“Por exemplo, o
rei Pelé,
O maior do mundo.
Sem primeiro, sem
segundo,
Joga bola até
dormindo.
É rei da bola, rei
do preto, rei do branco,
Quando o homem
entra em campo
O povo fica
aplaudindo”
(Jackson do
Pandeiro)
Jorge
Carvalho do Nascimento*
A
oportunidade de viver uma noite com um rei é única e dada a poucas pessoas. Por
isto nada mais natural do que ficar insone nas horas antecedentes ao encontro.
Principalmente quando quem vive tal aventura é um menino com apenas 13 anos de
idade, tomado pela ansiedade de ser ver diante da personalidade mítica própria
aos que ocupam o trono da realeza.
Reis
não esperam quem chega atrasado, quem não cumpre horários. Pouco importa que o
encontro estivesse marcado para as 20 horas. Era necessário chegar cedo, antes
do rei. Ele é que não poderia chegar primeiro. Até porque, seria a primeira
noite que sua alteza estaria naquele palácio.
O
menino saiu de sua casa às 13 horas. Pobre, morava num bairro distante do
Palácio e necessitava recorrer ao transporte coletivo para ir até lá. Quando
arrumou sua mochila com o lanche que consumiria durante o tempo de espera da
chegada do rei, eram ainda 12:30 horas.
Assustou-se
diante dos majestosos portões do palácio, onde estava por volta das 15 horas,
nada menos que cinco horas antes do horário aprazado. A massa humana que tinha
esperanças de estar com rei o surpreendeu. 48 mil pessoas também aspiravam um
encontro com a majestade. Assim, somente estava posta a alternativa de
enfrentar a fila de acesso. Antes das 16 horas estava ele aboletado em um dos
bancos destinados a quem esperava a chegada de sua alteza.
Quatro
longas horas se passaram até que os arautos anunciaram a chegada do homem que
tomara a iniciativa de construir o novo palácio. O governante do Estado de
Sergipe, Lourival Baptista, colocou os pés no verde gramado do imponente palácio.
Ovacionado, aplaudidíssimo, pela multidão. Mas, todos que ali estavam, aguardavam
mesmo era a presença do rei.
A
expectativa de uma grande partida de futebol. A Seleção Sergipana enfrentaria as
“feras do João Saldanha”, a Seleção Brasileira de Futebol. De resto, seria a
melhor oportunidade para inaugurar o palácio esportivo, o Batistão. Eram 20:30
horas quando as duas equipes tiveram acesso ao gramado. O time sergipano e a Seleção
Brasileira entraram em campo.
À
frente, os dois capitães. Com a braçadeira identificadora , pela Seleção
Sergipana, Beto, craque da Associação Desportiva Confiança. O capitão do
selecionado brasileiro era Carlos Alberto. O time escalado pelo técnico Edmur
Cruz para representar Sergipe era o que havia de melhor no futebol local:
Gilton, Augusto, Mário, Beto e Gercélio; Evangelista e Bené; Caroço, Beto, Vevé
e Joel.
Delírio
absoluto com a entrada em campo do time treinado por João Saldanha: Félix,
Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo; Clodoaldo e Gerson; Jairzinho,
Toninho, Pelé e Edu. Sem nenhum estrelismo, o rei estava lá, ao lado dos “príncipes”
do futebol brasileiro. Do outro lado, os “viscondes” da Seleção Sergipana.
O
árbitro do jogo era ninguém menos que um dos mais importantes nomes de toda a
história da arbitragem no futebol brasileiro – Armando Marques. A Federação
Sergipana de Desportos indicou como bandeirinhas, os dois nomes mais
conceituados da arbitragem local – Antônio Góes e Murilo Duarte.
Mesmo
com toda humildade que caracterizava o seu comportamento, Pelé, aos 29 anos de
idade, era o rei do futebol. A ele, o menino que foi encontrá-lo e os outros 48
mil presentes queriam ver. Os demais eram coadjuvantes. Não sem propósito, Pelé,
como sempre acontecia, foi o mais aplaudido, o mais assediado pelos fotógrafos
e cinegrafistas.
Mal
começado o jogo, aos cinco minutos decorridos da partida, Toninho marcou para a
seleção brasileira. O primeiro gol registrado na história do Batistão, palácio
do futebol. 12 minutos de jogo, gol de Clodoaldo, chutando com a perna
esquerda. O primeiro sergipano a marcar um gol no Batistão, mesmo sendo contra
a seleção de Sergipe.
Era
o início de uma goleada. Aos 35 minutos do primeiro tempo, Gerson tabelou com
Pelé que passou a bola pra Toninho. Outro gol da Seleção Brasileira. Este,
muito especial, com assistência do rei. O time sergipano precisava de um gol.
Quatro minutos depois, 39 minutos de jogo, Vevé, outro craque da Associação
Desportiva Confiança, marcou o primeiro para a seleção do Estado de Sergipe.
Quando
começou o segundo tempo, os dois times voltaram com substituições. Na equipe de
Saldanha, saiu Edu e entrou Paulo César. No time de Edmur, Marcelo e Paulo substituíram
Gilton e Caroço. Nada disto impediu que aos nove minutos, o rei Pelé oferecesse
nova assistência, desta vez a Toninho que marcou mais um gol.
O
Brasil faria mais gols: Paulo César, aos 16 minutos; Gerson aos 17. Aos 23
minutos, Beto tentou evitar um gol de Pelé e marcou contra. O último gol do
Brasil na partida foi marcado por ninguém menos que o próprio Pelé, aos 30
minutos do segundo tempo, para delírio do menino que foi encontrar com ele.
Emoção de todos no Batistão, aplaudindo o espetáculo que era ver o rei do
futebol jogando.
Antes
do fim da partida, Fernando fez o segundo gol do time sergipano. Placar final –
8 X 2. Aos 13 anos, ali da arquibancada, o menino via tudo deslumbrado. Mais
surpresas ainda viriam: o rei Pelé tomou a mão dos seus companheiro e liderou
uma volta naquele palácio do esporte,
homenageando a todos os torcedores sergipanos.
Coincidência:
parou em frente ao local onde o jovem torcedor se encontrava, à esquerda das
cabines de rádio, e contrariou o protocolo da realeza. Diante de um rei, todos
devem se curvar. Pelé se curvou reverentemente diante da torcida que foi ao
delírio, demonstrando toda a humildade com que exercia o seu reinado.
O
Batistão, aquele palácio do futebol que recebeu o seu rei na noite do dia nove
de julho de 1969, estava vazio 53 anos depois quando o Brasil recebeu a
notícia, no final da tarde da quinta-feira, 29 de dezembro de 2022, da morte de
Edson Arantes do Nascimento, aos 82 anos de idade.
O
menino de 1969 esteve com o rei unicamente aquela vez, mas o viu jogar outras
vezes pela TV e nos cinemas. Agora, vivendo plenamente a maturidade,
entristecido, recebe a notícia da morte do maior jogador de futebol em toda a
história e do mais importante brasileiro em todos os tempos. Aqui fica a
homenagem ao eterno rei. Este nunca morrerá. Descanse em paz, Pelé!
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Comentários
Postar um comentário