Jorge
Carvalho do Nascimento*
Em
1982 eu cheguei à Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo como
aluno do Mestrado em Filosofia e História da Educação. À época, oferecendo os cursos
de Mestrado e Doutorado, a PUCSP mantinha o mais importante programa de pós-graduação
em Educação do país.
Àquela
altura eu tinha clareza de que a formação jurídica que recebi na Universidade
Federal de Sergipe fora extremamente importante para que eu pudesse compreender
o mundo. Todavia, a minha consciência já havia demonstrado que eu jamais seria
um quadro competente se resolvesse exercer a advocacia ou qualquer outra das
práticas profissionais próprias aos operadores do Direito.
As
principais estrelas em ascensão na Educação brasileira atuavam como professores
e pesquisadores no curso de Mestrado em Filosofia e História da Educação da
PUC. O programa era liderado por Dermeval Saviani, recém-chegado da Itália,
onde se aprofundara nos estudos sobre a obra de Antonio Gramsci.
Era
prazeroso acompanhar as disciplinas ofertadas por intelectuais da Educação como
Dermeval Saviani, Maria Malta Campos, Bernadete Gatti, Maria Luiza Santos Ribeiro,
Selma Garrido Pimenta, Evaldo Amaro Vieira, Guiomar Namo Melo, Teresa Roserley
Nebauer e a então jovem estrela que se revelara no programa da PUCSP e
conquistava cada vez maior importância como pesquisadora no campo da História
da Educação: Miriam Jorge Warde.
Como
colegas distantes que estavam concluindo o curso de Doutorado e já vistos como
grandes revelações da pesquisa educacional no Brasil estavam Carlos Roberto
Jamil Cury, Luiz Antônio Rodrigues da Cunha, Neidson Rodrigues, José Carlos
Libâneo e muitos outros. Ao meu lado, como colegas do curso de Mestrado tinham
assento figuras que ganharam expressão no campo, a exemplo de Fernando Casadei,
Lino Castelani Filho e Carlos Monarcha, dentre tantos outros.
O
Brasil vivia dias agitados entre agosto de 1982 e julho de 1985 (o mestrado, à
época, tinha a duração de três anos), período no qual permaneci como aluno.
Todos os grupos ideológicos, partidários, acadêmicos e as corporações
profissionais tomavam posição, se mobilizavam e faziam agitação em torno de
questões como as eleições diretas para presidente da República, proposta no
Congresso Nacional pela Emenda Dante de Oliveira.
Naqueles
anos, ligado ao Partido Comunista Brasileiro – PCB participei de vários atos na
cidade de São Paulo e em alguns municípios do interior paulista, juntamente com
dois companheiros intelectuais ligados ao PCB com os quais aprofundei relações
de amizade na pauliceia: Antônio Luiz de Carvalho e Silva, o querido Professor
Silva, como costumávamos tratá-lo, e Carlos Maranhão, assim chamado por haver
migrado da cidade de São Luiz para São Paulo. Juntos estivemos presentes ao
famoso comício do Vale do Anhangabaú, em 1984.
À
época, fiz militância política corporativa na Associação Brasileira de Educação
– ABE, liderada por Dermeval Saviani. A Associação mantinha escritórios na rua
Bartira, ao lado da loja principal da Cortez Livreiros e Editores, a grande e
inovadora editora especializada na publicação de livros tratando de Educação.
Na
resistência à ditadura militar que se instalara no Brasil em 1964, os
profissionais da Educação vinham promovendo, a cada dois anos, a Conferência
Brasileira da Educação – CBE. A primeira foi realizada em 1978, a segunda em
1980 e a terceira em 1982. A primeira CBE da qual participei foi a quarta, no
campus da Universidade Federal Fluminense, em Niterói.
A
solenidade de abertura do evento me fascinou. O Teatro UFF, em Icaraí,
superlotado com as mais importantes estrelas da Educação no Brasil. Impossível
a um jovem mestrando não se deslumbrar. O clima político embalado por dois
importantes conferencistas que tiveram participação ativa na CBE: o economista
Carlos Lessa, uma das vozes críticas de maior lucidez quanto a fracassada política
econômica da ditadura, e Vanilda Pereira Paiva, a jovem e importante socióloga
da Educação, que havia regressado da Universidade de Frankfurt, onde fizera o
seu doutorado e era então a principal pesquisadora em Sociologia da Educação
quando o tema era Educação popular.
