Jorge
Carvalho do Nascimento*
Toda
vez que tenho em mãos livros de autores que eu conheço e admiro procuro fazer
imediatamente a leitura. Não sei dizer as razões pelas quais desde o mês de
outubro de 2022 deixei sobre a minha mesa, sem ler, a novela CHUVA SUAVE,
último livro publicado pelo médico José Vasconcelos dos Anjos, o escritor Zeza
Vasconcelos.
Conheço
o trabalho intelectual de Zeza e admiro a sua obra. Gosto muito do seu romance
A SUÍTE DOS VIVENTES e, também do seu livro de contos O HERBANÁRIO DE TIA FINHA
E OUTRAS CURTAS ESTÓRIAS. A narrativa de Zeza é envolvente, o conteúdo dos seus
trabalhos diz muito das fragilidades e do desconforto da condição humana.
O
texto de Zeza sabe tocar as feridas da vida indizível de cada um de nós. Ler
qualquer um dos seus trabalhos é inquietar-se com os próprios pecados, com as
pequenas vilanias, com tudo aquilo que a gente pratica e não é capaz de
confessar nem mesmo ao próprio travesseiro. Isto sem falar das dores que
sentimos e daquelas que impingimos às pessoas com as quais convivemos.
Zeza
é um escritor comprometido com a alegria de viver, mas, também capaz de
escancarar as dores do mundo, coisa que o faz com a competência contundente dos
que se insurgem contra a desigualdade, contra a injustiça e não aceitam que o
semelhante seja degradado.
Além
disto, em alguns dos seus textos, a crueza humana se esconde por trás de uma
narrativa repleta de lascívia que lembra a influência do modo de ver o mundo assumido
por escritores brasileiros como Nelson Rodrigues, no meu entendimento sempre
presente no jeito de contar estórias assumido por Zeza Vasconcelos.
Neste
final de semana que se prolonga com o feriado do dia primeiro de maio, na segunda-feira,
finalmente resolvi me sentar com a novela CHUVA SUAVE, de Zeza Vasconcelos,
para fazer a leitura de um autor que agrada tanto ao meu gosto de ler boas
narrativas, tendo como ponto de partida o convencimento de que encontraria
novamente com o romancista que sabe nos cortar a alma contundentemente e nos
mostra um mundo de vilões sem nenhum caráter.
Qual
nada. Zeza Vasconcelos me surpreendeu. A sua novela CHUVA SUAVE, um livro de
107 páginas publicado pela Criação Editora nos traz uma narrativa leve,
carregada de lirismo, muito delicada, quase poesia, que nos revela um escritor
sensível e envolvente que cinzela cada uma das palavras de um texto que nos
transporta ao encantamento de um mundo no qual, mesmo momentos de muita dureza
estão prenhes de magia.
Não
é que Zeza tenha fugido do tema da sua predileção – o tensionamento das
relações entre as pessoas. É disto que trata a sua CHUVA SUAVE. Nas lágrimas de
chuva desta novela, descobri um Zeza Vasconcelos que constrói uma narrativa
poética para tratar do amor impossível entre um faroleiro ilustrado e uma rica
e erudita herdeira de um senhor de terras, como tantos que existem nas regiões
onde estão localizados os faróis de navegação do litoral brasileiro.
Aqui,
a sensibilidade do amor conduz a narrativa de Zeza Vasconcelos, numa estória na
qual estão presentes dramas familiares que povoam a vida cotidiana de cada um
de nós, contando a tragédia dos homens ausentes e das mulheres submissas que
marcaram a trama social do século XX.
Neste
novo livro está um narrador que ficou mais distante das influências de Nelson
Rodrigues presentes nos discursos de outros trabalhos seus, mas que se aproxima
bastante do aplicado leitor de Ernest Hemingway, como Zeza aqui se revela, ao
tratar da relação de um homem com seu farol e com o mar.
Novela
na qual homens e mulheres são conduzidos pela inexorabilidade da vida que a
todos envolve sem admitir que ninguém lhe escape ao destino: “Não existe hora
para a morte, não existe hora para amar, não existe hora para se beber um bom
champanhe” (p. 61).
A
doçura da lírica de Zeza Vasconcelos não perde o rumo, mesmo diante da
necessidade de discutir temáticas pesadas como a da mutilação sofrida pelas
mulheres diante da necessidade de tratar o câncer de mama. Ou da dissimulação
social imposta pela adoção de uma neta como filha natural, a fim de resguardar socialmente
valores como a virgindade da mãe criança.
A
CHUVA SUAVE de Zeza Vasconcelos nos surpreende até no desfecho que o autor dá à
sua história no último capítulo do texto. Mas, isto eu não conto nesta resenha.
A leitura e a descoberta de cada detalhe valem a pena, desde a primeira até a
última página deste novo livro.
*Jornalista, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado e do Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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