Jorge
Carvalho do Nascimento*
De
uma coisa estou convencido: o vento que permanentemente ameaça apagar a chama
que mantém acesa a vela que dá luz à vida não passa de uma doce e agradável
brisa que acaricia o nosso rosto quando nascemos e assim se mantem nas quatro
primeiras décadas de existência dos indivíduos.
São
raros os registros de pessoas que receberam rajadas um pouco mais fortes na
primeira metade do tempo que dura uma vida média e ainda mais escassas as
anotações daqueles que foram tragados pelo turbilhão e colhidos pela morte que,
inexoravelmente, em algum momento nos leva ao desconhecido.
Como
se fora esta reflexão o primeiro ato de um espetáculo que encenamos no palco da
vida, que desça rapidamente o pano escuro da cortina e após uma batida de gongo
passemos ao segundo momento. Aquele da metade dos anos 70 do século XX, nos
quais ainda muito jovem eu convivia diariamente com o amigo escritor e
jornalista Luiz Antônio Barreto.
Foi
ele a pessoa que me apresentou a um amigo tão inteligente quanto afetuoso e com
uma enorme energia e disposição para viver intensamente: José Carlos de Souza.
Souza com Z, mesmo. Também fui amigo de José Carlos de Sousa com S, o pai do
escritor e cardiologista Antônio Carlos Sobral Sousa. São homônimos.
José
Carlos de Souza, com Z, foi um competente geógrafo formado pela Universidade
Federal da Bahia, professor, arqueólogo amador e gestor público nascido em 1945
na cidade de Aracaju. Bem-humorado, personalidade forte e boêmio. Ele e um
outro amigo comum, David (pena que este migrou para o Rio de Janeiro e perdemos
o contato), encontravam comigo e com Luiz Antônio Barreto ao menos duas vezes
por semana.
Ir
a um bar, tomar cerveja (José Carlos adorava o velho drink “Cuba Libre” – rum
Montilla, Coca-Cola, gelo e suco de limão), jogar conversa fora. Os nossos
encontros não precisavam mais do que isto. E para exercitar o cérebro, quase
sempre política era o prato principal, nos bicudos tempos da ditadura militar
entre os governos Médici e Geisel.
Algumas
vezes, liderados pelo arqueólogo José Augusto Garcez, fazíamos excursões de
estudos nos finais de semana, sempre organizadas e lideradas pelo experiente e
incansável intelectual de Itaporanga d’Ajuda. Como meninos curiosos (Zé Augusto
era já um sessentão, Luiz Antônio e Zé Carlos tinham entre 30 e 35 anos,
enquanto eu e David estávamos entre os 20 e os 25 anos de idade), os dois mais
jovens subiram com eles o rio Cotinguiba, até o porto de Laranjeiras; o rio
Sergipe, até Pedra Branca; o canal do Pomonga e a região da foz do rio
Japaratuba; o rio Ganhamoroba, o Porto das Redes e o antigo porto de Maruim.
Visitamos
juntos as cavernas de Pedra Branca e a Pedra Furada, em Laranjeiras. Eles
fizeram excursões para visitar outras cavernas, no sertão de Sergipe. Eu
preferi não acompanhar os amigos, alertado pela minha claustrofobia, posto que
nas duas primeiras cavernas que entrei a experiência me foi muito desagradável.
Quando
José Carlos comandou a Diretoria Regional de Educação de Propriá - DR-6,
algumas vezes fui recebido por ele na cidade ribeirinha e juntos navegamos
alguns trechos do Baixo Rio São Francisco, antes da construção da Hidrelétrica
de Xingó. Naquele período, a cheia do “Velho Chico” era temida e as várzeas
abaixo da queda d’água de Xingo e até a foz no povoado Cabeço ficavam
completamente inundadas.
Continuei
a conviver com José Carlos quando ele era diretor do Colégio Estadual Olavo
Bilac, no bairro Santos Dumont, em Aracaju, e, também nos anos em que ele
dirigiu o Departamento de Administração e Finanças – DAF da Secretaria de
Estado da Educação de Sergipe.
