Jorge
Carvalho do Nascimento*
Quando
Orozimbo partiu de Cabedelo para João Pessoa, naquele mês de maio de 1933,
faltavam dois dias para completar um mês que houve a primeira troca de olhares
entre Sônia e o mascate. Nenhum dos dois imaginara que em tão curto espaço de
tempo a vida de ambos fosse mudar tão radicalmente.
A
rainha do boquete do Bazar de Dona Clarice era agora a teúda e manteúda do rico
comerciante espanhol de origem cigana. Um mascate que viajava pelos sertões da
Paraíba, visitando fazendas de senhores poderosos aos quais vendia porcelanas,
faianças, pratarias, joias, cortes de tecidos finos para homens e mulheres,
faqueiros de prata, joias e relógios de ouro.
O
negócio era tão arriscado quanto lucrativo. Até então, em mais de 15 anos
mascateando, Orozimbo amealhara uma boa fortuna que o permitia viver
nababescamente com sua família em um pequeno palacete no centro histórico da
antiga Cidade da Paraíba, onde moravam os ricos da capital daquele estado.
Bom
marido, se desdobrava para oferecer à sua família todos os confortos acessíveis
da primeira metade do século XX. A portuguesa Manoela era, como o marido, uma
cinquentona. Desde que engravidara de Rocio, a filha mais nova, então com 10 anos
de idade, não mais se acostava com o marido. Cumprira a sua função primeira de
mulher – a procriação.
Assim
era a mentalidade de Manoela, uma portuguesa de Trás-os-Montes, católica
ultamontana, de um conservadorismo sem fim, para quem qualquer demonstração de
afeto, sensualidade ou sexualidade não passava de pouca vergonha que deveria
ser reprimida pela sua condição de pecado.
Ainda
sexualmente ativo e cheio de fogo e fantasias sexuais aos 46 anos de idade,
Orozimbo aproveitava as suas viagens e se entregava a orgia dos cabarés,
realizando todas as fantasias que a sua mente devassa era capaz de conceber. Do
sexo oral ao grupal, tudo ele encarava, sem qualquer preconceito.
Por
isto a repentina paixão por Sônia que, no Bazar de Dona Clarice o estimulou com
as mãos, com as coxas, com as tetas e com a boca. E ao final sugou todos os
jatos de leite que dele extraiu, não desperdiçando uma única gota sequer. A
adolescente captou todos os desejos de Orozimbo e, ao se abrir e entregar-se
oferecendo a ele a primeira pernada sem qualquer preconceito, soube fazer o
mascate ilimitadamente apaixonado.
Depois
de 28 dias contínuos de amor e sexo, sem parar, o mascate era todo paixão, de
um modo tão enlouquecido que o espanhol espontaneamente decidiu comprar a casa,
coloca-la em nome da amada Sônia, arrumar todo o mobiliário do imóvel e deixar
em suas mãos, ao partir, o equivalente ao salário de um maquinista de trem da
Great Western Railway, os profissionais de nível técnico mais bem remunerados
dentre os que viviam ao redor dos negócios do porto de Cabedelo.
Sônia
sabia que o seu amado somente retornaria ao aconchego dos seus braços na última
semana de junho. Três semanas sem ninguém, com dinheiro que era a garantia suficiente
de uma vida confortável, Sônia dedicou a seus dias a exploração das ruas e das
praias do Distrito de Cabedelo.
Usou
sempre os serviços de Joaquim Monte, o chofer do carro de aluguel que servia a
Orozimbo quando este ia a Cabedelo. A conta dos muitos quilômetros rodados por
ela seria paga pelo seu amado quando este retornasse à zona portuária. Sônia conheceu
as instalações da estação de trens e os horários de chegada e partida das
várias composições.
Passou
um dia inteiro visitando as docas portuárias. As instalações do porto e a
maquinaria existente no local para o movimento de carga e descarga a
impressionavam. Católica, habituou-se a frequentar as missas na Igreja do
Sagrado Coração de Jesus, padroeiro de Cabedelo, e logo estava envolvida na
paróquia com a organização da celebração religiosa do dia 10 de junho.
As
beatas foram se queixar ao Frei Fernando, dizendo a este que as famílias não
poderiam tolerar uma mulher dama, uma messalina, participando da comissão
organizadora da principal festa religiosa de Cabedelo. Era um acinte às
famílias de bem e às suas filhas castas e casadoiras. O franciscano já
percebera que os óbolos oferecidos por Sônia eram dos mais significativos
quanto ao valor.
O
sacerdote lembrou às senhoras da paróquia que todos eram filhos de Deus. Não
era o fato de Sônia viver sozinha em uma casa que a descredenciava na condição
de pessoa de bem. Afinal, ela frequentava a missa e não havia nenhum registro
de que tivesse uma vida errante nem cultivasse o hábito de receber homens em
sua casa.
Sônia
vivia para a oração e para fazer caridade, ajudando a igreja e, também os
muitos pobres e necessitados que gravitavam em torno do templo. Antes de
partir, Orozimbo havia apresentado Sônia ao pároco como uma sobrinha sua que o
pai, rico fazendeiro do interior do Ceará, morrera. Contudo, esclareceu que o
seu irmão deixou a menina muito bem-posicionada financeiramente, com dinheiro
aplicado em importante casa bancária paraibana. Disse ao prelado que
periodicamente ela estaria por lá em visita e cuidando da honra da sobrinha.
Aquela
era a nova vida da menina que fugira da miséria em São José das Pombas,
deixando para trás um casebre miserável, uma irmã que enlouquecera na
prostituição, uma mãe desorientada e cinco irmãos que estavam gastando a
juventude e a vida nas frentes de trabalho que os críticos do governo chamavam
de “campos de concentração”.
Agora,
Sônia tinha o papel de rica herdeira que se dedicava a fazer o bem aos pobres e
a ajudar as obras sociais da paróquia do Sagrado Coração de Jesus. Seu lugar no
céu estava garantido.
*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado do Departamento de História, do Mestrado em História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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