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FUTEBOL NO RÁDIO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Ainda menino desenvolvi o hábito de ouvir a narração de jogos de futebol pelo rádio, um enorme Telefunken com caixa de madeira escura, cheio de válvulas e enormes botões brancos para ligar e desligar, ajustar o volume e sintonizar as estações. Além dos três, um quarto botão era o chamado seletor de ondas – médias, tropicais e duas faixas de ondas curtas.

Aquele mausoléu era conectado a uma tomada que o alimentava de energia elétrica e a um fio que descia pela parede a partir do telhado da casa onde havia uma enorme antena com cerca de 10 metros esticada em dois caibros muito altos. Era tal artefato o garantidor da qualidade da transmissão que ouvíamos.

Qualidade, no caso, é um bom eufemismo para dissimular a quantidade de ruídos e descargas atmosféricas que caracterizavam as transmissões e em meio aos quais conseguíamos distinguir a voz daqueles que estavam usando o microfone. Isto, nas transmissões locais, em ondas médias.

Em ondas tropicais e nas duas faixas de ondas curtas, a coisa era diferente – quer dizer, muito pior. Além de todos os problemas das transmissões locais, ainda estávamos submetidos aos humores de uma senhora da qual os radialistas sempre falaram e que eu demorei muito a entender do que se tratava – a tal “propagação”. Ou seja, o modo como as condições geográficas e atmosféricas que se interpunham entre a antena transmissora da rádio sintonizada e o receptor do rádio ouvinte (era assim que éramos tratados pelos radialistas) permitiam que ouvíssemos um som claro, alto e forte ou apenas chiados.

Mas, era o que tínhamos na década de 60 do século XX e nos considerávamos muito modernos. O rádio e as suas transmissões de jogos de futebol nos faziam pessoas bem felizes com o lazer à distância das noites de quarta-feira e nos sábados e domingos. Acompanhávamos com avidez os campeonatos de futebol sergipano, carioca e paulista.

Na hora do almoço, ouvíamos noticiários e programas esportivos dando conta daquilo que se passava nos clubes, na Federação Sergipana de Desportos – FSD (agora, FSF – de futebol) e na Confederação Brasileira de Desportos – a CBD (agora, CBF). À noite, outra vez, acompanhávamos os programas esportivos. Meu pai torcia pelo Confiança, no futebol sergipano. No futebol carioca, era torcedor do Botafogo.

No futebol local, eu desenvolvi o mesmo ardor paterno e me transformei, como sou até hoje, em torcedor da Associação Desportiva Confiança, o querido “Dragão do Bairro Industrial”. No Rio de Janeiro, fui tocado pela Cruz de Malta e o meu entusiasmo foi canalizado para o Clube de Regatas Vasco da Gama. Não saberia explicar a razão, mas também me sensibilizou o futebol do Estado de São Paulo, onde me transformei em torcedor do Sport Club Corinthians Paulista – o clube do Parque São Jorge.

Ainda adolescente, tive como vizinhos a família de Marcus Lemos, amigo fraterno com quem me relaciono até agora na nossa maturidade. Marcus, o seu pai Itabira e os seus irmãos Mário e Magno, como eu, apaixonados por futebol. Me desagradava o fato de todos eles torcerem pelo Club Sportivo Sergipe, mas me entusiasmava o amor que todos nós continuamos a compartilhar pelo Clube de Regatas Vasco da Gama.

Marcus era um jovem moderno, cheio de ideias que eu considerava avançadas e dono de um equipamento que eu invejava. Um rádio Philco, modelo Transglobe, transistorizado, com nove faixas de onda. Era o máximo da tecnologia. Funcionava ligado na corrente elétrica da tomada ou usando seis pilhas grandes.

Eu adorava sentar à porta de Marcus para com ele, com o pai e os irmãos ouvirmos as transmissões esportivas e os programas de esporte da Rádio Cultura de Sergipe e da Rádio Globo do Rio de Janeiro. Repetíamos tal programa algumas vezes durante a semana, principalmente ouvindo as narrações de jogos do Campeonato Carioca. As partidas do Campeonato Sergipano preferíamos acompanhar indo ao Batistão.

Aos 13 anos de idade, em 1969, fui na companhia de Marcus Lemos e seus familiares à festa de inauguração do Estádio Estadual Lourival Baptista – o Batistão. Inesquecível. Foi a primeira vez que fui a um campo de futebol com um pequeno rádio de pilhas transistorizado (presente que ganhei da minha tia Teresinha) e me deslumbrei ao acompanhar a partida ouvindo a narração de Carlos Magalhães.

Vi o gol de Vevé, o primeiro do jogo Seleção Sergipana X Seleção Brasileira, que veio a Aracaju completa, presente o maior astro do futebol mundial, o Rei Pelé. A narração de Carlos Magalhães e os comentários de Wellington Elias me emocionaram. Claro, a Seleção Sergipana não sustentou o placar e logo teve a sua rede beijada pela bola muito bem tratada por aquela coleção de craques que um ano depois, no México, conquistou o tricampeonato mundial de futebol, recebendo definitivamente a Taça Jules Rimet.

Tudo isto fez de mim um entusiasta das transmissões de jogos de futebol pelo rádio. A voz impostada dos narradores, a velocidade com a qual as palavras são pronunciadas durante a narração, o trabalho dos repórteres de fundo de gol, o suporte dos estatísticos que complementam as informações que qualificam a narração, os comentaristas dos jogos e os encarregados de analisar a arbitragem. Tudo isto faz da transmissão do futebol pelo rádio um mundo fascinantemente sedutor.

Não vou esconder que continuo considerando uma partida de futebol narrada pelo rádio algo que mexe com a minha emoção. Futebol melhor que o narrado pelos locutores de rádio, somente quando você ouve a narração e vê o jogo. É o que eu tenho feito agora, em todos os jogos que vejo nesta Copa do Mundo de Futebol de 2022. Acompanho pela TV, da qual retiro o som, e ouço a narração e os comentários pelo rádio.

   

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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