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O SUMIÇO DE ZÉ LOTERO

                                               Navio Santos
 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Bem criado por Willison, Eleutério era ótimo aluno na escola que estudava em Campina Grande. Inteligente e simpático, era admirado pelos colegas e professores e se relacionava de um jeito leve com todos eles. Gostava de jogar futebol e era chamado pelos amigos e colegas de Zé Lotero.

Concluiu o curso ginasial aos 15 anos de idade e havia decidido fazer os exames para a Academia Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. O ano era 1950. Carmen, sua irmã, estava com oito anos de idade e Carla, a mais nova tinha completado cinco anos de nascida.

Cuidadosos, Willison e Rafaela procuraram Sônia, a mãe biológica, levando Zé Lotero a tiracolo. O projeto da desejada carreira militar entusiasmava e enchia Willison de orgulho. Considerava Zé Lotero um menino ajuizado, a quem estava reservado um futuro brilhante como oficial do Exército.

Willison fora com Zé Lotero ao Rio de Janeiro para o menino fazer as provas que o admitiram no Colégio Militar, com direito de prosseguir os estudos na Academia do Realengo para receber a sua formação de oficial da força terrestre. O menino fora muito bem nas provas e teve confirmada a sua vaga. Seria aluno interno.

Voltaram para Campina Grande. Teriam três meses para preparar o enxoval antes que Zé Lotero se apresentasse e passasse a viver como aluno interno do Colégio Militar. A lista era imensa, mas tudo foi adquirido e organizado meticulosamente para que não lhe faltasse nada naquela fase tão importante da vida.

O grande dia do embarque chegou na última semana de fevereiro de 1951. No cais de Cabedelo estavam Sônia, Willison, Rafaela, Carmen e Carla. Todos emocionados com o embarque de Zé Lotero. Sabiam que aquele era um caminho para toda a vida. Sete anos depois, quando ele já fosse Tenente, seria designado para servir em alguma unidade do Exército no país e dificilmente retornaria para a Paraíba.

Trajando roupa nova, um terno azul marinho, elegante, Zé Lotero subiu resoluto a ponte de embarque que levava ao Santos, navio de passageiros do Loyd Brasileiro que o conduziria até o porto da cidade do Rio de Janeiro, onde ele seria recebido por um oficial do Exército que o conduziria ao Colégio Militar.

Com ar triunfante, ao chegar no convés do navio Santos, Zé Lotero parou, retirou um lenço do bolso do paletó e acenou aos seus familiares que estavam em terra, numa espécie de adeus cheio de emoção. Concluído o embarque, quase uma hora depois, a ponte foi retirada e a embarcação deu o seu primeiro apito.

O apito era quase um urro de som gutural, em tom gravíssimo, tonitruante e assustador. Ao terceiro apito, lentamente os rebocadores se posicionaram na proa, na popa e a estibordo enquanto o grande barco de passageiros movido a vapor se afastava do cais com lentidão, soltando grossos rolos de fumaça pelas suas chaminés.

Somente, então, Sônia e os demais familiares, em passos lentos deram as costas ao barco e começaram a se retirar, tomados por indisfarçável emoção. Sabiam que Zé Lotero iria navegar durante 16 dias, considerando as datas nas quais o navio permaneceria atracado nos portos do Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Ilhéus e Vitória, antes da chegada ao Rio de Janeiro,

Somente em meados de março, provavelmente no dia 14, se tudo corresse bem, o menino estaria na capital da República.  Estavam emocionados, mas tranquilos por saber que estavam fazendo o melhor pelo futuro de Zé Lotero. Sônia que nunca manifestava afeto e emoção com as coisas dos filhos, estava com o rosto inchado pelas lágrimas que derramou na partida do seu primogênito.

Na segunda quinzena de março começou a crescer a ansiedade de todos, aguardando notícias de Zé Lotero quanto ao fato de haver chegado ao Rio de Janeiro em paz e de estar bem instalado no Colégio Militar. Não eram ainda 10 horas da manhã do dia 08 de abril quando Sônia recebeu em sua casa a visita de Willison que meteu a mão no bolso do paletó e lhe entregou um telegrama.

- INFORMO NAO HAVER ALUNO JOSE ELEUTERIO DESEMBARCADO PORTO RIO DE JANEIRO VG CONFORME AGUARDADO PT LOYD ONFIRMA EMBARQUE NAVIO SANTOS EM CABEDELO PT ULTIMO REGISTRO PRESENÇA PASSAGEIRO NAVIO FEITO PORTO SALVADOR PT CEL ANDERSON MENEZES CMTE COLEGIO MILITAR

Willison e Sônia embarcaram para o Rio de Janeiro, três dias depois, angustiados. As buscas feitas pelo Exército mobilizaram a Marinha e as autoridades portuárias dos Estados nos quais o navio atracou. Nenhum vestígio de Zé Lotero. Nenhum corpo com as suas características físicas dera à praia na rota percorrida pela embarcação.

O desaparecimento do jovem era misterioso. Não havia registro de que nenhum homem tivesse caído ao mar durante a viagem. Treze meses depois, um juiz de direito do Estado da Bahia publicou a decisão de morte presumida do estudante José Eleutério, nascido em Cabedelo, Estado da Paraíba, no ano de 1935.


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