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OS SAPATOS


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Os sorrisos de felicidade estampados no rosto dos noivos e das famílias permitiam que todos percebessem o acerto do casório de Paula com Maximiliano. A nababesca recepção oferecida nos luxuosos salões do Tenis Clube Gaivota Branca reuniu 700 convidados das abastadas famílias de bem de Horizonte Azul.

Archimedes Sortano, o mais humilde produtor de milho da região, costumava colher 50 toneladas por hectare na sua fazenda Santo Inácio. Eram 12 mil hectares em terreno plano, com toda produção mecanizada. Mas, não fazia inveja a nenhum dos demais associados da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Grãos de Horizonte Azul, bem instalada às margens do Rio Tocantins.

Rubens Vicente, o pai da noiva obtivera a mesma produtividade das terras de Archimedes em seus 34 mil hectares da Fazenda Raio de Luz. Estava contente porque sua filha Paulinha, educada no Sacrée Couer de Paris e engenheira agrônoma diplomada pela Universidade de Montpelier, na França, soubera escolher bem o futuro pai dos seus filhos.

Max, engenheiro naval diplomado em Hamburgo, na Alemanha, já fizera a opção de renunciar aos navios e estaleiros para se dedicar plenamente aos negócios da família e educar a prole que o criador lhe desse ao lado da sua Paulinha. E não eram poucos os negócios. A sua fazenda Pinho Dourado tinha 89 mil hectares cultivados – 60 por cento em soja e 40 por cento em milho.

A felicidade do casal era facilmente prenunciada. Só uma coisa incomodava Max e Rubens: a possessividade ciumenta de Paulinha que, nas crises, se acentuava e não conhecia limites, a ponto de em certa ocasião haver destruído a golpes de machado a cristaleira colonial de jacarandá pertencente a Dona Genivalda Torres Teixeira Willecke, a mãe de Gerson Scarafia Willecke, o seu primeiro noivo, lotada com 1800 peças de cristais da Bavária que se transmitia como herança feminina na família desde que o primeiro Willecke chegara ao Brasil, em 1674.

Uma coisa, porém, tranquilizava as duas famílias: Max não era dado a sibitezas e vivia exclusivamente para o trabalho e o ambiente familiar. Menino bem-educado, formado nas boas lições do Catecismo, cônscio da indissolubilidade do casamento e das obrigações quanto a fidelidade conjugal. Em pouco tempo, Max era o xodó da sogra, Dona Flávia Ferreira.

A mãe de Paulinha, era mulher rica, porém sem muito refinamento social. As carpideiras da vida alheia e as empregadas domésticas da Fazenda comentavam a boca miúda que Rubens conhecera Flávia como integrante do quadro de profissionais da casa de diversões de Zefinha Junta Mosca, onde os meninos ricos de Horizonte Azul recebiam as suas primeiras aulas de educação sexual. Dentre os maus hábitos de Dona Flávia estava a mania de retirar dos pés os sapatos de saltos cada vez que entrava em um carro e somente voltar a calçá-los no destino final da viagem.

Max e Paula viveram felizes no primeiro ano do matrimônio. Decorridos 14 meses das bodas, Paulinha recebera um contato de Montpelier. Era necessário regressar à França para corrigir erros descobertos em sua documentação na Universidade. Feita a correção poderia voltar tranquilamente à sua sossegada Horizonte Azul.

Época de colheita de soja, Max muito atarefado, o casal decidiu que Paula viajaria sozinha a Montpelier. Engalanados, Max e a sogra foram ao aeroporto de Palmas embarcar Paulinha. A permanência em território francês foi curta e quatro dias depois dela avisou que chegaria na manhã seguinte.

As ausências são atrevidas e estimulam a rebeldia. Os amigos convenceram Max a prevaricar. A primeira noite de infidelidade, depois de 14 meses de um casamento bem-comportado, foi inesquecível. Max realizou todas as fantasias impublicáveis que habitavam de há muito o seu imaginário. A escolhida foi Cesária Figueiredo uma antiga empregada doméstica da sua família que cedo entendeu ser o trabalho na casa de Zefinha Junta Mosca bem mais rentável.

Na manhã seguinte, já recomposto como homem de bem e chefe de família exemplar, foi em companhia da sogra ao aeroporto buscar a sua amada esposa. Abraços e beijos. O bicho do ciúme tocou a alma de Paulinha pela primeira vez após o casamento. Perguntou ao marido se este fora fiel durante a sua ausência. Ele não precisou responder. A sogra saiu em sua defesa.

Consciência pesada é oficina do Satanás. Saíram do aeroporto e no primeiro freio mais forte, Max percebeu um par de sapatos Louboutin pretos com saltos 15 a acariciarem o seu calcanhar. Olhou discretamente e pensou rápido. “Nunca mais me envolvo com putas. Cesária deixou esse par de sapatos aqui propositadamente para destruir o meu casamento”.

Max inventou que precisava parar no primeiro posto de gasolina para abastecer. Ao lado da bomba de abastecimento desceu do veículo e discretamente retirou do carro aquele par de sapatos. O destino deles foi a lata de lixo em meio ao que restou de óleo de motores de outros veículos já usado e graxa lubrificante.

Somente se deu conta do seu equívoco quando já havia descido da camionete RAM na casa da fazenda e ouviu os gritos coléricos de Paulinha: “filho da puta... A qual quenga você deu de presente os sapatos da minha mãe?”

 

 

*Jornalista, professor aposentado do Departamento de História e dos cursos de mestrado e doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. É doutor em Educação.

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