Jorge Carvalho do
Nascimento*
Robert Baden-Powell, o inglês que fundou o Escotismo em
1907, extraiu do protestantismo uma forma de conduta, um modo de vida, uma
atitude mental que, sob a sua ótica, produziria a felicidade para os homens. “Faça
os outros felizes e você se sentirá feliz. Reconheça o lado bom naquilo que
tiver conseguido, o lado divertido da vida, as glórias, maravilhas e belezas da
Natureza. Afogue a ambição pessoal” – ensinou Baden-Powell em seu livro Caminho Para o Sucesso: Um Livro Sobre o Esporte
da Vida Escrito Para Rapazes. (Porto Alegre, União dos Escoteiros do
Brasil, 2000. p. 254).
No Escotismo, Deus e o homem sempre estiveram
interligados. A vida só teria sentido quando estivesse sujeita à Deus e à sua
lei. De princípios religiosos fortemente arraigados no anglicanismo,
Baden-Powell também transferiu para o Escotismo alguns elementos da tradição
religiosa inglesa, como o culto a São Jorge, porque era, de todos os Santos, o
único Cavaleiro. São Jorge era o padroeiro da Cavalaria e um santo de especial
devoção na Inglaterra. Por isto, foi escolhido também como padroeiro dos
Escoteiros e o dia de São Jorge, 23 de abril, foi considerado,
internacionalmente, o Dia do Escoteiro.
Assim, sob o plano educacional do Escotismo a religião
cumpriu desde o início um papel da maior importância. Surgiram, desde 1910,
tropas escoteiras que uniam os princípios da Pedagogia de Baden-Powell às
regras, leis e dogmas da religião. O Escotismo é um movimento ecumênico, mas
nem sempre foi fácil fazer com que tal ecumenismo fosse aceito por todos.
Inicialmente, as organizações de escoteiros católicos se
constituíram na Inglaterra, Estados Unidos, Itália, Bélgica, Suiça, Luxemburgo
e Brasil. Na Itália, os escoteiros católicos acataram a sugestão do Sumo
Pontífice, desligando-se do Corpo Nazionale leigo e constituindo a Associazone
Scaltistica Católica Italiana, chefiada pelo conde Mario de Carpegna.
A mesma posição foi adotada pelos escoteiros católicos da
Bélgica, França, Luxemburgo e Portugal. Os escoteiros brasileiros fundaram, em
1914, a Associação Brasileira de Escoteiros e optaram pela laicidade. Isto,
contudo, não impediu que em 15 de novembro de 1917 fosse constituída a
Associação de Escoteiros Católicos da paróquia de São João Batista da Lagoa, no
Rio de Janeiro, por iniciativa do monsenhor André Arcoverde, do cônego Carlos Manso,
de Edmundo Lynaldo, Rodolfo Melempré e João Peixoto da Fortuna. Os seus
estatutos eram inspirados pelos da Organização Católica da Itália. Finalmente,
em 1920, foi criada a Associação de Escoteiros Católicos do Brasil.
Internacionalmente, várias lideranças religiosas
resistiram ao caráter universal e aos princípios ecumênicos do Escotismo. Para
o movimento escoteiro, todas as religiões eram reconhecidas como forma de
satisfação das necessidades espirituais do jovem. Foi isto que levou os
escoteiros católicos, sob o patrocínio da Igreja Romana a se separarem e
fundarem o movimento escoteiro católico.
Esta foi uma questão polêmica, considerada por muitas
lideranças do Escotismo como incompatível com as bases universais do movimento
escoteiro, uma forma de dissidência. A tensão em torno deste problema somente
se reduziu em 1933, depois de uma audiência que o Papa Pio XI concedeu a Robert
Baden-Powell, na qual Sua Santidade reconheceu oficialmente a importância
educacional dos princípios do Escotismo.
A Educação seria, deste modo, o meio de formar o novo
cidadão. O Escotismo mobilizou, além dos princípios religiosos, ideais
democráticos que tinham o indivíduo como centro de interesse e a sociedade como
objetivo-meio para o bem estar individual e a prosperidade social.
Os objetivos do projeto de Educação gestado por
Baden-Powell consistiam em ensinar o menino a amar a Deus, ao seu país e
dedicar-se ao trabalho. A Pedagogia escoteira procurou unir fé e razão, com a
missão de formar homens tementes a Deus e verdadeiros cidadãos.
Essa era uma característica das propostas educativas daquele
período que tinham o Cristianismo como pano de fundo. A aceitação da
responsabilidade dos próprios atos, pregada pela lei do escoteiro dizia
respeito a essa ética derivada da experiência, fazendo com que o homem
compreendesse as consequências e os riscos daquilo que praticava. Assumia os
méritos dos seus acertos e as responsabilidades das suas faltas.
Mesmo porque, uma outra prescrição da lei escoteira era a
da lealdade. E um homem leal não traía, não fingia ser amigo se não o era. A
palavra de um homem leal estava sempre coerente com o seu pensamento e as suas
ações, pois o homem leal mostrava aquilo que era, não fazia críticas a ninguém
quando o criticado estava ausente. O escoteiro, segundo Baden-Powell, deveria
ficar ao lado dos seus em qualquer situação ou dificuldade, colocando-se contra
todos os seus inimigos ou seus maldizentes.
*Escoteiro, membro da Patrulha
Jaguatirica (grupo que reúne pesquisadores da História do Escotismo), jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
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