Era
filho de um casal que nos anos 50 e 60 manteve um movimentado pensionato para
estudantes em Aracaju, na travessa Hélio Ribeiro. Antes e depois de estudar na
Bahia, O convívio com jovens intelectuais que vinham do interior de Sergipe
para estudar em Aracaju fez com que antes e depois de estudar na Bahia, José
Carlos fosse ligado a movimentos culturais sergipanos e tivesse algumas
experiências como ator no mesmo grupo em que atuavam Luiz Antônio Barreto, João
Augusto Gama da Silva, o professor Joaquim Sá, o ator Orlando Vieira, o
professor João Costa e outros tantos.
O
querido amigo José Carlos de Souza foi casado em duas núpcias. A primeira com a
também geógrafa e professora universitária Alexandrina Luz, a quem conheceu em
Salvador, no Estado da Bahia, quando ambos eram estudantes do curso de
geografia na UFBA e militantes de esquerda na resistência contra a ditadura
militar instalada no Brasil a partir de 1964.
Do
casamento com Alexandrina nasceram os filhos André Maurício e Alexandre. O
primeiro é doutor em Física e foi vice-reitor da Universidade Federal de
Sergipe, onde continua em atividade cumprindo as obrigações da sua carreira de
docente e pesquisador de prestígio na sua área.
Do
segundo casamento, com a pedagoga Sueli, José Carlos teve uma filha, Juliana.
Os três filhos (André, Alexandre e Juliana) deram ao geógrafo cinco netos
(Luísa, Maurício, Gustavo, Eduardo e Gabriel).
Agora,
está na hora de encerrar o segundo ato. Ao reabrir a cortina estou na
Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, na terça-feira, seis de dezembro
de 2022, aplaudindo a homenagem recebida pelo amigo professor Jonatas Menezes
Oliveira que recebeu o título de cidadão sergipano.
Ao
final da solenidade encontro o professor André Maurício, filho de José Carlos
de Souza, que me comunicou: “meu pai morreu no dia 16 de novembro último. Foi
infarto”. A notícia me chocou. Mesmo estando José Carlos com 77 anos de idade,
eu não esperava receber tal comunicação, não queria nem acreditava que ele
partisse tão cedo.
José
Carlos se foi e eu fiquei me dando conta do quanto nos gostávamos. Estávamos há
algum tempo sem nos encontrar. A vida nos levou por caminhos distintos. Nada
disto importa. Era um amigo que fazia parte dos meus afetos, das minhas
melhores recordações da vida.
Lembrei
de uma conversa que tive com o meu pai quando eu tinha entre 35 e 40 anos de
idade. Havia acabado de saber da morte de um amigo dele e falei da minha
tristeza e da minha preocupação com a brevidade da vida. Ele segurou em meu
braço e disse-me: “Jorge, você ainda está na fase da vida em que estão morrendo
os amigos do seu pai. Preocupe-se quando você chegar a uma idade na qual a cada
mês morrer um amigo seu”. Nos últimos meses tenho escrito muitos obituários,
registrando as saúdes dos amigos que se foram. Algumas vezes, mais de um a cada
mês.
Aquela
brisa que me acariciava o rosto na infância, na adolescência e na juventude encorpou.
Transformou-se em um vento bem mais forte. É cada vez mais difícil continuar
mantendo acesa a chama da vela que simboliza a vida. Não sei explicar se estou
perdido em meio a uma tempestade de areia no deserto ou se vejo-me naquele cais
descrito por Jorge Amado em que apenas a nau com todas as amarras do imaginário
capitão de longo curso Vasco Moscoso de Aragão escapou do fundo do mar. Creio
que aos da minha geração começam a faltar cordas para todas as amarras que a
chama da vida necessita. Espero que o vendaval demore muito a chegar, mas sinto
estar chegando o gran finale...
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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