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O TERREMOTO DE POMBAL


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

- Sepultar os mortos, cuidar dos enfermos e reconstruir a cidade. Esta foi a frase de Pombal, em 1755, depois do terremoto de Lisboa.

Assim falou o erudito padre Velasco, enquanto sorvia com prazer e volúpia uma caneca de chope no Bar do Vesúvio. Era ali que ele e outros amigos costumavam se reunir para o bate papo no final da tarde desde que ele mudara para cidade, assumindo a concorrida paróquia de São Jorge dos Ilhéus.

Velasco era bem formado. Bacharel em Direito e atuante advogado com reconhecida liderança na Ordem dos Advogados do Brasil baiana. Professor de Direito Constitucional na Universidade Estadual de Santa Cruz – a UESC era também um importante gestor público.

Autor de muitos livros, ocupava uma das cadeiras da Academia de Letras da Bahia. Poesia, romance, ensaios de Sociologia Jurídica. Indiscutivelmente, escrever sobre História era uma das suas predileções.

Sentado ao seu lado, taça de vinho tinto português de boa safra à sua frente e um puro cubano, o bem sucedido empresário Tarcísio Russo, rico negociante do ramo de embarcações de recreio e fornecedor de combustíveis, com uma rede de lojas que se estendia por todo o litoral, desde o recôncavo baiano até a cidade de Vitória, capital do Espírito Santo. Bon-vivant, com filhos adultos que cuidavam dos seus negócios, fora durante toda a sua vida militante político de esquerda, prefeito de Ilhéus e secretário de Estado no governo da Bahia em diferentes situações. Era, seguramente o mais estudioso do grupo. Há muito abandonara a advocacia e dedicava o excesso de tempo disponível da sua confortável maturidade a ler compulsivamente. Lia de tudo, especialmente História. Decidiu corrigir o amigo vigário:

- Você está equivocado. A frase é atribuída frequentemente a Pombal, mas o seu verdadeiro autor é o Marquês de Alorna. Foi a sugestão que ele deu ao rei Dom José I que encarregou o Marquês de Pombal de colocar tal plano em execução.

Jacaré de Renê do Pombal assistia a tudo em silêncio. Engenheiro civil, era dos mais habilidosos para ganhar dinheiro. Sua carteira de obras estava recheada de contratos com valor elevado. Tarcísio Russo costumava brincar com o amigo, afirmando:

- Você não entende nada de obras. Você conhece mesmo é de contrato.

No grupo todos sabiam que a capacidade demonstrada por Jacaré de Renê do Pombal para engordar sua conta bancária não dera nenhuma contribuição para que existisse uma biblioteca caseira de conhecimentos gerais. Mas ele não deixava escapar nenhuma oportunidade de comentar os animados debates sobre Literatura e História daquela turma. E resolveu tomar posição na tertúlia travada entre o padre Velasco e Tarcísio Russo:

- Num tô entendendo. O que é que aconteceu em Ribeira do Pombal que vocês tão sabendo e ninguém me contou nada? Meu primo, Dudu de Renê do Pombal é o prefeito de lá. Tudo que acontece na cidade ele me conta. Renê do Pombal é meu avô e é o avô dele. Minha mãe era irmã da mãe dele. Vovô Renê foi capataz do Barão de Jeremoabo. É longe daqui, mas é terra boa.

Carlinho Leitão era o filho de sucesso que orgulhava a todos da sua geração. Formado em Economia, migrou cedo para a cidade de São Paulo. Foi professor na USP, secretário de Estado de dois governadores tucanos e continuava ganhando uma boa grana como consultor da FIESP. A cada 60 dias, montava no seu jatinho e passava 10 dias em Ilhéus. Ia conferir a renda auferida pelas duas fazendas nas quais produzia cacau e pela sua frota de 11 barcos de pesca. Octogenário, rico, tinha a ironia e o deboche como traços marcantes da sua personalidade. Chamava a atenção pelo exacerbado senso de humor. Abstraiu o Iluminismo português do século XVIII e emendou enquanto saboreava a sua juruba:

- É bom você ligar pros seus parentes em Ribeira do Pombal. Hoje cedo teve um terremoto muito forte por lá. Fale com seu primo Dudu de Renê do Pombal. Veja se alguma pessoa da sua família foi atingida. A coisa foi feia. Pelas contas da Rede Globo já tem mais de dois mil mortos. A Folha de São Paulo disse que tem mais de quatro mil feridos. Mais de 800 casas tão no chão.

Jacaré de Renê do Pombal franziu a testa:

- Porque até essa hora ninguém me falou nada?

Carlinho Leitão apascentou o ambiente:

- Relaxe... Amanhã, na UESC, o doutor Paulo Overland, sismólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte vai fazer uma palestra no auditório da UESC sobre o Terremoto de Ribeira do Pombal.

No dia seguinte todos estavam lá. Jacaré de Renê do Pombal na primeira fila. Foi uma excelente palestra do doutor Paulo Overland, reputado historiador, estudioso do Iluminismo Português, sobre O Marquês de Pombal e o Terremoto de Lisboa de 1755.

       

 

*Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com instituições e pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. 

 

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