Quem não comparecesse, receberia nota 10. A diretora da
escola, professora Hilda Sobral Faria criou uma Comissão de Inquérito para
apurar as acusações contra o docente.
A polêmica que a decisão tomada pela
diretora causou fez com que esta fosse substituída na direção do
estabelecimento pelo professor Adel da Silva Nunes, membro da comissão. Este
manteve as decisões que a antecessora tomara contra Nunes Mendonça. O assunto
foi parar na Assembleia Legislativa que criou uma Comissão Parlamentar de
Inquérito.
Da CPI participaram os deputados Aloísio
Tavares Santos (relator), Fernando Prado Leite, Raimundo Araújo, Fernando
Franco e Oséas Batista. Concluído o Inquérito, o professor foi declarado
inocente, em seis de novembro de 1963, com base nos depoimentos de alguns
colegas professores e das suas alunas.
Mas, em 31 de março de 1964, com a
tomada do poder pelos que implantaram a ditadura militar que durou 20 anos,
tudo mudou. O governador Seixas foi deposto e assumiu o poder o então
vice-governador, Sebastião Celso de Carvalho que nomeou a professora Maria das
Graças Azevedo Melo para dirigir a Escola.
Nunes Mendonça foi chamado ao
gabinete do governador Celso de Carvalho. Este lhe propôs uma transferência
para qualquer outra repartição do Estado. Assim, tudo seria esquecido. O
professor considerou que isto era uma coação e não aceitou. Poucos dias depois
foi criada uma equipe especial na Comissão Geral de Investigações - CGI, para
mais uma vez investigar Nunes Mendonça.
Da equipe de investigação faziam
parte militares e um promotor de justiça, coincidentemente irmão de uma das
alunas que se insurgira contra o professor. O presidente da Comissão Geral de
Investigação, coronel Max José Ribeiro, encaminhou ao governador Celso de
Carvalho um relatório sugerindo que se aposentasse compulsoriamente o
investigado.
Dentre os que acusaram Nunes
Mendonça, diretamente ou por documentos que a CGI levantou, estavam colegas
professores da Escola Normal, ex-alunas suas, a Igreja Católica através da
Juventude Estudantil Católica - JEC e da Juventude Universitária Católica – JUC,
além da Ação Católica da União Sergipana dos Estudantes Secundários – USES.
Segundo entrevista que Esmeralda
Mendonça, a viúva do professor, concedeu à pesquisadora Josefa Eliana Souza,
por trás de tudo isto, discretamente, manobrava o então bispo auxiliar de
Aracaju, Dom Luciano Duarte. De acordo com o professor Ariosvaldo Figueiredo,
“o inquérito e a aposentadoria do professor foi resultante da fúria reacionária
e moralista do golpe de 64”.
A aposentadoria compulsória reduziu
os vencimentos do professor em cerca de 70 por cento. Os amigos se afastaram
dele imediatamente, como costumava acontecer nos anos 60 do século XX com
aqueles que eram punidos pela ditadura. No final da década de 70 mudou-se para
o Rio de Janeiro. Em 1982, mudou-se para Vila Velha, no Estado do Espírito
Santo. Morreu em 15 de junho de 1983 vitimado por uma parada cardíaca.
Antes de morrer pediu aos seus
familiares que o seu corpo fosse sepultado na cidade de Vitória, capital do
Espírito Santo. Não queria que os restou mortais fossem trazidos de volta para
o Estado de Sergipe. Nenhum jornal da cidade de Aracaju noticiou a sua morte.
Alguns anos depois, quando exerceu a
chefia do Poder Executivo da capital do Estado, o prefeito João Augusto Gama da
Silva o homenageou com a designação de uma escola pública municipal.
*Jornalista, Doutor em
Educação pela PUC de São Paulo, professor aposentado do Departamento de
História, do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de
Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, fundador da Cadeira 02 da
Academia Sergipana de Educação que tem como Patrono o professor José Antônio
Nunes Mendonça.
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