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A GAIOLA DE OURO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Em junho de 1964, prestes a completar 22 anos de idade, Carmen era já mãe de seis filhos com Orwiliano. Foram quatro meninos e duas meninas. O casamento dos sonhos, marcado pela riqueza e pela ostentação continuava a ter a aparência de perfeição, mas a filha de Sônia algumas vezes, em conversas reservadas com a mãe reclamava das grosserias do seu marido, principalmente quando este se excedia no consumo de bebidas alcoólicas, o que não era raro.

Várias vezes Sônia testemunhou marcas da violência deixadas por Orwiliano no corpo de Carmen.

- Ruim com ele, pior sem ele – era o que dizia Sônia ao aconselhar a filha.

- A mulher separada do marido perde o respeito da sociedade. Todo marido tem seus momentos de incompreensão. Toda mulher tem que ser preparada para suportar os maus bofes do marido. Por isto, minha filha, faça de um tudo para manter o seu casamento. Veja que apesar de um ou outro problema você leva uma vida que quase toda mulher queria ter. Mora numa casa boa, uma mansão. Tem tudo do bom e do melhor, tem um monte de empregados e empregadas dentro da sua casa pra cuidar da roupa, da comida, do jardim, da limpeza, dirigir o carro. O que você quer mais? – era o comentário de Sônia.

- Mãe! Eu só queria ser uma mulher feliz. Eu tenho medo de a qualquer hora meu marido quebrar minha cara de pancada, principalmente quando ele chega bêbado com a roupa cheia de marca de batom e com o perfume das raparigas com quem ele vive se agarrando por aí – dizia Carmen.

- Minha filha: onde você vai encontrar outro homem que dê a você o luxo e o conforto que Orwiliano oferece? – repetia Sônia.

Carmen vivia sua rotina, presa numa espécie de gaiola de ouro. Pariu um filho a cada ano de casamento. A prole crescia enquanto o glamour dos primeiros meses de casamento se transformava numa vida sem festas e sem motivação para festejar. A Carmen restava o papel de mãe dedicada a educação dos seus filhos.

Lucas, José, Wilson, Auxiliadora, Américo e Júlia. Lucas, se fez economista e Fiscal de Rendas do Estado da Paraíba, morreu aos 35 anos de idade. José, colou grau em Direito e fazia uma carreira de sucesso como professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, quando morreu aos 55 anos de idade.

Wilson, engenheiro civil da Companhia de Saneamento do Estado de Pernambuco, após a sua aposentadoria, aos 70 anos de idade, voltou a morar em João Pessoa. Auxiliadora, advogada, se estabeleceu em Salvador com uma banca de sucesso. Américo, graduado em enfermagem, fez mestrado e doutorado no Hospital das Clínicas do Estado de São Paulo, onde se integrou à equipe de profissionais da mais importante casa de saúde do Brasil. Júlia, economista e comerciante, casou e constituiu família em João Pessoa.

À medida que os filhos cresciam, Orwiliano se revelou um homem excessivamente duro nos métodos educativos que utilizava. A rigidez dele acabou provocando uma diáspora na família. O primeiro a fugir de casa foi Lucas. Fugiu dos maus tratos, enfrentou as agruras do mundo, trabalhou ainda adolescente, estudou, atravessou dificuldades até obter o diploma de economista e ingressar no serviço público.

Ao sair de casa, Lucas foi viver com a tia Nadja, irmã do seu pai que divergia das opções que o irmão fazia para educar os filhos. Depois de Lucas, José também abandonou a casa dos pais e foi viver em Vitória, no Estado do Espírito Santo, com a tia Cristiane, que era casada com um inspetor do porto daquela cidade.

Como os dois irmãos mais velhos, Wilson também saiu de casa ainda adolescente. Buscou a casa da tia Nadja e conseguiu um trabalho como office boy numa empresa concessionária dos carros da Willys Overland do Brasil. A irmã Auxiliadora saiu logo depois e migrou para a capital do Estado da Bahia, durante a adolescência.

Américo, ao fugir de casa, foi direto para a cidade de São Paulo. Usou o contato do seu amigo Roberto, que fora seu professor em João Pessoa e que trabalhava no Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi a influência de Roberto que conseguiu colocá-lo como trabalhador menor, na área de serviços gerais do grande hospital paulistano.

Américo estudou, concluiu o ensino de segundo grau. Esforçado, conseguiu aprovação no difícil concurso Vestibular da Universidade de São Paulo, ingressou no curso de Enfermagem e fez uma carreira acadêmica de sucesso, conquistando a vaga de enfermeiro do Hospital das Clínicas e professor no curso de Enfermagem da USP.

Para suportar a violência de Orwiliano, ficaram morando na mansão, em João Pessoa, apenas Júlia, a filha mais nova, e Carmen. Júlia prestou concurso vestibular para o curso de Economia da Universidade Federal da Paraíba e, também se estabeleceu no comércio de combustíveis, fazendo sucesso ao organizar uma rede com quatro postos de gasolina.   

Carmen aprendeu a não reclamar dos empurrões que tomava do marido e das humilhações verbais que sofria. Apenas comentava tudo com a mãe. Sônia assistia a tudo entristecida, percebendo que o casamento dos sonhos tomara o rumo da tragédia.


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