Jorge
Carvalho do Nascimento*
A
mitologia grega atribuiu a Poseidon a responsabilidade de governar as águas. Deus
dos mares e rios, a ele dizia respeito tudo que tratava das águas, das quais
efetivamente se fez o senhor. A ele pertencia a responsabilidade por enchentes
catastróficas e o mérito de apascentar as águas para que estas cumprissem o
papel de fonte da vida.
É
presumível que a Poseidon coubesse, portanto, velar pela abundância da água
disponível ao povo grego, a fim de que a ninguém faltasse acesso ao líquido
garantidor da vida. Casado com a ninfa Anfritite, Poseidon se fez pai de alguns
filhos e é sempre representado como um homem forte, com barba e segurando um
tridente com o qual fazia jorrar água do solo.
Muitos
séculos nos separam da antiguidade grega e a racionalidade do século XXI já não
mais fica satisfeita com a matriz explicativa construída pela mitologia do
mundo helênico.
Os
homens desta centúria buscam nos saberes oferecidos pela Geologia e pela
Hidrologia o domínio do reino das águas. O governo dos mares e rios não mais
compete a Poseidon, mas sim aos fenômenos físicos causados pelas forças eruptivas
que nos chegam partindo das entranhas do planeta.
O
movimento das placas tectônicas, a força do magma que vem do centro da terra,
as pressões do fundo dos mares, o movimento dos rios e cachoeiras, o clima e as
demais condições atmosféricas, a estabilidade das montanhas e as depressões da
terra, além da ocupação desordenada do solo são os verdadeiros responsáveis por
enchentes catastróficas.
Aos
geólogos, engenheiros, meteorologistas e ambientalistas cabe a competência
necessária para explicar e apascentar as águas. Os geólogos dedicados a
Hidrogeologia são o Poseidon ao qual recorremos cada vez mais desde a metade do
século XX. Operam verdadeiros milagres para que não nos falte acesso ao líquido
que garante a vida
Quando
comecei a virar gente, uma das profissões que mais me impactou foi a de
geólogo. A consciência científica popular é a da ciência aplicada. Eu era capaz
de entender os estudos de solo feitos por engenheiros agrônomos. Era fácil
estabelecer os nexos de aplicação em tal caso.
Mas,
não posso dizer o mesmo dos geólogos. Investiam anos a fio de suas vidas para
aprender tudo sobre solos e formavam enormes coleções de pedras. E eu não
conseguia bem compreender o porquê. Os primeiros lampejos de entendimento quanto
a justificativa da aplicação dos saberes geológicos me chegaram na metade da
década de 70 do século XX.
Trabalhando
como repórter do jornal Gazeta de Sergipe fui pautado para entrevistar o geólogo
Artemízio Rezende, então um importante profissional da área de recursos
minerais que atuava no Condese, o Conselho de Desenvolvimento Econômico do
Estado de Sergipe.
Fui
encontra-lo em um laboratório onde ele estava imerso em meio a inúmeras
prateleiras sobre as quais repousavam incontáveis pedras extraídas do subsolo
sergipano, todas devidamente identificadas e catalogadas. Beneditinamente,
Artemízio teve a necessária paciência pedagógica capaz de me arrancar do
subsolo da ignorância geológica.
Os
esclarecimentos de Artemízio me permitiram finalmente entender a importância
dos colecionadores de pedras e o potencial de riquezas minerais a serem
exploradas no subsolo sergipano. Falou-me de carnalita, taquidrita, silvinita,
salgema, calcáreo, mármore, esclarecendo porque cada uma daquelas pedras que me
apresentava eram fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos sergipanos.
De
Artemízio me fiz amigo e admirador do seu trabalho e da sua competência. O
tempo correu. Tem cerca de 10 anos que me aproximei de um dos irmãos de
Artemízio que eu conhecia a distância. Roberto Rezende também é geólogo, uma
espécie de Poseidon do nosso tempo.
Como
o irmão mais velho, ama as pedras. Como Poseidon, é apaixonado pelas águas. O
seu tridente são as brocas da Hidrosolo, empresa que fundou em 1983. Foi assim
que dedicou os últimos 40 anos dos 66 até agora vividos, tentando garantir o
abastecimento do líquido indispensável. Em quatro décadas de Hidrosolo furou
buracos e encontrou aquíferos e outras águas profundas em quase todo o
território do Estado de Sergipe e em várias outras regiões do Nordeste.
Pedras
e água fazem o mundo de Roberto Rezende desde que ele colou grau como geólogo
pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, no ano de 1980.
Neste início de 2023, Roberto tem todos os motivos para celebrar. A Hidrosolo completou
seu quadragésimo ano de empreendimento vitorioso que ele toca ao lado de Tânia,
a sua ninfa, sempre afagado por Roberta e Leo, a sua prole.
É
muito bom conviver com o senhor das águas.
*Jornalista, doutor em Educação pela PUC de São Paulo, professor aposentado do Departamento de História, dos Mestrados em Educação e em História e do Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe.
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