Jorge
Carvalho do Nascimento*
Conheci
Antônio Vieira de Araújo durante a primeira metade da década de 70 do século XX
quando trabalhamos juntos como repórteres do jornal Gazeta de Sergipe. Foi um
período rico de troca de experiências e aprendizado para todos nós, convivendo
com jornalistas e intelectuais muito qualificados na equipe chefiada pelo
aplaudido jornalista Orlando Dantas, na minha opinião o nome mais importante de
toda a história da mídia impressa em Sergipe.
Diariamente
aprendíamos no convívio com intelectuais como Célio Nunes, jornalista
reconhecido como escritor, contista e poeta. O nosso editor era o jornalista
Luiz Antônio Barreto, indiscutivelmente o nome mais relevante da cultura
sergipana durante a segunda metade do século XX e a primeira década do século
XXI.
Quando
eu cheguei à redação da Gazeta de Sergipe, na primeira metade da década de 70,
estabeleci uma sólida relação de amizade com Antônio Vieira de Araújo e com
Milton Alves, ambos jovens repórteres como eu. Iniciados na seara do jornalismo
num momento em que a profissão ainda não era regulamentada, vimos chegar à
redação novos repórteres que se transformariam em importantes nomes do
jornalismo em Sergipe, como Nilson Socorro e Paulo Roberto Dantas Brandão.
Dos
jovens repórteres, um deles apresentava aptidão especial para a atividade
literária: justamente Antônio Vieira de Araújo que, além de boas e criativas
reportagens assinadas, costumava publicar frequentemente contos e crônicas que
chamavam a atenção de todos que tinham a oportunidade de ler.
A
vida empurrou cada um de nós por diferentes caminhos. Continuamos a ter em
comum a aptidão jornalística, mas também assumimos distintas atividades como a
docência, o planejamento econômico, a advocacia, a gestão em instituições do
serviço público e em empresas privadas.
Faz
tempo que eu não lia nenhum novo texto publicado por Antônio Vieira de Araújo.
Fiquei surpreso e feliz ao ser procurado por ele e receber os originais do
romance que ele autografou no final da tarde de ontem, quinta-feira, 26 de
janeiro de 2023 – A VINGANÇA. A vitalidade do narrador Antônio Vieira de Araújo
continua efervescente e agora acrescida por um elemento que mais a valoriza: a
experiência de vida.
Num
texto fluido e escorreito o autor nos apresenta a trama que compôs, rica em sua
complexidade, com heróis, vilões e algumas figuras apáticas, mas todos muito
bem construídos e caracterizados, além de cenários e contextos ricos em
detalhes fascinantes. Tudo embalado ao ritmo de uma boa história de amor e ódio
com personagens que fascinam quem gosta de estudar o comportamento humano.
Nunca
perguntei a Antônio Vieira de Araújo, mas atino que ele deve ter sido um bom
leitor de romances como GUERRA E PAZ e ANNA KARENINA, do grande escritor russo
Leon Tolstói. Nesses dois textos oitocentistas eu conheci as melhores descrições
de cenário e contexto que li em toda a história da literatura.
Em
A VINGANÇA é impossível ficar indiferente a riqueza descritiva da pobreza
vivida pelo personagem Luciano no casebre de taipa coberto de palha em que este
residia. Menos ainda em relação a força narrativa presente nos detalhes
contados acerca da enchente do rio, do rompimento da barragem e da destruição
da choupana quando da tragédia que ceifou a vida dos seus pais.
É
impactante a fertilidade de narrar que possui o autor nos momentos em que
apresenta o casarão da fazenda do coronel Feliciano, das bonitas mesas
existentes nas recepções e da fartura dos acepipes, pratos principais e
guloseimas das sobremesas quando das recepções nas festas organizadas por
aquela abastada família.
Isto
sem falar no atraente mundo de baixelas, taças, copos, porcelanas, talheres e
bebidas finas como uísque, vinhos, licores e aguardentes sofisticados,
importados e de produção nacional, que existiam fartamente nas ocasiões em que
todos podiam se refestelar.
Impossível
não se angustiar com a envolvente condição humana e os destemperos
comportamentais de personagens movidos pela vingança, tendo como pano de fundo
uma sutil, mas visível esquizofrenia. Homens açulados pela frustração da perda
do patrimônio e dos casamentos desfeitos, num período em que a mulher era
praticamente uma propriedade masculina.
Um
bom romance assentado sobre um casamento por conveniência, amores impossíveis e
pouco prováveis, ódio, perseguição e vingança, mas também pela capacidade
generosa de perdoar e esquecer. E como não poderia deixar de ser por embates
entre oponentes que invariavelmente terminam em morte.
Li
os originais e gostei, além de escrever a Apresentação de A VINGANÇA. Espero
que os novos leitores apreciem a competência e a riqueza narrativa deste
romance de estreia do escritor e bom contista que é Antônio Vieira de Araújo.
*Jornalista, doutor em Educação pela PUC de São Paulo, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado e do Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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