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A PADARIA TRIUNFO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

- Quando será que eu vou aprender? Por que eu deixei aquele capadócio me enganar outra vez? Eu devia ter percebido que era mais uma armadilha dele pra me comer e depois me dar as costas novamente, deixando o problema comigo. E o pilantra ainda envolveu a minha filha e agora a menina não quer mais me ver – Sônia estava em mais uma noite em claro depois que o Dr. Costa a abandonara pela segunda vez.

No final da tarde daquela quinta-feira, pouco mais de dois meses depois de haver deitado com o Dr. Costa pela última vez, ela procurou o Coronel Belmont no Night Club para informar que estava se afastando da casa antes que a barriga da terceira gravidez começasse a denunciar a sua situação.

Desta vez Sônia estava muito revoltada com o filho da puta do Dr. Costa. Para ela, o pior fora o que ele fizera com a menina Carmen.

- Ele não respeitou a filha. A menina se encheu de expectativa para conhecer o pai e ele armou uma cilada daquela. Agora, a menina não quer mais me ver. Acha que eu sou igual ao pai dela. Fiquei muito decepcionada. Ele me apunhalou pelas costas. Espero que ele não apareça aqui nunca mais. O que ele fez não é atitude de homem - falava silenciosamente Sônia, em monólogo consigo.

O pior é que agora estava praticamente sozinha. Perdera o amor dos filhos e se sentia ludibriada por um homem que havia aprendido a amar, por quem foi enganada e perdoou para ser trapaceada pela segunda vez. E o pior é que ele a deixou com uma nova gravidez, esperando mais um filho de um pai sem caráter.

- Eu sou uma mulher, mãe de dois filhos sem pai. Quando Costa se aproximou de mim novamente, eu fiquei com a esperança de que ele estava arrependido do que fez na primeira vez, Vi naquele gesto dele um fio de esperança de que finalmente eu poderia dar à minha filha o pai que ele um dia não quis ser. Achei que ele queria recuperar a filha que renegou. Acreditei que desta vez ele iria assumir a menina – martelava Sônia na própria cabeça.

- Eu sou uma mulher nova, tenho muito fogo, gosto de homem que sabe me fazer gozar gostoso. Homem bom de cama, homem que me deixa louca, toda molhada, que faz tremer minhas carnes. E isto, não posso negar, o Dr. Costa sabe. É o homem mais gostoso que já deitou comigo numa cama – pensava ela.

- Além disso tudo, eu, como mulher e mãe solteira, rapariga, mulher da vida, queria me organizar, ter uma família, como todo mundo, dar aos meus filhos uma vida com dignidade, bem estruturada. Eu sei que eles são envergonhados de ter uma mãe que é puta – pensava Sônia, sem conseguir conter os soluços.

No fundo, aos 26 anos de idade, Sônia ainda era uma menina sonhadora que vivia buscando aquilo que a vida insistia em lhe negar. As suas condições de vida a embruteceram, mas não conseguiram apagar completamente uma consciência cheia de sonhos e desejos que aquela menina-mulher alimentava.

- A coisa que eu mais gosto neste mundo é sexo, mas se eu tivesse um marido que desse conta do meu fogo, que me comesse toda noite, que me desse uma vida boa e cheia de conforto, eu sossegava a passarinha. Eu só preciso disto: cama, amor e dinheiro pra resolver meinha vida – pensava ela.

O único afeto que Sônia recebia era proporcionado pela sua amizade com Ermelinda. A amiga nunca lhe faltava, na hora boa e na hora ruim. Foi ela que na manhã da sexta-feira ao encontrar na cozinha com Sônia, de olho fundo pela noite mal dormida e muito sofrida, sentou-se com a amiga para uma conversa.

- Na outra gravidez você ficou na miséria, perdeu tudo que tinha. Não acredito que desta vez vai acontecer a mesma coisa. Você precisa se preparar enquanto tem dinheiro guardado. A partir de hoje, você não fatura mais nada com homem nenhum. Agora, você só vai gastar e precisa fazer dinheiro. Meu irmão Vicente Padeiro conversou comigo ontem. Seu Joca Tatu Bola, dono da padaria do Varadouro morreu e Dona Jovem de Zé de Chagas, a viúva, quer vender o ponto com o forno e as máquinas. Ela vai voltar pro Rio Grande do Norte, onde tem um sítio que herdou do pai. Vicente não tem dinheiro pra comprar a padaria. Eu pensei que você podia comprar 60 por cento, eu podia comprar 30 por centro e Vicente ficar com 10 por cento e ser o gerente – foi a proposta de Ermelinda.

Sônia, Ermelinda e Vicente se reuniram dois dias depois com a viúva, Dona Jovem de Zé de Chagas. Fizeram conta de chegar, viram o estoque, as contas, as dívidas, o faturamento e conseguiram fechar um acordo. Sônia vendeu as joias que tinha guardadas no banco e virou a principal sócia da Padaria Triunfo.

Em 1947, perto de completar 28 anos de idade, Sônia era mãe de dois filhos, prestes a ganhar mais um, e dona de mais da metade de uma padaria. Teria uma fonte de renda, por menor que fosse, sem depender da prostituição. Uma renda capaz de ajudá-la com as despesas da gravidez, do parto e do primeiro ano do filho que estava esperando.


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