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A MATURIDADE DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Na década de 80 do século XX eu era professor do Departamento de Filosofia e História da Universidade Federal de Sergipe. Dentre as disciplinas que estavam sob a minha responsabilidade, Introdução à Filosofia era obrigatória para todos os estudantes que ingressavam nos cursos de Licenciatura da UFS.

Numa das turmas estava um aluno franzino, curioso, inquieto e perguntador. Questionava tudo. Eu, não obstante ser mais velho que ele, já o conhecia. Passamos a infância vivendo nos bairros da zona norte da cidade de Aracaju e Amarílio Ferreira Neto era amigo da minha família e conhecia minha mãe, meu pai, meus irmãos e minhas irmãs.

Estudioso, Amarílio conquistou a minha simpatia de professor e, a partir daquela sala de aula, cultivamos uma bela amizade. Eu prossegui com a minha carreira acadêmica como professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, enquanto o meu aluno, depois de colar grau em Educação Física, fez mestrado em Educação Física na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, e Doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba.

Ele ingressou na carreira docente da Universidade Federal do Espírito Santo, onde permaneceu até a sua aposentação como professor titular, reconhecido como um importante pesquisador de História da Educação Física no Brasil. Aposentado, trabalhou como professor visitante na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é professor visitante na Universidade Federal da Bahia.

O trabalho na UFBA aproximou Amarílio do professor Coriolano Pereira da Rocha Junior, licenciado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Educação Física pela Universidade Gama Filho e doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O encontro já rendeu bons resultados com a publicação do livro HISTÓRIAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL, chancelado pela editora Dialética. São 563 páginas numa coletânea de 15 artigos que resultam dos estudos realizados pelo grupo de pesquisa CORPO, fundado por Coriolano na UFBA e pelo grupo de pesquisa PROTEORIA, fundado e liderado por Amarílio enquanto ele esteve ativo na Universidade Federal do Espírito Santo.

Dentre os temas de pesquisa com os quais o grupo CORPO contribui estão objetos como corpo feminino, práticas corporais, danças, clubes sociais, jogos escolares, academias de ginástica e capoeira. Dentre as predileções do PROTEORIA é possível listar a Educação Física na imprensa, Educação Física e ciências humanas, os estudos de Inezil Penna Marinho, a obra de Celi Taffarel e Educação Física no Exército.

O livro revela a amplitude de um campo de estudos que vem se diversificando de modo vigoroso. Dentre os autores, para além dos dois organizadores do volume, vale a pena citar a contribuição de pesquisadores como Dayane Ramos Dórea, Aline Machado, Viviane Rocha Viana, Natanael Vaz Sampaio Junior, Amanda Azevedo Flores, Luis Vitor Castro Junior, Antonio Jorge Gonçalves Soares, Gabriel dos Santos Pinheiro, Wagner dos Santos, Juliana Martins Cassani, Lucas Oliveira Rodrigues de Carvalho, Carolina Torres Alves de Almeida Ramos, Marcos Vinicius Pereira de Mesquita, Jean Carlos Freitas Gama, Kézia Alves Moreira Dutra, Omar Schneider, Felipe Ferreira Barros Carneiro, Dayse Alisson Camara Cauper e Álvaro Câmara de Pádua.

Os recortes teóricos que os textos adotam são originais no diálogo entre a teoria da história e os olhares que os estudiosos da Educação Física lançam sobre temas específicos como o corpo em movimento. Ao discutir o corpo feminino, Dayane Dórea e Coriolano Rocha Junior afirmam que “o corpo, essa construção social, é também campo simbólico de tensões, da mesma forma que a linguagem e o pensamento” (p. 19).

Estudiosos como Dayse Cauper, Álvaro Pádua e Amarílio Ferreira Neto lançam o olhar sobre os periódicos colegiais militares e concluem que “os Colégios Militares do Exército não constituem um universo fechado e homogêneo, como supõe o senso comum. Não são apenas espaços de transmissão e reprodução de um determinado recorte da cultura, ainda que o sejam também” (p. 547).

Analisando a Gazeta Médica da Bahia, Aline Machado e Coriolano Rocha Junior ensinam que o periódico representou um “processo de modernização, no contexto intelectual da elite médica baiana, vislumbrada através da Gazeta Médica da Bahia” (p. 86) e, deste modo, “apresentou-se como um marco de desenvolvimento científico” (p. 86).

Ao se debruçar sobre a obra de Celi Tafafarel, Renato Retz, Felipe Carneiro e Amarílio Ferreira Neto, mapeiam e analisam o trabalho realizado pela pesquisadora durante 38 anos de atuação acadêmica, afirmando que ainda há muito a aprender com os seus aportes teóricos (p. 484).

Viviane Viana e Coriolano Rocha Junior se lançaram a investigação das danças e dos clubes sociais na primeira metade do século XX, demonstrando de que modo “os clubes sociais da cidade do Salvador foram espaços importantes para a construção e manutenção das relações sociais e culturais da população baiana” (p. 124).

É muito diversificado o universo que a coletânea de textos apresentada no livro aborda. São estudos originais que demonstram a maturidade do campo da História da Educação Física. Uma leitura que vale a pena e interessa muito.

 

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