Pular para o conteúdo principal

O SILÊNCIO DE ALBERTO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Silenciosamente ele partiu da mesma forma discreta como atravessou a vida. Certamente, a origem familiar humilde e a necessidade de ingressar muito jovem no mercado de trabalho para gerar renda não lhe permitiram desenvolver intensamente as habilidades e competências para a arte que possuía. Mas, foi um profissional, artista e intelectual produtivo.

Dele me fiz amigo de um longo e fraterno relacionamento, convívio que mantivemos em obsequioso silêncio, como era próprio ao seu estilo sisudo. A aproximação foi feita pela minha irmã mais velha, Iara, quando esta casou-se com o seu irmão mais novo, que partiu desta vida precocemente, pai da minha primeira sobrinha e afilhada, Alessandra.

O menino Alberto, que nasceu em Nossa Senhora do Socorro, migrou para Aracaju e trocou os sonhos da arte pela formação de eletrotécnico na Escola Técnica Federal de Sergipe. O então valorizado diploma de nível médio e o seu bom desempenhado como aluno daquele curso foram a porta de entrada para o cobiçado emprego de técnico da antiga Empresa Distribuidora de Energia Elétrica em Sergipe – Energipe, a estatal pela qual se aposentou.

Era já do quadro técnico da Energipe quando ingressou e fez o curso de licenciatura, colando grau em História pela Universidade Federal de Sergipe. A licenciatura em música foi um sonho acalentado durante muitos anos e somente realizado na mesma UFS quando Alberto estava na terceira idade e já aposentado como professor da Escola Técnica Federal.

Já era um profissional experiente e dirigia a Escola Técnica Federal de Sergipe quando frequentou o curso de pós-graduação em Gerência e Tecnologia da Qualidade, pelo Centro Federal de Educação Tecnológica, em Minas Gerais. Assumiu o cargo de gestor da escola na qual era professor, no contexto da redemocratização vivida pelo Brasil, a partir de 1984, após a queda da ditadura militar que tutelou o país durante 20 anos.

Foi o primeiro diretor da Escola Técnica Federal de Sergipe escolhido pela comunidade escolar, através de eleição. Tomou posse em 1987 e gerenciou a instituição até 1991. A sua gestão é considerada inovadora por várias iniciativas. Foi com ele que a escola federal iniciou o processo de interiorização do ensino técnico profissionalizante em Sergipe, com a assinatura de convênio para implantação de uma unidade descentralizada na cidade de Lagarto.

Do ponto de vista técnico-pedagógico, reformulou o Regulamento Didático da escola, buscando democratizá-lo. Estimulou a formação docente, liberando os professores que manifestaram interesse por cursos de pós-graduação fora do Estado de Sergipe. Investiu na formação humanista, valorizando as atividades de disciplinas como Educação Artística para a qual adquiriu muitos instrumentos musicais, estimulando os alunos ao aprendizado de música.

Preocupado com a memória da tradicional escola, inaugurou um Memorial e reorganizou o Arquivo Geral, buscando a preservação do seu acervo de documentos impressos e manuscritos. Após a aposentação, livre das responsabilidades do mundo do trabalho, usou o tempo do qual passou a ser dono para se dedicar a todas as paixões que a luta pela sobrevivência antes lhe tolhera.

A paixão que Alberto teve desde sempre pelas causas da maçonaria serviu para destravar o escritor que vivia sufocado pela sua timidez, pelo receio de se expor publicamente. O seu primeiro texto completou, neste ano de 2022, 40 anos de publicado. O livro “Marcos Ferreira de Jesus: Político, Administrador e Maçom” foi lançado em novembro de 1982, quando se comemorava os 110 anos de funcionamento da Loja Cotinguiba, em Aracaju. Maçom, Alberto teve o seu livro prefaciado pelo então venerável, José Francisco da Rocha – o conhecido advogado e professor Rochinha.   

“Aracaju: Costumes e Festas Populares” teve sessão de lançamento no dia 30 de agosto último, durante evento realizado na Biblioteca da Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe. Foi o último trabalho de pesquisa realizado por José Alberto.

