Jorge
Carvalho do Nascimento*
Produzir
ensaios biográficos é arte que requer inspiração, talento e pleno domínio dos
métodos da pesquisa histórica. Ana Maria Fonseca Medina e Claudefranklin
Monteiro demonstram pleno domínio de tais competências e habilidades no livro
PELA LUZ DOS OLHOS TEUS, o ensaio biográfico dedicado ao médico Hugo Gurgel.
Ana
é biógrafa do escritor Mário Cabral, do poeta Hermes Fontes, do polígrafo
Epifânio Dórea e estudiosa da obra de Dom Luciano Duarte. A escritora publicou
estudos a respeito da vida e da obra do médico e memorialista Edilberto Campos
e produziu um primoroso trabalho biográfico a respeito do médico Edson Brasil.
Sem falar de tantos outros trabalhos produzidos pela autora, como é o caso do
seu refinado estudo acerca da Ponte do Imperador, monumento que marca a paisagem
da cidade de Aracaju. Ou do trabalho acerca do monsenhor Olympio Campos.
Claudefranklin
Monteiro também passeia com maestria pela seara dos estudos biográficos. É
marcante o seu livro a respeito da obra didática de Manoel Bonfim. Também merecem
referência a biografia que fez do Monsenhor Daltro ou a sua contribuição à
história da música em Sergipe, ao se debruçar sobre a atividade do grupo Los
Guaranis.
A
parceria entre Ana Medina e Claudefranklin Monteiro é duradoura e produtiva,
com mais de 20 anos e excelentes resultados. Juntos são autores de estudos como
o trabalho a respeito da Paróquia Senhora Sant’Ana, em Boquim. Por isto, nada
melhor que o encontro da escritora de refinado lirismo, que é Ana Medina, com o
experimentado pesquisador de História, que é Claudefranklin, para compor um
livro que esparrama qualidade como narrativa literária e pesquisa histórica e um
suporte de refinado projeto editorial – o ensaio biográfico acerca do médico
Hugo Gurgel.
O
bem executado projeto de editoração é responsabilidade da Criação Editora, sob
a batuta da competente designer Adilma Meneses. Prefaciado pelo médico e
escritor Fedro Portugal, ex-aluno de Hugo Gurgel, o livro tem orelhas (não me
conformo em chamá-las de Abas, como desejam os mais eruditos) assinadas pelo
economista e escritor Marcos Melo e na quarta capa contém texto do poeta
Ronaldo Sousa que fez a revisão do trabalho.
São
241 páginas nas quais os autores esquadrinham a vida do biografado, desde que
este viu a luz do sol pela primeira vez, em 1922, no Estado do Ceará, até o
momento em que fechou os olhos, na cidade de Aracaju, em 2015. Na maior parte
do texto, como na vida, sempre ao lado da sua inseparável Lucinha, os olhos que
refinaram a sua capacidade de ver o mundo.
Professor
de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Sergipe, Hugo Gurgel
marcou os seus alunos pela competência demonstrada, pela profundidade das suas
aulas, pela atualidade bibliográfica e também pela sua obsessão quanto a
pontualidade no cumprimento dos horários
agendados.
Os
autores confessam na apresentação que “para além das exigências típicas de um
trabalho biográfico, o respeito, a preocupação e tratamento com a fonte
histórica, teriam que ser algo mais humanista, permitindo leveza,
historicidade, na celebração da memória, nesse caso, e até mesmo
conceitualmente, uma opção pela memória afetiva”.
Em
13 capítulos, Ana e Claudefranklin apresentam a família Gurgel, a cidade cearense
de Lavras de Mangabeira, o Colégio Cearense Sagrado Coração de Jesus, a formação
médica na Bahia, o exercício profissional em Sergipe, o casamento com Lúcia, as
clínicas Santa Lúcia e Santa Helena, as associações voluntárias das quais Hugo
Gurgel participou, o tempo crepuscular da vida, o reconhecimento e as memórias
afetivas.
Hugo
é descendente de uma família cearense, originariamente luso-francesa, na qual
existiram várias gerações de esculápios, tradição mantida por parte dos seus
descendentes espalhados pelo Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Sergipe.
Indiscutivelmente, eles fizeram da carreira médica uma tradição familiar.
Personalidade
inquieta, Hugo preocupou os pais ainda na infância, em face do seu
comportamento algumas vezes rebelde que costumava sair muito de casa, sem
horário para chegar. Assim, “nem sempre estava presente para as refeições em
família, gostava de caçar passarinho, que desagradava muito o pai” (p. 29).
A
família se habituou a receber notícia das suas frequentes fugas do Colégio
Cearense, em Fortaleza, onde era aluno interno desde os 12 anos de idade. Todavia,
seu pai ficou sensibilizado quando o filho obteve matrícula na tradicional
Faculdade de Medicina da Bahia. Além da sua vocação de médico, Hugo estava naquela
fase da vida muito tocado pela miséria e outros problemas provocados pela
desigualdade social existente na sua cidade natal, Lavras de Mangabeira.
Após
a colação de grau em Medicina, chegou em Aracaju no ano de 1947, na condição de
médico residente da Maternidade Francino Melo, nas dependências do Hospital de
Cirurgia, onde ficou até maio de 1952. Foi, em Aracaju, “o primeiro
especialista de formação em Ginecologia e Obstetrícia, quando então era
correntio o médico generalista fazer tudo que lhe era possível”.
É
a esta personalidade rica que Ana Maria Fonseca Medina e Claudefranklin
Monteiro nos apresentam. Não apenas a Hugo Gurgel, mas também a Lúcia Maria
Meneses Gurgel. Com a sempre boa qualidade dos trabalhos que individualmente e
também juntos, Ana e Claudefranklin estão habituados a produzir. Nós, leitores,
temos a felicidade de desfrutar da primorosa pesquisa e da boa narrativa.
A
memória de Hugo Gurgel é credora desta e de outras homenagens.
*Jornalista, professor, doutor em Educação pela PUC de São Paulo, professor aposentado do Departamento de História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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