Jorge
Carvalho do Nascimento*
As
reações ao processo de reprodução do capital industrial brasileiro no Nordeste
foram muitas e carregadas de contradições. Principalmente da parte dos que
vislumbraram o prejuízo que o planejamento integrado poderia trazer aos seus
interesses arraigados na economia agrária nordestina.
Mas,
houve uma certa trégua, um período durante o qual a Sudene esteve absolutamente
à vontade. A sua obra atingiu o apogeu a partir de 1964, quando o movimento de
realização plena do capital estimulou com mais intensidade o projeto de
internacionalização da economia brasileira e, mais que isto, houve o
esmagamento das lideranças políticas das classes populares, estimulando a
integração da economia do Nordeste totalmente ao contexto da economia nacional
e estrangeira.
Foi
um período de vacas gordas que estimulou a implantação de plantas industriais
fundamentais e longevas, mas beneficiou também muitos empresários aventureiros.
Um processo de industrialização movido por incentivos fiscais abundantes e
oferta de crédito muito barato. Muitas vezes, uma parte era destinada ao
objetivo do financiamento e outra servia a investimentos especulativos.
Boa
parte dessas indústrias fracassou, mas muitos empresários que obtiveram o
financiamento enriqueceram. Vários galpões industriais ficaram abandonados e,
em boa parte dos casos, a própria Sudene, os bancos oficiais que colocaram os
créditos à disposição dos investidores e o Tesouro Nacional tiveram que
enfrentar longos processos judiciais para tentar a recuperação do capital
investido.
Essa
integração ficou evidente nas três últimas décadas do século XX de maneira
contundente, pois, de acordo com Francisco de Oliveira em seu livro já citado
aqui (ELEGIA PAREA UMA RE(LI)GIÃO), “ninguém pode na verdade dizer que a
reprodução do capital da Rhodia no Nordeste – para dar um exemplo – é diferente
da reprodução do capital da Rhodia em São Paulo”, pois a “oligarquia agrária do
Nordeste, que por tanto tempo acaparou o Estado, e que momentaneamente pensou
ter vencido em 1964, sobreviveu apenas para poder escrever(...) o seu próprio
epitáfio”.
Assim,
foi lugar comum ouvir-se críticas contundentes a Sudene, formuladas por setores
que detinham fortes interesses na economia agrária. Um bom exemplo dessas
lideranças críticas da Sudene em Sergipe é o dos discursos que foram proferidos
pelo senador Júlio Leite, nos dias 17 e 21 de abril de 1970, em comemoração ao
décimo aniversário da Sudene.
Com
fortes interesses à época ligados à economia agrária sergipana e ao setor têxtil,
o senador Júlio Leite elogiou naquela ocasião o esforço do planejamento
regional, mas criticou contundentemente o processo de industrialização proposto
nos Planos de Desenvolvimento da Sudene com base em incentivos fiscais e
reclamou mais privilégios para o setor açucareiro.
As
críticas à ideia de planejamento racional e um divórcio entre a tecnocracia
diplomada e a oligarquia política começou a se caracterizar à medida em que se
aprofundava a crise do “milagre econômico” comandado pela ditadura militar. Em
Sergipe, um dos principais críticos do modelo de planejamento econômico estadual,
liderado pelo Condese, foi o jornalista Orlando Dantas.
Por
diversas vezes, ele sugeriu a extinção do sistema estadual de planejamento estadual
e fez gestões políticas junto aos governos de José Rollemberg Leite (1975-1979)
e de Augusto Franco (1979-1983) para desmontar tal sistema. As divergências de
Orlando Dantas foram colocadas com clareza em várias ocasiões, nos textos
publicados pelo jornal “Gazeta de Sergipe”, e, particularmente, com toda
clareza, em palestra que fez na Assembleia Legislativa do Estado, em dois de
dezembro de 1973.
Naquela
ocasião afirmou ser o “Conselho de Desenvolvimento Econômico uma imitação
pálida da Sudene, sem condições técnicas e financeiras para atender tão
elevados objetivos”. Dizia ainda que “enquanto o Condese for um Estado dentro
de outro Estado, a administração estadual será um problema de solução difícil,
pelo envolvimento de tantos fatores conflitantes que redundaram em uma fonte de
empreguismo, em posição de destaque de seus dirigentes sem maiores objetividades
desenvolvimentistas.
Responsável
pelo programa governamental, disciplinando recursos escassos de forma não
prioritária, estendendo sua influência sobre toda a administração estadual, até
hoje, não contribuíra para o desenvolvimento econômico e social do Estado. O
setor primário é eloquentemente comprobatório dessa crítica”.
Iniciado
timidamente no governo José Rollemberg Leite, o trabalho de destruição do
sistema estadual de planejamento se aprofundou no governo Augusto Franco e ganhou
sua forma mais acabada sob o primeiro governo de João Alves Filho (1983-1987).
Os
ares democráticos que o Brasil volta a respirar a partir de janeiro de 2023
representam excelente oportunidade para que o Brasil e Sergipe repensem as
estruturas estatais de planejamento. O Nordeste necessita fortalecer o seu organismo
de planejamento regional – a Sudene.
Este
novo período de planejamento regional forte será necessário não para a
ressurreição de uma política desenfreada de distribuição de incentivos fiscais
com consequências já conhecidas de todos. Contudo, os Estados nordestinos
precisam de um sólido planejamento econômico e social que responda a demandas
de integração dos interesses regionais dos diferentes grupos da sociedade.
Sergipe
precisa voltar a ter a sua função de planejamento posta em uma estrutura de
governo robusta e dotada de poder político. Não de um novo Condese, mas de um
organismo capaz de pensar o futuro, tal como experimentou em 2021 o operoso
presidente da Assembleia Legislativa estadual, deputado Luciano Bispo.
*Jornalista,
professor aposentado da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação,
membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de
Educação.
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