Além de maçom, Alberto foi sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e autor de muitas crônicas que costumava publicar nos jornais da cidade de Aracaju. Com a graduação em música dedicou seu tempo ao aprendizado do saxofone, instrumento da sua preferência. Já graduado, matriculou-se no Conservatório de Música do Estado de Sergipe, como aluno do curso técnico, a fim de se aprofundar ainda mais na execução do instrumento de sopro.  

Estive com ele na primeira semana do mês de novembro, na livraria Alquimia. Sentamo-nos em uma mesa, para tomar um café. Alberto preferiu uma xícara de chá. Como sempre, gentil, educado, elegante, fala mansa, porém muito atencioso. Eu, tagarela, conversando muito.

Alberto Pereira Barreto morreu nas primeiras horas do último domingo, 27 de novembro de 2022. Do mesmo modo discreto e silencioso como atravessou a vida, aos 79 anos de idade. Deitado na cama da casa em que vivia no bairro Aruana com a mulher, Elba. Queixou-se de uma dor às cinco da manhã. Elba deixou o quarto para buscar ajuda (ele era um pouco obeso) e levá-lo a uma urgência hospitalar. Ao retornar, poucos minutos depois, Alberto havia partido. Deixou três filhos, três netos e um bisneto. Realizou, parcimoniosamente, os seus sonhos.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TRIBUTO A LUCINDA PEIXOTO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Acabei de tomar conhecimento da morte da empresária Maria Lucinda de Almeida Peixoto, ocorrido hoje na cidade de Penedo, Estado de Alagoas. Lucinda era certamente a principal herdeira dos negócios da próspera família Peixoto Gonçalves, empresários que ao longo do século XX constituíram a mais importante e mais rica família da região do Baixo Rio São Francisco, consideradas as duas margens – a de Alagoas e a de Sergipe. Tive a oportunidade de conhecer Lucinda Peixoto no final do ano de 2009, quando iniciei uma pesquisa sobre os negócios da família Peixoto Gonçalves, a convite do seu genro, José Carlos Dalles, um dos principais executivos com responsabilidade sobre a gestão das atividades econômicas da família. Em maio de 2010, fiz uma série de entrevistas e mantive várias conversas com Dona Lucinda, como os penedenses e os seus amigos costumavam tratá-la. Fiquei impressionado com a sua memória que o tempo não conseguira embotar. Do m

CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL: REGULAMENTO OU CAOS

                                                    Nilson Socorro       Nilson Socorro*     Nestes tempos bicudos de exacerbação das divergências, de intolerância e de fakes news em profusão, o mundo do trabalho, em especial, o movimento sindical, tem sido permanentemente agitado pela discussão, confusão e desinformação sobre o tema da contribuição sindical. O debate deveria contribuir para a construção de soluções, necessárias, em decorrência da fragilidade das finanças dos sindicatos, golpeadas pela reforma trabalhista de 2017 que abruptamente estabeleceu o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Mas, ao contrário, tem se prestado mais para amontoar lenha na fogueira onde ardem as entidades sindicais profissionais e econômicas que ainda resistem. A Consolidação das Leis do Trabalho trata a contribuição sindical em diversos artigos, assim como, a Constituição Federal. Pelo estabelecido na legislação, são três as espécies de contribuições: a contribuição sindical ou imposto sindic

TRIBUTO A THAIS BEZERRA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Nasci no dia 28 de agosto. Passados 22 anos após o dia em que eu nasci, a mais importante colunista social de toda a história da mídia em Sergipe publicou a sua primeira coluna, GENTE JOVEM, no jornal GAZETA DE SERGIPE, a convite do nosso amigo comum Jorge Lins e sob a orientação do jornalista Ivan Valença, então editor daquele importante periódico impresso. Hoje estou aqui para homenagear a memória de Thais Bezerra. A partir do seu trabalho, dediquei alguns anos da minha vida à pesquisa e me debrucei a estudar o fenômeno da coluna social em Sergipe, inspirado pelo meu olhar curioso e pelas observações que sempre fiz a respeito do trabalho da jornalista inspiradora que ela foi.       O estudo, inicialmente dedicado ao trabalho de Thais Bezerra se ampliou, e no início do ano de 2023, resultou na publicação do livro MEMÓRIAS DO JORNALISMO E DA COLUNA SOCIAL, pela Editora Criação.   Thais Bezerra começou a trabalhar aos 17 anos de