Vanilda
impressionava pelo brilho das suas ideias, pela energia que empregava nas suas
exposições e nos debates e pela capacidade que possuía de utilizar argumentos
avassaladores. Não havia como ouvir uma conferência de Vanilda e permanecer
incólume.
Nasceu
ali um sentimento de admiração e uma explícita tietagem que ainda persiste e da
qual jamais ficarei curado, tenho certeza. A ela fui apresentado pela minha
eterna orientadora, Mirian Jorge Warde, de quem também sou tiete. A Admiração e
tietagem com Vanilda transformar-se-iam, anos mais tarde, em uma amizade sólida
e duradoura.
Em
1993, quando a minha orientadora de doutorado na mesma PUCSP, Mirian Jorge
Warde, me convenceu que eu deveria ir pesquisar na Universidade de Frankfurt,
na República Federal da Alemanha, Vanilda Paiva redigiu uma carta dirigida ao
professor Patrick Dias, meu orientador em Frankfurt, que o convenceu a aceitar
a mim como pesquisador e também aceitar o tema do meu trabalho que investigou
as trocas culturais Brasil-Alemanha durante a segunda metade do século XIX, na
região que hoje corresponde ao Nordeste brasileiro.
Mantendo
sólidas relações de amizade com Vanilda, vi a querida amiga dirigir o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, fundar o Instituto de
Estudos da Cultura e Educação Continuada – IEC e, também exercer distintas
funções como dirigente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência –
SBPC. Ela foi pró-reitora de graduação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ.
Quando
eu cursava o doutorado em Educação, na mesma PUCSP, dentre as novas amizades
que conquistei, uma delas se transformou naquela de maior intimidade e, também a
mais longeva. Lúcia Franca Rocha é já professora aposentada da Universidade
Federal da Bahia e com ela mantenho o hábito de trocar frequentes ideias ao
telefone e pelas redes sociais.
Nesta
sexta feira, 23 de junho de 2023, recebi um telefonema de Lúcia que entristeceu
a minha festa junina. Por intermédio dela fiquei sabendo que a nossa comum
amiga Vanilda Pereira Paiva morreu ontem, exatamente no mesmo dia em que
deveria celebrar a idade de 80 anos do seu nascimento.
Os
textos de Vanilda sobre Educação popular são referências indispensáveis em
qualquer estudo sobre Educação brasileira que necessite abordar tal temática.
Vanilda nasceu no Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1943. Concluiu os seus
estudos secundários no Colégio Pedro II, na então capital do Brasil.
Migrou
para a cidade de Natal e concluiu o seu curso de graduação em Pedagogia, no ano
de 1965, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em 1972 concluiu o
mestrado em Planejamento Educacional na PUC-Rio. A sua tese de doutorado foi
defendida em 1978 na Universidade de Frankfurt, República Federal da Alemanha.
Militante
contra a ditadura militar, Vanilda foi punida por suas ideias consideradas
subversivas, em 1969, com a perda do seu cargo de professora de carreira da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Voltou, então, para o Rio de
Janeiro, onde trabalhou no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento – Ibrades,
ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
Das
muitas lições deixadas por Vanilda Paiva sou particularmente aficionado por sua
afirmação acerca da necessidade de mudar sempre. “Pessoalmente sempre atuei e
publiquei sem qualquer preocupação como as que dominam os nossos dias. Minhas normas
sempre foram repetir o menos possível, fidelidade às mudanças ocorridas na
minha maneira de ver os fenômenos educacionais e sociais por razões teóricas ou
empíricas, pesquisar e escrever como resultado de um interesse e impulso
interno”.
Vanilda
Paiva é eterna.
*Doutor em Educação. Professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Presidente da Academia Sergipana de Educação e membro da Academia Sergipana de Letras.
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