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O CASAMENTO


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

O furor de Sônia não lhe dava sossego. Constância mal acabara de completar três anos de idade, havia desmamado e Sônia ainda vivia com o jornalista Camilo, mas já estava envolvida com Eduardo Gois, advogado que atuava como procurador da Esso Brasileira de Petróleo, a poderosa multinacional norte-americana que detinha o controle de boa parte da distribuição de combustíveis da Bahia ao Ceará.

Jovem, bonito, sempre trajado em ternos de tropical inglês, usava uma grossa e vistosa corrente de ouro 18 quilates que prendia o caríssimo relógio Patek Philippe no bolso do seu colete. Com seu cabelo preto preso ao couro cabeludo pelo poder da brilhantina Royal Crown a mesma que dava brilho e segurava o topete do cantor Elvis Presley.

Além de tudo, era rico. O tipo de homem que agradava a Sônia. O primeiro encontro foi casual, na porta de um banco, no centro de João Pessoa. Sônia saindo e ele entrando na casa bancária. Tropeçaram e a pasta de Eduardo foi ao chão. Imediatamente, ela abaixou-se para ajudar o cavalheiro e pedir desculpas pelo encontrão.

O fogo de Sônia fez com que ela usasse todas as armas de sedução que conhecia. Dois dias depois, o advogado de 28 anos estava em um apartamento do Hotel Globo nos braços da balzaquiana 10 anos mais velha que ele. Eduardo não resistiu a poderosa chave que ela lhe aplicou quando se sentou nua sobre ele e em seguida usou as melhores técnicas de pompoarismo que dominava como ninguém.

O desaparecimento do jornalista Camilo deixou a sertaneja absolutamente à vontade e livre para viver suas aventuras com o advogado. Àquela altura, Sônia já sabia que não fora feita para o casamento, para ter um homem vivendo dentro da sua casa. Ao menos três tardes por semana eram dedicadas aos encontros com Eduardo, no Hotel Globo.

Não demorou muito para que Sônia começasse a receber valiosos presentes em forma de joias e de envelopes recheados de dinheiro, entregues a ela pelo advogado ao final de cada um dos encontros no Hotel Globo. O advogado era por demais generoso e não economizava. Sônia pedia sempre mais.

Aquele processo durou pouco mais de um ano e somente se interrompeu quando Sônia descobriu, no primeiro semestre de 1958, a gravidez da menina Carmen, gestante já no terceiro mês, aos 16 anos de idade. O pai da criança era Orwiliano Lima, solteiro, industrial 20 anos mais velho que a menina Carmen.

A notícia foi comunicada a ela conjuntamente por Carmen e por Orwiliano, industrial de porte médio que herdara uma fábrica de biscoitos do pai. Ele era um bom partido, sempre muito assediado pelas moças casadoiras. A impressão que ficava era a de que o relacionamento com o industrial servira para curar boa parte dos traumas comportamentais que incomodavam Carmen após a violência que sofrera do padrasto Camilo.

Orwiliano foi logo informando a Sônia que era um homem sério, pessoa de bem, que havia engravidado Carmen e que casaria com ela. Tudo foi apressado e no quatro mês de gestação estavam Orwiliano e Carmen subindo ao altar da Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves.

O bispo de João Pessoa, Dom Epaminondas José de Araujo foi o celebrante do casório, a igreja recheada por dignatários da vida paraibana. Não pela noiva e muito menos por sua família. Orwiliano Lima era de uma família muito homenageada pelos paraibanos da capital.

A recepção oferecida pela família do noivo levou aos salões do Clube Cabo Branco as mais importantes famílias da elite do Estado da Paraíba. Sônia voltou a por os pés na associação da qual fora expulsa na condição de mãe da noiva, olhada de soslaio mas aplaudida pelos mesmos que a enxotaram daquele clube.

Carmen se fora, feliz, viver na mansão adquirida por Orwiliano para o casal. Era uma casa muito grande, com dois pavimentos. No térreo se destacava o salão destinado a oferecer grandes festas. Orwiliano era um homem boêmio, de 36 anos de idade, casado com uma menina de 16 anos.

A casa na qual viviam era aconchegante e muito ampla. No andar térreo estavam as duas salas de visitas com um piano de cauda que ficava sempre fechado. Nem Orwiliano, nem Carmen sabia tocar piano. A sala de jantar era extensa e na parede um grande espelho que refletia a imagem de todos que ali chegavam.

A copa era muito bem equipada, com geladeira e uma adega cheia de bons vinhos estrangeiros que Orwiliano costumava importar. O hábito que tinha Orwiliano de oferecer banquetes aos seus amigos fazia com que a cozinha, revestida com pedras de mármore branco da casa fosse capaz de receber grande número de serviçais.

Um espaço especial da casa era o das varandas que a rodeavam, nas quais sempre estavam armadas uma boa quantidade de redes nas quais Orwiliano gostava de se deitar após o almoço.


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